São Tarcísio — cuja memória a Igreja propõe à nossa meditação no mesmo dia em que celebra a Assunção da Santíssima Virgem Maria aos céus, dia 15 de agosto — morreu defendendo a Eucaristia, como se sabe. Os antecedentes de seu martírio mostram ainda que ele o fez não “em um ímpeto”, mas de maneira consciente, decidida, meditada de antemão. O Papa emérito Bento XVI chegou a contar os detalhes da história em uma de suas audiências:
Certo dia, quando o sacerdote perguntou, como geralmente fazia, quem estava disposto a levar a Eucaristia aos outros irmãos e irmãs que a esperavam, o jovem Tarcísio ergueu-se e disse: “Envia-me a mim!”. Aquele rapaz parecia demasiado jovem para um serviço tão exigente! “A minha juventude — retorquiu Tarcísio — será a melhor salvaguarda para a Eucaristia”. Persuadido, o sacerdote confiou-lhe então aquele Pão precioso, dizendo-lhe: “Tarcísio, recorda-te que um tesouro celestial está a ser confiado aos teus frágeis cuidados. Evita os caminhos frequentados e não te esqueças de que as coisas santas não devem ser lançadas aos cães, nem as jóias aos porcos. Conservarás com fidelidade e segurança os Sagrados Mistérios?”. “Morrerei — respondeu com determinação Tarcísio — antes de os ceder!”.
O restante desse episódio todos conhecemos:
Ao longo do caminho, encontrou pela estrada alguns amigos que, aproximando-se dele, lhe pediram para se unir a ele. Quando a sua resposta foi negativa eles — que eram pagãos — começaram a suspeitar e a insistir, e observaram que ele apertava ao peito algo que parecia defender. Em vão procuraram arrancar-lhe o que ele trazia; a luta fez-se cada vez mais furiosa, sobretudo quando vieram a saber que Tarcísio era cristão; começaram a dar-lhe pontapés e lançaram-lhe pedras, mas ele não cedeu. Em agonia, foi levado ao sacerdote por um oficial pretoriano chamado Quadrato que, ocultamente, também viria a tornar-se cristão. Chegou ali sem vida, mas apertado ao peito ainda conservava um pequeno pedaço de linho com a Eucaristia. Foi sepultado imediatamente nas Catacumbas de São Calisto.
O Papa Dâmaso mandou fazer uma inscrição para o túmulo de São Tarcísio, segundo a qual o jovem morreu no ano 257. O Martirológio Romano fixa a sua data no dia 15 de agosto, e no mesmo Martirológio inclui-se também uma bonita tradição oral, segundo a qual no corpo de São Tarcísio não foi encontrado o Santíssimo Sacramento, nem nas mãos, nem na sua roupa. Explicou-se que a partícula consagrada, defendida com a vida pelo pequeno mártir, se tinha tornado carne da sua carne, formando de tal modo com o seu corpo uma única hóstia imaculada, oferecida a Deus.
Esse bonito relato — que grupos de acólitos e coroinhas talvez até saibam de cor, dado que São Tarcísio é seu padroeiro — precisa ser meditado em toda a sua profundidade, porque, à luz de um exame meramente natural e humano, o que esse jovem romano fez não tem lógica. Não pode compreender essa história, de fato, quem não é católico, quem não crê no mistério da Eucaristia, quem não crê que o pão consagrado pelo sacerdote na Santa Missa não é mais pão, mas o Corpo e o Sangue do próprio Deus humanado.
Sim, porque, em meio aos pontapés e pedradas de que Tarcísio era alvo, fosse aquele um pão qualquer, ele teria o dever de o entregar a seus perseguidores, a fim de se manter vivo. Afinal, na hierarquia dos bens criados, a vida humana possui muito mais dignidade que uma coisa e, no caso, um alimento. Mas Tarcísio tinha fé, e fé católica. Ele havia aprendido da Igreja que aquilo que trazia nas mãos não era uma coisa, mas um homem; e não um homem qualquer, mas Jesus Cristo, Deus que se fez homem. Diante disso, o quadro se invertia completa e infinitamente: Tarcísio tinha, diante de si, a própria vida e a de Deus; a sua humanidade e a de Cristo. Era preciso, pois, preservar aquele cujo “amor vale mais do que a vida” (Sl 62, 4), e morrer mártir.
