Melodias repetitivas, letras dramáticas, batidas eletrônicas, vocais sofisticados e videoclipes psicodélicos… Não, não estamos falando de nenhum disco de uma banda pop. Essa, leitores, parece ser a nova “pegada” da música gospel ou cristã de modo geral. Isso mesmo. Tanto no meio protestante como no católico, grupos têm se destacado por esse estilo que mistura “desabafo emocional” com “louvor a Deus”.

A novidade chama a atenção. Embora o canto religioso faça parte da tradição de diferentes confissões cristãs, o fenômeno que agora observamos é muito singular. “Esta música acabou de impedir meu suicídio”; “Não sou nada religiosa, mas que música maravilhosa”; “Chorei muito”. Comentários assim costumam acompanhar os clipes e músicas lançadas por esse novo nicho de cantores religiosos. Um gênero que antes parecia restrito aos grupos de oração, assembleias e cultos agora se expande para outros lugares, atraindo não-cristãos, homossexuais, ateus e jovens em geral.

Obviamente, trata-se de uma realidade emblemática, que pede, por isso mesmo, uma reflexão urgente sobre os meios de evangelização atuais. Não se pode negar a existência de um problema de comunicação entre a Igreja e o mundo. E, seja justo ou não, o conceito que muitos desse público afastado (homossexuais, ateus, agnósticos etc.) têm da Igreja é bastante negativo. Por não se acharem acolhidos, eles vão buscar refúgio em outros lugares, onde aparentemente podem expressar-se e receber atenção: as baladas, raves e outros festivais do tipo são como que os novos “templos de culto” onde essas pessoas podem extravasar e expor seus sentimentos por meio de todos aqueles ritmos, símbolos, sons e jogos de luzes. No fundo, o que desejam é preencher o próprio vazio com alguma coisa que lhes dê a sensação de serem amadas. E é aí que entra a “música eletrônica cristã”.

O objetivo desses novos musicais religiosos é justamente comunicar-se com “o público de fora da Igreja”, sobretudo com aqueles que se sentem marginalizados pela pregação cristã. Quando essas pessoas ouvem algum cristão cantando sobre suas dores, sentem-se logo atraídos pelo que pensam ser o amor de Deus. Desse modo, o amor de que estariam privados por não mais frequentarem alguma igreja, eles experimentam pelas sensações da letra e das batidas dessas canções. Para eles, é quase uma “experiência mística”.

Deve-se entender, porém, que os jovens vivem um período de transição da personalidade que se caracteriza pela necessidade de sentir-se amado e confirmado pelo mundo. Por isso, a parte afetiva de seus cérebros está mais “em alta” que a intelectiva. O que a música eletrônica faz é atiçar ainda mais aquela região cerebral, provocando ondas de sentimentos e excitações quase como um alucinógeno. Pela frequência alta de batidas nessas canções, a parte do cérebro responsável pela decodificação da harmonia das formas fica praticamente anestesiada, ao passo que a parte emocional continua em plena atividade. Isso explica os choros compulsivos, e até histéricos, que geralmente acontecem nesses grandes concertos musicais. Nas horas em que passam ouvindo essas batidas (o famoso “tam-tam”), esses jovens “saem do mundo real” e conseguem esquecer dos problemas que os angustiam.

A essência das “músicas eletrônicas cristãs” é exatamente igual à das demais, com sons repetitivos e suficientemente intensos para causar excitação. Não é de espantar, portanto, que públicos tão distintos se identifiquem com essas canções. Se, no fundo, o que querem é “alívio” e “bem-estar”, letras e melodias que provocam êxtase devem ser mesmo muito atraentes. A diferença entre uma e outra é meramente acidental. Mas o resultado sensível é, ao fim e ao cabo, o mesmo para todas as músicas do “tam-tam”, como diria o médico Minh Dung Nghiem: “Um estado de consciência alterada no qual o cérebro intelectual está perturbado, desligado do mundo exterior, e o cérebro emocional está excitado ao máximo”. Em outras palavras, as emoções predominam sobre a inteligência.

