Nascimento e juventude de Santo Ubaldo. — Santo Ubaldo nasceu em Gúbio, na Itália, entre 1080 e 1085, da antiga família Baldassini, que estava entre as principais da região. Ainda criança, ficou órfão de pai e mãe. Um tio, de mesmo nome, cuidou dele e confiou-o aos cônegos da Catedral de São Mariano para que se ocupassem de sua educação. Mas a dissipação que reinava entre eles e a vida mundana que levavam, logo convenceu Ubaldo a mudar de residência escolhendo a igreja de São Segundo. A permanência entre os padres de São Segundo marcou profundamente sua juventude, colocando-o no caminho da santidade.

Na busca por colaboradores para o trabalho de reforma da igreja de Gúbio, o bispo São João de Lodi, do mosteiro camaldulense de Fonte Avellana, querido discípulo de São Pedro Damião, eleito em 1105, descobriu o jovem Ubaldo Baldassini em São Segundo e percebeu sua riqueza espiritual. Querendo-o perto de si, trouxe-o de volta aos cônegos da Catedral de São Mariano.

Prior da canônica de São Mariano e reformador da vida do clero. — As intenções reformadoras do santo bispo João de Lodi pareciam ter se frustrado por sua morte prematura, ocorrida apenas um ano depois de sua eleição. Mas, nos planos da Providência, já estava pronto quem haveria de recolher sua herança espiritual.

Por volta de 1114, Ubaldo foi ordenado sacerdote e em 1117 foi eleito Prior do Capítulo. Apesar da resistência, ele imediatamente iniciou a reforma da canônica [i] de São Mariano, mesmo que seguido por apenas três irmãos. Acompanhado por um deles, provavelmente o cônego Bento, que mais tarde o sucedeu no convento, dirigiu-se a pé à canônica de Santa Maria do Porto em Ravena, que voltou a florescer na observância da Regra de San Pietro degli Onesti, aprovada pelo Papa Pascoal II em 1116.

Ubaldo queria conhecer essa regra com a ideia de utilizá-la para a reforma do seu capítulo. Ele experimentou diretamente sua eficácia para a vida comum, vivendo sua observância durante os três meses que permaneceu em Ravena. Durante a sua estadia faleceu o reformador da canônica de Santa Maria do Porto, Pietro degli Onesti — uma circunstância singular que não desanimou Ubaldo, mas fortaleceu sua ideia de trazer a Gúbio a bendita regra que agora recebia como testamento de um santo.

Giordano, amigo e primeiro biógrafo de Santo Ubaldo, conta um episódio ocorrido no retorno a Gúbio:

Mortos de cansaço, (Ubaldo e Bento) a certa altura pararam num bosque e adormeceram. Acordando, eles partiram novamente e percorreram um longo caminho; percebendo que não tinham consigo o livro, disseram um ao outro: “Onde está o nosso tesouro?”, e: “Quem roubou o fruto do nosso trabalho que foi tão duro?” Foram convencidos por sinais claros de que era uma artimanha do demônio.

Eles não tinham a menor ideia do que fazer: por um lado, não se lembravam com certeza até que ponto o livro tinha permanecido com eles, ou onde o haviam perdido; por outro lado, temiam que ele tivesse sido tomado por viajantes ou que a chuva o tivesse inutilizado. Mesmo assim voltaram ao lugar onde haviam parado para descansar. Fizeram a seguinte oração: “Ó Deus Altíssimo, que destes ao vosso servo Moisés novas tábuas da lei no lugar das primeiras, quebradas, trazei-nos de volta o livro que com grande esforço montamos para a salvação de muitos.”

E no exato momento em que se expressaram nesses termos, viram o livro, que saíra ileso da chuva e dos viajantes, preservado para eles por intervenção do Senhor. Depois, agradecendo intensamente a Deus, recuperaram o livro e voltaram para a canônica.

“Aparição da Virgem com o Menino a Santo Ubaldo, bispo de Gúbio, que indica ao fundo a cidade de Pésaro”. Arte de Palma, o Jovem.

