Com o surto do novo coronavírus no mundo, começam a surgir, aqui e ali, “profecias” apocalípticas, supostas “mensagens” de Nossa Senhora e outras formas de previsão sobre o futuro da humanidade. É natural que o ser humano se preocupe com o amanhã, sobretudo numa situação de calamidade pública. Mas é preciso critério para não nos deixarmos levar pelo pânico. A autenticidade dessas visões depende muito do quanto elas nos levam à verdadeira conversão do coração, provocada pelo temor de Deus, e não por um estado de desespero mundano.

No início dos anos 2000, falava-se muito sobre o fim do mundo, ou bug do milênio, que provocaria um verdadeiro caos na humanidade. Entre as tantas previsões “nostradâmicas” que havia, o Vaticano divulgou na mesma época o texto dos segredos de Fátima, “a mais profética das aparições modernas”, segundo o Cardeal Joseph Ratzinger. Pelo seu teor e contundência, a mensagem refletia “uma visão profética comparável às da Sagrada Escritura”, afirmou Ratzinger à época, uma vez que tratava da salvação da humanidade. Todavia, isso não a isentou de controvérsias dentro e fora da Igreja.

O reconhecimento de uma autêntica profecia é comprometido pelo contexto da falsa profecia. Como notou o Papa Paulo VI, o povo não está mais inclinado a acreditar na Igreja e em seu ensino, mas “no primeiro profeta profano que nos vem falar em algum jornal ou em algum movimento social, para recorrer a ele pedindo-lhe se tem a fórmula da verdadeira vida”. É o que estamos vendo acontecer hoje, quando muitos estão se aproveitando do momento para emplacar agendas ideológicas e controlar a população através da coação. Essa situação só demonstra como o tema do profetismo é atual e muitíssimo relevante para uma adequada compreensão da realidade.

De algum modo, há um paralelo muito interessante entre o tempo atual e o tempo do profetismo bíblico, do qual se podem obter luzes para os nossos problemas. Precisamos entender, em primeiro lugar, que lugar ocupa o profeta no âmbito da fé e da sociologia, para depois reconhecermos a voz do verdadeiro mensageiro de Deus no meio de tantos outros intermediários, sobretudo no contexto de ameaças distópicas.

A missão do profeta

Diante de um Ocidente tão paganizado, podemos pensar na aliança de Deus com o povo de Israel. Quando este se esqueceu do seu compromisso, o Senhor levantou profetas para reconduzi-lo de volta ao caminho seguro da Palavra. Os profetas enfrentaram autoridades e, pior ainda, tiveram de disputar violentamente o coração dos homens, constantemente assediado por falsos visionários. Nos dias de hoje, essa mesma dificuldade é vivida pela Igreja, no confronto com aquilo que Paulo VI chamou de “profetismo profano”.

Na tradição bíblica, o profeta vai além das visões sobre o futuro. Ele faz parte da dinâmica da Revelação e, em razão disso, a sua mensagem precisa ser acolhida no conjunto do “depósito da fé”. A marca distintiva do profeta de Deus é, então, a de não servir simplesmente a uma curiosidade humana sobre o futuro, mas a de revelar a própria face do Senhor e, do mesmo modo, “o caminho para o autêntico ‘êxodo’, o qual consiste em que, em todos os caminhos da história, deve ser procurado e encontrado o caminho para Deus como autêntica direção” [1].

Neste sentido, o critério da autenticidade profética na tradição bíblica é a “homogeneidade ou, melhor, continuidade” [2]. Isso quer dizer que o profeta não é o homem dos “pruridos de novidades”, como diz São Paulo, mas alguém que coloca o povo numa linha em conformidade com a fé de sempre, a Promessa dos pais. Essa homogeneidade é, portanto, a da fé, “na proclamação do único e verdadeiro Deus... Na história sobretudo; na concordância entre a Palavra e a realidade como o tempo a revela, aos poucos” [3].

Com efeito, uma profecia não é verdadeira simplesmente porque apresenta uma série de calamidades e destruições. Ao contrário, é o dogma da fé que realmente importa. Por isso, a dificuldade de reconhecermos o verdadeiro profeta “evoca uma crise particularmente dolorosa com a qual se chocou a fé bíblica” [4]. Então entra em cena aquilo que é próprio da fé, segundo a fórmula clássica da Carta aos Hebreus: não é uma certeza experimental, no sentido das ciências naturais, mas “é a substância das coisas que se esperam; a prova das coisas que não se veem” (11, 1).