“Examinai tudo e guardai o que for bom”, ensina o Apóstolo (1Ts 5, 19-22). Essas músicas estão impedindo suicídios? Ótimo. Homossexuais estão se sentindo atraídos pela mensagem evangélica? Excelente. Céticos voltaram a pensar em Deus? Aleluia. Nada impede que a graça toque os corações por algum instrumento fora do convencional. O Espírito Santo sopra onde quer. Aliás, a Igreja precisa ir a esses grupos, acolhê-los, ouvi-los e confortá-los como uma verdadeira mãe consola um filho. Estamos, de fato, diante de uma juventude profundamente ferida e, por conseguinte, desiludida com a família, com o mundo e com a própria vida. Encontrar meios de renovar a fé, a esperança e o amor nesses corações é, de fato, uma tarefa imprescindível.

Por outro lado, o uso indiscriminado de qualquer meio para a evangelização pode converter-se num “topa tudo por fiéis”. A música eletrônica é, desde a sua raiz, uma arte para o entretenimento, que diverge profundamente do espírito da autêntica música sacra, por exemplo, cuja finalidade é excitar “mais facilmente os fiéis à piedade” e a que “se preparem melhor para receber os frutos da graça, próprios da celebração dos sagrados mistérios” (São Pio X, Tra le sollecitudini, n. 1). Enquanto esta atua sobre a região intelectual do cérebro, inspirando no coração sentimentos de devoção, silêncio e meditação profunda, aquela agita as paixões. Na sua forma, a música eletrônica não possui a delicadeza necessária para inspirar a santidade e a ordem, como no caso do canto gregoriano ou polifônico. Ao contrário, a música pop “está cada vez mais barulhenta e repetitiva”.

Os músicos cristãos devem distinguir bem essas duas realidades, a fim de que sua arte não se resuma a produzir espasmos emocionais que perturbam a inteligência e a vontade. O mecanismo da fé pressupõe um intelecto ordenado para a contemplação do mistério divino — fides quaerens intellectum. A autêntica evangelização, portanto, é aquela que provoca no coração da pessoa um incômodo real, que inspira desejos de vida santa e a leva para um encontro íntimo com Cristo. A cura para as feridas dos jovens está no amadurecimento, na descoberta de um sentido final em suas vidas, pelo qual eles devem se empenhar numa luta ascética e contemplativa. E essa descoberta só se faz pela meditação. A e o amor de Deus não são produzidos por batuques e guitarras frenéticas, que mais agitam o espírito do que o acalmam. A música não é um sacramento. Encontramos Deus, sim, na oração silenciosa, pela qual meditamos as verdades e tocamos realmente a Sua substância, como também na graça que emana de uma vida sacramental e, sobretudo, eucarística. Nenhuma música pode substituir a Eucaristia.

O que percebemos, no mais das vezes, é que muitos jovens acabam resumindo as suas relações com Deus às emoções do entretenimento musical. Confundem “unção” com “paixão”, de modo que o progresso espiritual não acontece. Não há, pois, verdadeiro amadurecimento nisso, e eles acabam agindo como Herodes diante de João Batista: “Ele gostava muito de ouvi-lo, mas ficava desconcertado” (Mc 6, 20). O tetrarca da Galileia não se deixava penetrar pelo que havia de verdadeiramente importante na mensagem do profeta, mas se entretinha talvez com a sua beleza retórica, tom de voz e eloquência. Herodes queria ouvir sobre Deus, sentir emoções como num espetáculo, mas não estava disposto a mudar de vida. O apelo do Batista o desconcertava. No fim das contas, as suas paixões deram cabo da vida de João, e a cabeça do profeta foi parar numa bandeja.

Trata-se de uma lição importante. Se a pregação de João Batista, cuja gravidade é inquestionável, servia apenas de entretenimento para Herodes, o que pensar de uma música religiosa que concentra seus esforços justamente no entretenimento vulgar? O poeta francês Paul Claudel converteu-se ao catolicismo escutando o singelo canto do Magnificat, durante uma Missa de Natal. Teria ele a mesma graça nos dias de hoje? Parece claro que o caminho deve ser mais amplo que o da mera inserção do pop dentro das liturgias e outras reuniões. Se não houver ascese, educação dos sentidos, meditação, oração íntima, vivência dos sacramentos e luta séria contra o pecado, qualquer esforço musical para atrair as almas será inútil. E o que chamam de amor de Deus desaparecerá após o último acorde da canção. Toda balada tem fim. Inclusive as que se consideram cristãs.

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