Animador da construção da cidade após o incêndio de 1126. — Um teste para Ubaldo, prior da Catedral, foi o terrível incêndio que irrompeu em uma noite de 1126 em um dos becos e destruiu completamente a cidade, cujas casas eram em sua maioria construídas de madeira. Um profundo desânimo se espalhou nas almas das pessoas que haviam perdido tudo. Parecia não haver nada a fazer senão abandonar aquelas ruínas.

Ubaldo também deixou Gúbio. A desgraça repentina — que com a destruição da Catedral e da canônica e com a dispersão dos confrades havia jogado fora todo seu trabalho de reforma — pareceu-lhe o sinal de que Deus o chamava para uma vida diferente, a vida contemplativa. O destino de Fonte Avellana faz-nos compreender esta nova orientação de sua alma.

Fonte Avellana, a famosa ermida aos pés do Monte Catria, cantada por Dante no canto XXI do Paraíso, fundada no final do primeiro milênio, sob o convento de São Pedro Damião, tornou-se um dos centros mais influentes da reforma gregoriana. Centro de vida contemplativa, nos moldes da espiritualidade de São Romualdo de Ravena, foi um cenáculo de santos monges e santos bispos.

Entre os bispos que vieram de Fonte Avellana para governar a diocese de Gúbio, dois são venerados como santos: Rodolfo Gabrielli (1058–1064) e João de Lodi (1105). Deste, Ubaldo ouvira falar da vida que se tinha na santa ermida: como, através de seu testemunho, havia arrancado de São Pedro Damião a paixão pela vida comum, a qual entendia como modelo da Igreja primitiva e único modo de reformar a vida do clero.

Fonte Avellana tornava-se agora o porto tantas vezes desejado por Ubaldo. Mas nem sempre as intenções mais nobres coincidem com a vontade de Deus. Quem a discerniu foi o sábio prior Pedro de Rimini, segundo o qual Ubaldo deveria desenvolver sua missão em Gúbio. E assim o aconselhou a refazer seus passos, ou melhor, o caminho que o Senhor lhe havia preparado.

Ubaldo obedeceu docilmente e, iniciando com coragem a reconstrução da Catedral, da canônica de São Mariano e do hospital dos peregrinos, reanimou a reconstrução da cidade. Onde o fogo havia gerado um deserto, recomeçou a vida.

Bispo de Gúbio. — A fama de Ubaldo já havia ultrapassado as fronteiras da diocese. Com a morte de Dom Germano, o clero de Perúgia o elegeu bispo daquela cidade. Quando a delegação dos perusinos veio pedir-lhe a aceitação, Ubaldo não se deixou encontrar, mas fugiu para esconder-se num lugar solitário cuja topografia é difícil de precisar porque a única indicação que o biógrafo Teobaldo nos dá é que o lugar estava em um vale “entre dois rios”.

No entanto, ao ser avisado que os perusinos não se renderiam, mas que iriam ao Papa Honório II para que o obrigasse a aceitar, Ubaldo os precedeu acompanhado por quatro cônegos e, valendo-se também da mediação de cardeais amigos, suplicou ao Pontífice que o dispensasse de aceitar. Honório II deixou-se vencer pela insistente oração de Ubaldo. “Na realidade — escreve Giordano —, ele foi providencialmente mantido sob custódia na sede dos bispos da própria cidade”.

Pouco tempo depois, no final de 1128 ou início de 1129, com a morte de Dom Estêvão, bispo de Gúbio, foi convocada a assembleia eletiva para a sucessão. O direito de eleger o bispo estava então nas mãos dos notáveis do clero da diocese. No entanto, nenhum acordo foi alcançado sobre qualquer candidato. Aquele foi um momento particularmente delicado na vida social. A velha estrutura feudal estava desmoronando e as novas forças populares também apareciam tumultuosamente em primeiro plano. O bispo geralmente pertencia à antiga hierarquia aristocrática e muitas vezes, além de ser um chefe religioso, também era o senhor da cidade. A relevância sociopolítica pesou na escolha do bispo e a dificultou. As pessoas começaram a pensar que teria sido melhor ter um bispo de fora da diocese e, inclusive para maior prestígio da diocese, recorreram a um prelado da Cúria Romana. Assim, a escolha foi deixada ao papa e Ubaldo teve de retomar a viagem a Roma à frente da delegação do clero. Desta vez, porém, Honório II, com uma intuição sobrenatural, indicou Ubaldo Baldassini como a pessoa mais adequada para se tornar bispo de Gúbio. Em sua humildade, Ubaldo ficou chocado e, com um gesto súbito, não condizente com a mansidão de seu caráter, estendeu a mão direita em direção ao altar e colocou-a sobre a mesa, jurando que nunca aceitaria. (O próprio Ubaldo, recordando-se deste gesto na velhice, interpretava que o sofrimento que lhe dava uma ferida na mão direita era uma penitência merecida por aquele seu impulso.) Mas o papa mostrou-se resoluto em sua decisão e Ubaldo soube inclinar a cabeça, adorando a vontade de Deus.

