Em 1979, o Papa João Paulo II olhou fixamente para uma multidão de 300 mil jovens, durante uma Missa em Galway, na Irlanda. “Lançando o olhar para vós”, ele disse na ocasião, “eu vejo a Irlanda do futuro. Amanhã, vós sereis a força viva de vosso país; vós decidireis o que será a Irlanda.”
Infelizmente, aquela mesma geração, e a dos filhos que ela educou desde então, acaba de decidir qual será o futuro da Irlanda. Não é difícil imaginar o luto deste Papa santo, estivesse ele fisicamente aqui conosco, para testemunhar o que o povo irlandês decidiu no último dia 25 de maio.
É estranho, muito, muito estranho, ver os vídeos e as fotografias de multidões de jovens irlandeses dançando, gritando e derramando lágrimas de alegria — alegria! — por uma façanha que nenhum outro país, nem o mais liberal e corrupto, conseguiu realizar: a autorização, por maioria esmagadora de votos, da chacina de seus irmãos e irmãs não-nascidos.
Na Irlanda, 64% dos eleitores compareceram às urnas no dia do referendum e, desses, 66% votaram para revogar a emenda constitucional (84% das pessoas entre 18 e 24 anos votaram “sim”) que protege o direito à vida do nascituro — quase exatamente a mesma proporção que votou, apenas três décadas atrás, para aprovar a Oitava Emenda. De lá para cá, tanto mudou, e tão rápido!
Eu, evidentemente, tinha meus pressentimentos. Apesar de toda a sua história católica e de sua evangelização por São Patrício, a Irlanda não estava imune ao poder onipresente da cultura popular, bem como à sedução da nova ideologia, de liberdade pessoal e autonomia sexual radicais, que tem devastado o Ocidente. Muitos dos sinais de alerta estavam presentes, incluindo a recente legalização do divórcio e do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo. Mas nem eu — nem ninguém, pelo que parece — esperava uma derrota tão definitiva e esmagadora para os não-nascidos.
O alerta profético de São João Paulo II à Irlanda
Mas talvez nós não devêssemos ficar tão surpresos. O Papa São João Paulo II já havia profetizado tudo isso que aconteceu.
Nessa mesma homilia aos jovens, o Papa explicou, em seus dolorosos detalhes, precisamente o que aconteceria caso a Irlanda abandonasse a Cristo e suas raízes cristãs.
O Papa alertou à juventude que “as tradições religiosas e morais da Irlanda, a própria alma da Irlanda, serão desafiadas por tentações que não poupam nenhuma sociedade de nossa época”. Os jovens ouvirão que “é preciso fazer mudanças”, que eles devem “gozar de maior liberdade”, que devem ser “diferentes” dos próprios pais, “e que depende de vós, e só de vós, decidir a respeito de vossas vidas”.
Muitos dos que estavam ali, disse o Papa, seriam tentados a abandonar a Cristo e a desprezar sua educação, sua família e sua cultura cristãs. No entanto, ele alertou, “uma sociedade que, desse modo, perdeu os seus mais altos princípios religiosos e morais, tornar-se-á presa fácil de manipulações e domínio por parte de forças que, sob o pretexto de maior liberdade, a tornarão pelo contrário mais escrava ainda”.
O Papa chegou mesmo a prever que, no futuro da Irlanda, esse ataque teria como foco especial o domínio da sexualidade. “O atrativo do prazer, que deseja ser satisfeito todas as vezes e em toda a parte onde se encontrar, será forte e poderá apresentar-se-vos como parte do progresso a caminho de maior autonomia e libertação das normas.” Essa tentação viria especialmente dos “meios de comunicação social”, que apresentariam uma visão de mundo em que “cada um vive para si mesmo e em que a desenfreada afirmação de si próprio não deixa espaço para o interesse pelos outros”.
É essa, de fato, a lição que centenas incalculáveis de milhares, senão milhões, de bebês irlandeses aprenderão nos próximos anos.
Em sua homilia, o Papa também incluiu uma frase desanimadora, dadas as coisas que se passaram desde então. Falando da tentação de se afastar de Cristo, o Papa disse que “isso pode acontecer especialmente se virdes contradição, na vida de alguns companheiros vossos, entre a fé que professam e o modo como vivem”.
