Eu sei, eu sei, não é nada politicamente correto tocar neste assunto.

Hoje se espera que as pessoas pelo menos finjam que todas as religiões são iguais. Os professores de religião comparada (que em compensação, de maneira geral, não têm religião alguma) ensinam que todas as religiões seriam invenções humanas baseadas em culturas e circunstâncias históricas particulares.

A teoria é que as religiões evoluíram do animismo, quando os homens das cavernas grunhiam para o sol, a lua e as estrelas, e inventavam histórias sobre as pessoas que aí viviam. Então eles inventaram histórias sobre deuses, as quais se tornaram mitos, e começaram a oferecer sacrifícios às pessoas do céu; e então eles inventaram mais histórias, eventualmente adicionaram regras a tudo isso, e foi assim, mais ou menos, que todas as diferentes religiões se desenvolveram.

Como a maior parte das heresias, essa é uma meia verdade, e, como a maior parte das meias verdades, parece ser mais plausível do que a verdade completa. Esta é sempre difícil de acreditar à primeira vista, mas mostra-se muito mais plausível a partir de um exame mais profundo.

Todas as religiões são iguais? Se você tem um desses pôsteres retratando o pôr-do-sol e com um slogan que diz: “Estamos todos escalando a mesma montanha, só que por caminhos diferentes”, então você talvez tire a conclusão sentimental de que sim, todas as religiões são iguais.

Mas elas não são. Pare para pensar por um momento. O judaísmo, com seu monoteísmo, seus rituais e suas leis, seria igual à religião asteca, com seus sacrifícios humanos genocidas? Eu temo que não. O hinduísmo, com seus mitos elaborados, seus rituais antigos e seus panteões repletos de deuses, seria igual aos testemunhas de Jeová? O islamismo wahhabista, que releva a violência, seria igual aos quakers pacifistas?

Religião não é tudo a mesma coisa. Religiões não são todas iguais. Algumas delas são moral, teológica e filosoficamente superiores a outras, assim como alguns compositores e artistas são superiores a outros. Roberto Carlos pode ter escrito algumas boas músicas, mas ele não é Mozart. Norman Rockwell pintou alguns bons quadros, mas ele não é Rembrandt.

Da mesma forma, algumas religiões são superiores a outras, e o cristianismo sobressai a todas. E, das religiões cristãs, o catolicismo é a melhor. Ao afirmar isso, não estou dizendo que todas as outras religiões não prestam. A Igreja Católica ensina que todas as outras religiões possuem elementos de bondade, verdade e beleza, e nós defendemos o que há de bom nessas religiões. Ao mesmo tempo, porém, nós afirmamos que o cristianismo é a melhor de todas elas e fazemo-lo por uma razão muito simples.

Antes de eu explicar porquê é importante eu deixar claro o que não faz parte do meu argumento. Eu não estou dizendo que os cristãos são as melhores pessoas da terra. Nós tivemos muitas grandes realizações em nossa história, mas também tivemos a nossa parcela de maus indivíduos. Cristãos são pecadores e podem ser hipócritas como todo o mundo. Não estou defendendo aqui que nossa religião foi sempre vivida de modo luminoso, mas sim que nossa religião é luminosa. Chesterton estava certo (como de costume): “O cristianismo não foi tentado e considerado imperfeito; ele foi considerado difícil sem ser tentado.”

Estou escrevendo estas linhas durante a Quaresma e, para dizer de maneira bem simples, o cristianismo é superior por causa da Semana Santa e da Sexta-feira Santa; é superior por causa da crucificação de Jesus Cristo.

Eis aonde eu desejo chegar: o cristianismo é a única religião que não ignora nem evita o problema do sofrimento. Na verdade, o sofrimento está no próprio coração de nossa religião. Nosso principal ícone é um crucifixo. Nosso ato central de culto comemora e representa a execução de uma vítima inocente.

Outras religiões desviam do problema:

  • O budismo e o hinduísmo ensinam que o sofrimento é parte do ciclo do carma; para evitá-lo, seria necessário elevar-se por meio do desprendimento do mundo material.
  • O epicurismo evita o assunto ensinando a devassidão: “Comamos e bebamos, amanhã morreremos”.
  • O estoicismo, por sua vez, ensina que é preciso aceitar o sofrimento (com dignidade, se possível), cumprir o próprio dever e seguir em frente.
  • O islamismo ensina que o sofrimento é escolha arbitrária de Deus e não faz perguntas.
  • Religiões primitivas não têm problema com o sofrimento porque elas sequer têm um Deus que seja bom; o sofrimento para elas é simplesmente parte do cosmo, seu credo é o fatalismo.
  • Os judeus, que mais se aproximam de nós, aceitam o sofrimento como uma parte inexplicável do fato de serem o povo escolhido de Deus.

Mas pense sobre o modo como nós, cristãos, lidamos com o sofrimento. Ante a questão: “Como pode um Deus bom permitir o sofrimento?”, nós nos debatemos, ficamos instigados, discutimos com outras pessoas, e algumas delas chegam a se tornar ateias por causa desse terrível enigma.

Nós, porém, respondemos (principalmente os cristãos católicos): “Sim, trata-se de um problema, mas toda a razão da nossa religião é a resposta de Deus para esse problema. Nós não o varremos para debaixo do tapete. Nós não o ignoramos. O sofrimento é um problema, mas a resposta para ele é o centro de toda a nossa fé. Nós pregamos Cristo, e Ele crucificado.”

Nós vemos o sofrimento como um resultado do livre-arbítrio e este, por sua vez, é a condição para a existência do verdadeiro amor. Se você não é capaz de amar livremente, então você não é capaz de amar. O livre-arbítrio produz, no entanto, más escolhas, e são estas que levam ao sofrimento.

Nós reconhecemos que o sofrimento é um problema, e o sofrimento inocente é ainda pior. Mas dentro do próprio problema está a solução; dentro da própria questão mora a resposta. O ciclo do nosso orgulho transfere a culpa ao nosso próximo, exclui a uns e eventualmente condena outros à morte. Mas Jesus se insere no meio desse ciclo e toma sobre si as nossas culpas. Ele anula o ciclo e, ao ressuscitar, destrói o poder do sofrimento desde dentro. O cristianismo é a única religião que mergulha nas profundezas do sofrimento, luta contra a escuridão e sai vitoriosa e triunfante no final, ainda que à custa de sangue.

Foi isso o que fez nosso “herói”, Jesus Cristo, na Sexta-feira Santa, e é por isso que nós lhe chamamos nosso Salvador: porque ele lutou com o demônio, atravessou a escuridão e venceu. Desde aquele dia, o sofrimento perdeu o seu aguilhão e a morte perdeu a sua fetidez. Para aqueles que O seguem, há esperança. Para aqueles que caminham com Ele, há luz do outro lado e calma após a tempestade.

Recomendações

  • S. João Paulo II, Carta Apostólica “Salvifici Doloris”, de 11 fev. 1984 (AAS 76 [1984] 201-250).

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