Foi o próprio papa que lhe conferiu a ordenação episcopal. E assim, Ubaldo voltou de Roma bispo e pai de sua igreja, a qual, segundo a profecia de Teobaldo, ele “assumiu desde aquele momento para governá-la pelos séculos”.

Ministério de reconciliação e de paz. — Começando a falar de Santo Ubaldo depois de sua elevação ao episcopado, o biógrafo Teobaldo escreve: “Consagrado bispo, assim como cresceram nele a dignidade e a honra, também cresceram a virtude da mansidão e toda a bondade. Porque ele era manso acima de todas as possibilidades humanas, humilde, simples, gentil, afável… sua paciência estava acima de toda miséria humana”.

Os primeiros a fazê-lo sofrer foram os próprios familiares, embora na renúncia aos seus bens pessoais lhes tivesse lembrado que dividira seu patrimônio em três partes: uma para a Igreja, outra para os pobres e outra para os parentes ingratos. No entanto, em seu orgulho, eles aspiravam aumentar em poder e prestígio através de seu tio bispo. Mas Ubaldo, que desprezava toda honra, estava completamente fora da lógica deles. E então começaram a desprezar seu estilo de ser bispo na humildade, pobreza e mansidão, considerando-o desonroso e incapaz de governar. Por essas razões passaram aos insultos mais vulgares: — Filho da epiléptica, ídolo batizado, máscara inútil. Por que carregas título episcopal vazio de poder? Com que finalidade ocupas a terra? Morre, desgraçado!

A tempestade familiar não foi a única que Ubaldo teve de enfrentar desde o início de seu episcopado. De fato, ele se viu em meio à turbulência política, que já havia influenciado o desacordo sobre sua candidatura nas eleições para a sucessão de Dom Estêvão. Foi a crise do nascimento da civilização urbana com as novas forças pressionando contra a velha ordem feudal dominante. Finalmente, o povo conseguiu nomear seus cônsules.

Estamos entre 1135 e 1140. Mas os antigos senhores não desistiriam facilmente e desencadeariam uma violenta luta fratricida. No súbito tumulto que eclodiu, o bispo chegou para invocar a paz entre as facções. Como não foi ouvido, Ubaldo recorreu a um curioso estratagema: deu um passo à frente entre as espadas dos contendores e a chuva de pedras, e quando chegou ao meio deixou-se cair no chão como se estivesse morto. O medo fez parar a batalha: Ubaldo levantou-se e, aflito, repetiu a exortação à reconciliação e à paz. Mas foi apenas uma trégua. Quando mais tarde a rebelião dos nobres foi reprimida, o partido vitorioso recorreu a meios extremos, exilando os derrotados e tentando obter do bispo a excomunhão contra eles.

Diante da firme recusa de Santo Ubaldo, eles responderam criando um deserto ao redor dele e também convencendo o clero a abandoná-lo. É desse período o episódio das portas da canônica de São Mariano batendo violentamente na cara do bispo, e o do abandono de seus clérigos que o impediam de celebrar a Santa Missa. 

