O poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens (1870–1921) escreveu uma versão do poema latino Dies Irae, usado durante séculos na liturgia como sequência para a Missa de defuntos. Disponibilizamos abaixo esta pérola, de grande valor literário e espiritual, para meditação de todos.
Quem conhece o original latino (já apresentado, aliás, em uma aula pelo Pe. Paulo Ricardo) poderá dizer: Traduttore, traditore. “Todo tradutor é um traidor”, sim, especialmente quando a matéria é um texto em versos. Ao mesmo tempo, porém, quando aquele que traduz é um poeta de boa cepa, belas e novas imagens podem surgir — como a de “um livro de onde / o clamor se ouve do pecado”. Não é uma sugestiva descrição do livro da vida?
Dies Irae
(Sequência do dia de Finados)
Alphonsus de Guimaraens
[dedicado] a Mário de Alencar [i]
Oh! dia de ira, aquele dia!
Di-lo Davi, e a Pitonisa:
Revolve o mundo em cinza fria.
Mas que pavor haverá quando
Vier Aquele que pesquisa
As obras do homem miserando!
Pelas regiões do eterno sono
Soa a fatal tuba da Crença,
Reunindo a todos ante o Trono.
A morte e a natureza, pasmas,
Veem, ante Deus que os julga, a imensa
Ressurreição desses fantasmas.
Tudo que tem de ser julgado
Há de surgir num livro de onde
O clamor se ouve do pecado.
E Aquele que os mortos reúne
Há de julgar o que se esconde,
E nada ficará impune.
Que direi ante o Trono augusto?
Só tu, com as tuas vestes alvas,
Não sofrerás, Alma do Justo!
Rei de tremenda majestade,
Os que serão salvos tu salvas:
Salva-me, ó fonte da piedade.
Da tua Sacrossanta Via
A causa fui, Jesus Piedoso:
Não me percas naquele dia.
Com fadigas, suores e pranto,
Tu me buscaste sem repouso:
Não se perca trabalho tanto.
Oh! meu Senhor Deus de vingança,
Antes daquele dia extremo
O teu perdão sobre mim lança.
Como réu, eis-me suplicante…
Com o rosto em fogo choro e gemo:
Perdoa esta alma agonizante.
Como, Jesus, me esperançaste
Quando ouviste o ladrão contrito
E a Madalena tu perdoaste!
É indigna a prece que em mim clama:
Faze por teu favor bendito
Que me não queime a eterna chama.
A mim entre as ovelhas deita,
Longe dos bodes condenados,
De ti, Jesus, à mão direita.
Ah! se os malditos tu condenas,
Põe-me com os bem-aventurados,
Livre das sempiternas penas.
Cuida em mim na hora derradeira…
Dia de lágrimas! pois o homem
Há de surgir da cinza e poeira.
Do teu perdão abrindo os portos,
Livra-o das chamas que o consomem…
Réquiem eterno aos que estão mortos!
S. Paulo e Vila Rica (1891–1895)
O que achou desse conteúdo?
Extremamente católico. Triste saber que a grande maioria até de bons católicos não reconheceria esse poema hoje como válido. Sempre que penso neste dia lembro daqueles dizeres tenebrosos de Jesus:
Voltando-se para elas, Jesus disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis sobre mim, mas chorai sobre vós mesmas e sobre vossos filhos. Porque virão dias em que se dirá: Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram! Então, dirão aos montes: Caí sobre nós! E aos outeiros: Cobri-nos! Porque, se eles fazem isso ao lenho verde, que acontecerá ao seco?
Ficou faltando a nota em referência a Mário de Alencar.
Profundo! Poema relembra as promessas do Pai, essência do Salmista, fim do Evangelho: É Salvação genuína e conceptiva eterna a do nosso Jesus!
Lindo demais.