Eu me pergunto se o Papa sabia quão proféticas viriam a ser essas palavras. Muitas pessoas notaram que a Igreja Católica teve um papel surpreendentemente tímido no debate sobre a Oitava Emenda. “A Igreja, com exceção de uma pastoral e outra, ficou taticamente ausente”, escreveu o comentarista irlandês John Waters para o First Things.
A razão disso não é segredo para ninguém. Em anos recentes, a credibilidade moral da Igreja se perdeu. Revelações de abusos físicos e sexuais ocorridos dentro de instituições geridas pela Igreja, e acobertados por ela, minaram catastroficamente o seu poder de dizer qualquer coisa em matéria moral. A mídia está sempre pronta, em casos como esse, para lançar os próprios erros da Igreja em rosto.
Mas isso ainda não explica inteiramente a ausência conspícua de muitos pastores na batalha pela vida. “Imperdoável foi esse silêncio ter se estendido aos púlpitos”, disse John Waters. Mas também essa triste traição parece ter sido predita por João Paulo II. O Papa notou que, entre as muitas pessoas a dizer à juventude que suas práticas religiosas são “irremediavelmente antiquadas” e embaraçam “a vossa maneira de ser e o vosso futuro”, estariam “até pessoas religiosas” — inclusive, eu suponho que o Papa soubesse, alguns padres e bispos.
Um remédio simples
A homilia do Papa não foi, no entanto, só desgraça e melancolia para o futuro da Irlanda. As mensagens dos grandes profetas nunca são assim, mesmo quando eles são implacáveis em seus diagnósticos.
Face a todas as forças articuladas contra o Evangelho e à “doença moral” que “espreita” a sociedade irlandesa, os jovens devem voltar-se à única fonte de felicidade autêntica: Cristo. “Em Cristo descobrireis a verdadeira grandeza da vossa humanidade”, exortou o Papa. “Cristo possui as respostas aos vossos problemas e a chave da história; tem o poder de elevar os corações. Ele continua a chamar-vos, continua a convidá-los, Ele que é ‘o caminho, a verdade e a vida’.” Ainda que o chamado de Cristo seja “exigente”, disse o Papa, a juventude não deve ter medo, pois “só com Ele a vossa vida terá significado e será digna de ser vivida”.
Uma mensagem simples, é verdade, mas do que mais precisamos?
Para os pró-vida irlandeses, que derramaram seus perfumes e suas lágrimas em vão na defesa do nascituro, e que devem viver agora em um país moralmente alheio a eles, o que mais lhes resta senão Cristo? Para aqueles de nós, fora da Irlanda, que lutaram, jejuaram e rezaram pela terra de São Patrício, na esperança de que ela continuasse a ser um farol de luz e de esperança para o Ocidente, o que mais nos resta senão Cristo?
Os poderes deste mundo são fortes e, por ora, eles prevaleceram. Mas o Papa tinha uma mensagem também para aqueles de nós que talvez sintam que, “diante das experiências da história e das situações concretas, o amor perdeu a sua força e é impossível praticá-lo”. Não é assim, disse esse grande santo, pois, “com o tempo, o amor ganha sempre a vitória, o amor não sucumbe nunca”.
Para a Irlanda pró-vida, o dia 25 de maio foi um dia de trevas, de muitas trevas. O mais tenebroso dos dias. Mas o amor ainda vive. Os pró-vida devem agora se adaptar ao novo regime e encontrar novas formas de expressar esse amor no futuro da Irlanda: continuando a lutar, evidentemente, por leis pró-vida, com unhas e dentes, mas também encontrando formas novas e criativas de trazer amor a homens e mulheres sem esperança que começarão a procurar por “soluções” falsas nos matadouros da Irlanda… ensinando-os a amar a si mesmos e a seus filhos. Muitas vidas serão salvas dessa forma, assim como tem acontecido em outros lugares do mundo.
“Levemos esta intenção”, concluiu o Papa, depois de pedir aos irlandeses que continuassem a escutar a mensagem do Evangelho, “aos pés de Maria, Mãe de Deus e Rainha da Irlanda, exemplo de amor generoso e dedicação ao serviço dos outros”. Esse era o melhor caminho naquela ocasião, e é o melhor caminho para nós também agora.
Nossa Senhora do Silêncio de Knock,
rogai por nós, rogai pela Irlanda!
O que achou desse conteúdo?