Diante de tantos mal-entendidos, Santo Ubaldo manteve inalterada sua paciência. Finalmente, os eugubinos tiveram de se render à sua bondade heroica. Um dia, durante a construção das muralhas da cidade, o bispo pediu educadamente para interromper os trabalhos de um esgoto que danificou o vinhedo do palácio episcopal. O capataz respondeu com um empurrão, jogando-o no poço de cal. O bispo levantou-se em silêncio e foi para casa todo manchado. Mas como o incidente se tornou conhecido rapidamente, suscitou a reação popular que, segundo o costume da época, teria levado à demolição da casa do perverso e à sua expulsão para o exílio. Foi Ubaldo quem evitou esse desfecho óbvio, alegando que a ele cabia fazer justiça. Quando o pedreiro estava em sua frente de joelhos, ele o levantou e disse: “Que o Deus todo poderoso te perdoe”, e deu-lhe um beijo.

Escultura de Santo Ubaldo de Gúbio.

Pastor segundo o Coração de Deus, modelo do rebanho. — Entre os principais deveres do bispo, destaca-se a pregação do Evangelho. Infelizmente, não chegaram até nós as pregações de Santo Ubaldo, ao contrário do que se deu com outros santos bispos. O biógrafo Giordano cita-nos apenas o esboço de duas homilias: aquela proferida por ocasião da invasão da cidade, e aquela da última Páscoa.

Não obstante a brevidade do resumo, percebe-se ali como Santo Ubaldo sabia iluminar os fatos da vida individual e social com a luz da fé; como ele alcançava essa luz pela constante meditação das Sagradas Escrituras; e como tomava parte nela através da força de sua adesão. Ali se manifesta aquela profunda união com Deus que ele cultivava na sua oração assídua. “Todo lugar — escreve Teobaldo — era para ele um lugar de oração”. Mas um lugar era-lhe particularmente caro para o recolhimento: o eremitério de Fonte Avellana onde frequentemente se retirava para encontrar, na vida de pura contemplação, a fonte de seu ministério apostólico.

O bispo deve ser considerado como o grande sacerdote do seu rebanho. A reforma dos cônegos de São Mariano já fora orientada ao culto de Deus, como está enunciado no topo da regra que Santo Ubaldo trouxera de Santa Maria no Porto. Agora, como bispo, Santo Ubaldo exprime este zelo pelo culto divino celebrando diariamente a Liturgia Eucarística com a solenidade do canto; e mesmo quando se retirava para a Fonte Avellana, não abandonava esse costume.

Um dia encontrou ali gravemente enfermo aquele que o servia com grande devoção. Amorosamente, Santo Ubaldo pediu-lhe que preparasse todo o necessário: depois, durante a Missa, orou fervorosamente por ele. E o monge, que já estava quase no fim da vida, antes que terminasse a celebração foi ao encontro do bispo perfeitamente curado.

Em relação a um outro ofício fundamental dos bispos, o do governo da diocese, Santo Ubaldo teve sobretudo o cuidado de ampliar para toda a diocese a ação de reforma do clero, já iniciada junto aos cônegos da Catedral, promovendo a vida comum segundo a regra de Santo Agostinho. Como testemunha de tal atividade, temos o documento com o qual o Papa Inocêncio II instituiu, em 23 de março de 1141, a igreja de São Segundo como canônica sob a regra agostiniana. Santo Ubaldo havia encarregado Leto, prior de São Segundo, a pedir ao papa tal instituição.

Enquanto se empenhava em reformar a vida do clero, Santo Ubaldo preocupava-se também com o povo de Deus. Daí o seu empenho em visitar as igrejas espalhadas pelo vasto e intransitável território da diocese — visitas que, ao contrário dos costumes do tempo, ele realizava com grande simplicidade, rejeitando qualquer remuneração, somente com a intenção de sustentar a vida cristã de seus filhos. Numa destas visitas, junto à paróquia de São Crescêncio, um cego aproximou-se para beijar sua mão. No mesmo ato de beijá-la, o pobrezinho recuperou a vista que tinha perdido quatro anos antes. Com este e outros sinais prodigiosos, o Senhor acompanhava o ministério do santo bispo.