Deus levantou profetas ao longo da história para despertar o dom sobrenatural da fé no coração dos homens, uma vez que sem fé é impossível agradar a Deus. Na disputa atual entre “profetas de Deus” e “profetas profanos”, portanto, a fé dos Apóstolos é que deve ser o objeto principal. E, ainda que a Revelação já esteja encerrada e não se deva um assentimento necessário às revelações “privadas”, estas, quando verdadeiras, ajudam a Igreja a viver a Revelação de Cristo mais plenamente numa determinada época da história, de modo que “o sentir dos fiéis sabe discernir e guardar o que nestas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja” (Catecismo da Igreja Católica, n. 67).

Neste sentido é que o Magistério, repetindo a indicação dos profetas do Antigo Testamento, também ilumina a inteligência dos fiéis, dando critérios de como saber reconhecer uma autêntica mensagem de Deus nos “sinais dos tempos”. Esses critérios referem-se, obviamente, à coerência da mensagem com aquilo que é a fé verdadeira, às qualidades pessoais do mensageiro, à isenção de erros com relação ao dogma e, finalmente, à devoção sadia e à abundância de frutos espirituais. Em suma, todo o movimento profético católico serve para assegurar que aquela dramática pergunta de Cristo tenha, afinal, uma resposta positiva: “Quando vier o Filho do homem, encontrará fé sobre a terra?” (Lc 18, 8).

Os católicos diante do coronavírus

À luz do que aprendemos, a crise do coronavírus deve ser encarada como uma oportunidade de profunda conversão e retorno à fé de sempre. Se as profecias têm um sentido, ele não pode ser outro senão o do restabelecimento da verdadeira religião em nossos corações. Não é hora para especulações apocalípticas e desespero, mas para a oração, o jejum e a caridade. Em muitos lugares, temos notícias de igrejas fechadas, mortes de sacerdotes e Missas canceladas. Diante disso, restam-nos a penitência e a expiação vicária, pedindo perdão a Deus pelas inúmeras vezes que sujamos a Igreja com nossos pecados, abusos litúrgicos e irreverências para com a Eucaristia, agora que muitos já nos encontramos privados dela. Porque é para isso que servem esses momentos: para nos distanciar do mundo e voltar nossas almas a Deus.

Temos de reconhecer nossa infidelidade à aliança com Deus. A blasfêmia tornou-se direito em muitos lugares e a idolatria tomou conta das almas. Sem dúvida, a humanidade já foi longe demais no desrespeito à lei natural, à lei de Deus. Essa crise mundial que nos angustia é, nesse contexto, uma chance de revermos nossa finitude, nossa pequenez e necessidade de um Deus verdadeiro, vivo, pessoal, que se compadece de seus filhos. É hora de voltarmos a esse Deus, voltarmos à fé de nossos pais, à fé de Abraão, pela qual inúmeros cristãos, antes de nós, deram a vida a fim de conservá-la intacta.

A perseverança na verdadeira fé é necessária porque ela é o alimento dos “eleitos”, aqueles por cujo testemunho Deus promete o encurtamento da tribulação. Ela é fundamental para nos preservar dos falsos cristos e falsos profetas que surgirão nesses dias, fazendo “grandes prodígios e maravilhas para enganar, se possível, até os eleitos” (Mt 24, 24). Jesus dá-nos a seguinte orientação: “Quando virdes, pois, a abominação desoladora, de que falou o profeta Daniel, instalada no lugar santo, os que estiverem na Judeia, fujam para as montanhas” (Mt 24, 15). Nas Sagradas Escrituras, a “montanha” é o lugar para o encontro com Deus. Subamos, portanto, às montanhas de nossas almas, às moradas mais altas do castelo, a fim de que Deus envie logo seus anjos, “com forte som de trombeta, para reunir seus eleitos desde os quatro ventos, de uma extremidade dos céus à outra” (Mt 24, 31).

Referências

  1. Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré: do batismo à transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007, p. 23.
  2. Louis Monloubou, Os profetas do Antigo Mandamento. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 77.
  3. Id., ibid.
  4. Id., ibid.

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