Contudo, entre seus contemporâneos (sem excetuar o próprio biógrafo Teobaldo) difundiu-se o juízo de que seu governo pastoral era excessivamente débil. Santo Ubaldo foi então um fraco? Certamente, no período em que ele viveu, no qual o poder era muitas vezes manifestado de forma bastante autoritária, este homem representou uma exceção incomum. De fato, Ubaldo não quis recorrer a excomunhões ou penas vindicativas, e de bom ânimo renunciou aos [privilégios] temporais legados por costume ao ministério episcopal. Esses [privilégios] eram uma só coisa com o episcopado, ou pelo menos eram considerados direitos irrenunciáveis da Igreja. Ubaldo estava entre aqueles que, na reforma gregoriana, não consideraram apenas o aspecto reivindicatório no confronto com o poder secular, mas o sinal daquele retorno à vida apostólica (isto é, ao Evangelho), que marcou uma autêntica renovação na Igreja.

Santo Ubaldo, portanto, não foi fraco. Na verdade, ele foi manso, o que é bem diferente. Sua força não consistiu no domínio sobre os outros, mas na heroicidade da doação na missão que Deus lhe havia confiado.

Defensor da cidade, pai da pátria. — Os nobres, banidos da cidade após a rebelião que tinha ameaçado as primeiras liberdades civis, tinham jurado vingança. E de fato saíram para persuadir as cidades vizinhas a avançar contra Gúbio. Influenciaram sobretudo a Perúgia, que não suportava a nova república que vinha surgindo ao sul do seu território. Formou-se então uma liga guiada por Perúgia, da qual participavam Città di Castello, Assis, Foligno, Spoleto, Cagli, Nocera; e também lhe estavam unidos os condes de Coccorano, de Val di Marcola e de Fossato.

Estamos no ano de 1551. A aproximação das fileiras inimigas colocou em pânico os eugubinos. Um pedido de acordo de nada valeu para afastar a invasão. Nove embaixadas foram enviadas, mas sem qualquer resultado. Os inimigos, em número tão superior, estavam seguros da vitória.

Restava apenas confiar na misericórdia de Deus. Para alcançá-la, Santo Ubaldo exortou seu povo a arrepender-se dos pecados; convidou-os à oração e à penitência. Depois, estabeleceu com os oficiais um ousado plano para pegar os inimigos de surpresa e confundi-los. No momento da batalha, ele subiu na torre da Catedral (como novo Moisés) para interceder pelos seus filhos.

Além da estratégia posta em ação, a incrível vitória obtida pelos eugubinos teve em Santo Ubaldo, na sua fé e na sua liderança, o grande e verdadeiro protagonista.

Passaram-se apenas quatro anos, estamos em 1155, e eis que surge um perigo ainda mais grave. Frederico Barba Ruiva veio pela primeira vez à Itália para ser coroado imperador pelo papa Adriano IV. As cidades situadas ao longo do seu percurso eram constrangidas a pagar pesados impostos, sob pena de destruição. A lembrança sinistra do incêndio de Spoleto já anunciava a sorte da nossa cidade que havia se recusado a pagar, pela objetiva impossibilidade, a grande soma requerida pelo imperador alemão.

E, de fato, Frederico armara em 1.º de agosto as tendas entre os castelos de Branca e de Fossato, decidido em seu propósito de destruição, incitado pelos nobres eugubinos banidos, os quais já haviam insuflado o ódio das onze cidades.

Novamente Ubaldo, velho e doente, experimentou em seu coração as ânsias de seu povo; desarmado e desarmando [os outros], apresentou-se ao imperador, e o milagre aconteceu. O prestígio de sua santidade derreteu, como por encanto, o coração gélido de Frederico. Gúbio estava salva. E o imperador tornar-se-á seu amigo e o encherá de privilégios.

Pela viva memória destes fatos, os eugubinos merecidamente atribuíram a Santo Ubaldo o título de “Pai da Pátria”.

O corpo incorrupto de Santo Ubaldo.

Última enfermidade e morte de Santo Ubaldo. — Às penitências que haviam debilitado o físico de Santo Ubaldo, ajuntaram-se também lesões: uma vez ele quebrou o ombro direito, e duas vezes uma perna. Agora, nos dois últimos anos de vida, seu corpo foi sendo coberto de pequenas úlceras dolorosíssimas. Por essa razão, não podia repousar no seu já austero leito. Era forçado a permanecer com as costas apoiadas sobre uma cadeira e as pernas sobre uma segunda cadeira, deixando o resto do corpo suspenso. A mão direita era toda ela uma chaga. Um líquido purulento emanava tão abundantemente das úlceras que era necessário trocar-lhe a roupa íntima cinco vezes ao dia. Um verdadeiro martírio ele viveu, com paciência heroica. Orava continuamente, recitava os salmos, louvava a Deus, sem parar. Continuava a ensinar a todos os que vinha encontrá-lo, crismava as crianças, cumpria quase todos os deveres de um bispo, não se lamentava nunca. Movia todos às lágrimas: era uma tortura vê-lo reduzido àquele estado.

Chegou a Páscoa de 1160 e os eugubinos não se conformavam em não tê-lo consigo na Catedral para a celebração dos Santos Mistérios. Atreveram-se então a pedir ao bispo um ato extremo de heroísmo. O magistrado da cidade, chamado Bambo, foi suplicar-lhe: “Dulcíssimo pai, Cristo amou os seus até o fim. E tu, que até hoje viveste não para ti mesmo senão para nós, queres agora resistir à oração dos teus filhos?” À recordação do supremo testemunho do amor de Cristo, Ubaldo não pôde resistir e mandou que o carregassem pelos braços até a Catedral para celebrar a última Páscoa: foi sua mais solene celebração. A homilia que pronunciou sobre a vida eterna foi o seu testamento, o seu adeus no céu: uma homilia que tocou tão profundamente os corações a ponto de reconciliar um pai com o assassino de seu filho, quase como um selo do ministério de reconciliação que destacou o episcopado de Ubaldo.

Agora, restava apenas concentrar-se na morte e preparar-se no mais profundo recolhimento. Ubaldo mandou que o levassem para a igreja de São Lourenço, que estava sob os cuidados dos avelanitas de Camporeggiano. Mas, como ele piorava cada dia mais, os eugubinos quiseram trazê-lo de volta ao episcopado, pois temiam não poder recuperar seu corpo caso ele morresse numa igreja claustral. De volta, Ubaldo recebeu os últimos sacramentos da fé.

Na tarde de Pentecostes, 15 de maio de 1160, entrou em agonia murmurando a oração do Salmo 141: “Arranca a minha vida deste cárcere, para que eu dê graças ao teu Nome”. Enquanto isso, os eugubinos saíram de suas casas e, por toda a noite, com velas nas mãos, acompanharam as últimas horas do Pai amadíssimo. Na manhã de segunda-feira, 16 de maio de 1160, enquanto o sino da Catedral chamava para o ofício litúrgico da hora de Prima, Ubaldo subia para celebrar a Liturgia do Céu.

Ao redor de seu corpo — que permaneceu exposto na Catedral até quinta-feira, 19 de maio, antes de ser sepultado junto ao túmulo dos santos mártires africanos, Mariano e Tiago — floresceram relatos de vários milagres. Porém, o maior deles foi sem dúvida o restabelecimento da paz entre a cidade e o condado. Com efeito, a cidade estava em luta contra os feudatários do condado e isso impedia que os súditos pudessem pôr os pés na cidade. Privá-los de ver o Pai comum, e sobretudo morto, seria crueldade. Assim, a oferta de paz saiu do município pelos arredores dos castelos; e acolhida por todos, permitiu que os camponeses viessem beijar pela última vez o corpo do Pai.

Na glória dos santos. — Sobre o túmulo de Santo Ubaldo desenvolveu-se imediatamente o culto popular. É Teobaldo, seu sucessor no episcopado eugubino, que o atesta. Assim ele escreve:

Em todo aquele ano (o ano da morte de Santo Ubaldo) foi contínuo o júbilo, foi todo cheio de alegria e gozo: foi um ano próspero pela abundância de todo bem da parte de Deus, foi doce e caro para a concórdia e a paz… E havia tal prodigalidade para com os pobres que, contra o costume, estes não tinham necessidade de pedir, mas na verdade eram conclamados a aceitar os presentes… Nas numerosas peregrinações havia ricos que levavam presentes ao túmulo do santo; e maior ainda era o número de peregrinos indigentes, os quais, na sua miserável condição, careciam inclusive do necessário para viver. A piedade dos ricos quis prover também a estes pobres, e grande quantidade de alimento foi doada à canônica de São Mariano. Inspirando-se sempre nas antigas tradições da Igreja, atendiam aos necessitados do amor fraterno na mesma Catedral. Eram duzentos, trezentos, às vezes mais de quatrocentos pobres, que sentados à mesma mesa recebiam o alimento necessário. E era comovente ver assim unidos ricos e pobres num impulso comum de caridade para honrar a memória de Santo Ubaldo.

Tornou-se um costume para os eugubinos, vir todos os dias durante o ano com velas acesas ao túmulo do santo. A cidade ressoava pelas vozes dos cânticos e brilhava pela luz das tochas. De todas as ruas e praças rendia-se louvores ao Senhor. O nome de Ubaldo era cantado por todas as vozes, por todos era celebrado, como se não houvesse outro que devesse ser tão recordado quanto o nome de Ubaldo.

A veneração de Ubaldo continuou e se espalhou também pelas dioceses vizinhas. As duas primeiras biografias, a de Giordano e a de Teobaldo, entraram no lecionário para uso litúrgico. O bispo de Gúbio, Bentivoglio, julgou oportuno pedir ao papa a confirmação do culto. De fato, para evitar a exageração do entusiasmo popular, justamente aquele ano a Sé Apostólica havia reservado para si a decisão de mérito. Após as súplicas reiteradas do bispo Bentivoglio, corroboradas pelos testemunhos de muitos outros bispos e fiéis leigos, e tendo recebido parecer unânime dos Cardeais da Cúria, o Papa Celestino III, em 5 de março de 1192, reconheceu com decisão infalível a santidade do bispo de Gúbio, Ubaldo Baldassini.

A canonização de Ubaldo foi uma das primeiras canonizações pontifícias. A bula de proclamação usou pela primeira vez a fórmula: “com a autoridade dos santos apóstolos Pedro e Paulo”, que se tornaria até hoje elemento constitutivo das bulas de canonização.

Dois anos após a sentença de Celestino III, precisamente em 11 de setembro de 1194, o corpo incorrupto de Santo Ubaldo foi transportado da Catedral para uma nova igreja, junto à fortaleza da cidade no topo do monte de São Gervásio ou Santo Ângelo (o monte Ingino).

A velha e pequena cidade estava para ser abandonada e já fora decidido que seria construída no alto, nas encostas do monte. O imperador Henrique VI já havia aprovado em 1191 a execução do projeto, e o bispo Bentivoglio já se prevenira adquirindo o terreno para a nova Catedral numa eminente posição. E também já obtivera de Clemente III, predecessor de Celestino III, autorização para transportar, da velha para a nova cidade, as relíquias do santo.

Para a transladação do corpo de Santo Ubaldo foi construída uma capela junto àquela ruína de São Gervásio, na localização presidida pela fortaleza, a fim de defender o corpo do santo de possíveis ataques inimigos. No lugar da capela, está hoje a honrosa Basílica onde “o venerado corpo do Santo, conservado intacto pelos séculos, parece quase um sinal de que ele quer permanecer em meio à sua cidade e diocese, para inspirar e guiar o caminho de fé do seu povo”.

Referências

  • Pietro Bottaccioli. Biografia di S. Ubaldo. In cammino con S. Ubaldo (1992). Chiesa Eugubina, Anno XXXIX, n. 2, set. 2018.

Notas

  1. “Cônego” (do latim canonĭcus pelo grego antigo κανονικός, de κανών, “regra”) é o presbítero que vive sob uma regra que o obriga a realizar as funções litúrgicas mais solenes na igreja catedral ou colegiada. O conjunto dos cônegos forma o Cabido (do latim Capitulus), ou seja, o colégio reunido sob uma mesma cabeça, um chefe ou superior. A “canônica” era a residência em que tais cônegos viviam em comum, desempenhando as funções litúrgicas e sobretudo o Ofício Divino (N.T.).

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