“Coisa bela”, podemos dizer, e de fato é. Santo Tomás de Aquino explica em sua Suma Teológica (II-II, 124, 3 c.) que:
O martírio, entre todos os atos virtuosos, é aquele que manifesta no mais alto grau a perfeição da caridade. Porque, tanto mais se manifesta que alguém ama alguma coisa, quanto por ela despreza uma coisa amada e abraça um sofrimento. É evidente que entre todos os bens da vida presente aquele que o homem mais preza é a vida e, ao contrário, aquilo que ele mais odeia é a morte, principalmente quando vem acompanhada de torturas e suplícios por medo dos quais “até os próprios animais ferozes se afastam dos prazeres mais desejáveis”, como diz Agostinho. Deste ponto de vista, é evidente que o martírio é, por natureza, o mais perfeito dos atos humanos, enquanto sinal do mais alto grau de amor, segundo o que está em Jo 15, 13: “Não existe maior prova de amor do que dar a vida por seus amigos”.
Não nos basta, porém, reconhecer a beleza do ato de São Tarcísio. Os episódios da vida dos santos são-nos propostos não só para que os admiremos, mas também para que os imitemos, senão em sua literalidade, ao menos nas virtudes que os inspiraram.
Por exemplo, imagine a senhora, mãe, imagine o senhor, pai, que Tarcísio fosse seu filho. “Bonito o martírio de São Tarcísio”, sim. Mas e se ele fosse pedido na sua casa? O senhor e a senhora são católicos, crêem na presença real de Jesus na Eucaristia, vão à Missa todos os domingos, comungam com frequência… Mas o que aconselhariam a seu filho, caso ele se achasse em situação semelhante à deste mártir dos primeiros séculos? Melhor: que grito desesperado o sr. e a sra. dariam a seu filho nessa circunstância? Dir-lhe-iam, com a mãe dos Santos Macabeus: “Meu filho, não temas este algoz, mas sê digno de teus irmãos e aceita a morte, para que no dia da misericórdia eu te encontre no meio deles” (2Mb 7, 27.29)? Ou pedir-lhe-iam, como o tio de São José Sánchez del Río, que ele simplesmente fizesse o que seus algozes o instavam a fazer, só para se ver livre da morte?
Sim, essa é uma situação extrema, e não seríamos capazes de fazer o correto contando apenas com nossas forças: o martírio, e a aceitação dele, só são possíveis com a graça de Deus. Sem ela, seríamos reféns da fraqueza de nossa carne. Fôssemos os pais de Tarcísio, nossa natureza, nossos sentimentos, a afeição natural que temos por nossos filhos, inevitavelmente nos compeliriam ao grito do “Poupai-o”; só a fé poderia nos fazer agir de modo diferente, e não qualquer fé, mas a da Igreja, isto é: a fé de que Deus se faz realmente presente nas espécies eucarísticas; a fé de que conservar em nosso coração a graça de Deus vale mais do que conservar todos os bens criados, inclusive a própria vida; a fé de que Deus recompensa os atos heroicos que fazemos por seu amor, e pune, por outro lado, as covardias a que cedemos, se movidos por nossa carne.
Mas e nós, cremos nisso?
A começar pela Eucaristia: como são tratadas em nossas igrejas as hóstias consagradas, em cujas mínimas partículas acreditamos estar nada menos do que o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus? Lidamos com esse sacramento conscientes de que “as coisas santas não devem ser lançadas aos cães, nem as jóias aos porcos”? Comungamos como quem ama de verdade a Nosso Senhor, ou entramos na procissão da Comunhão como quem participa de um rito qualquer? Comungamos discernindo o que vamos receber, ou como quem vai atrás de um simples “pedaço de pão”?
E quanto à nossa vida: como lidamos com as nossas próprias misérias? Como tratamos a vida sobrenatural da graça em nós, e que olhar temos para o pecado? Será que nós cremos realmente que é melhor morrer a cometer um só, um único pecado mortal que seja? Cremos que, por mais que haja sacerdotes à disposição, por mais que possamos sempre recorrer ao tribunal da misericórdia de Deus, devemos tomar muito cuidado para não abusar do perdão de Deus e transformar nossos arrependimentos e confissões em rotina, ou em um “ritual” puramente externo e superficial? Ignoramos, ou fingimos ignorar, que “a misericórdia foi prometida a quem teme a Deus e não a quem abusa dela”?
Só por nos incitar a esse exame de consciência celebrar os mártires é um aprendizado valioso. A teologia do martírio é muito necessária para nós e para a nossa época, tão carentes que somos de virtudes, tão frios que somos na caridade, tão condescendentes que somos com o mal… Deus pede de nós o heroísmo de homens como São Tarcísio, como os Santos Macabeus do Antigo Testamento, como São José Sánchez del Río, e não a pusilanimidade e a covardia em que tantas vezes estamos afundados! Deus nos dá a sua graça não só para que levantemos, mas também para que deixemos de cair. E a nossa perseverança constitui uma espécie de “martírio silencioso”, de quem diz a Deus, dia após dia: “Meu coração está pronto, meu Deus, está pronto o meu coração!” (Sl 107, 2).
Quanto a nossos filhos, a vida sobrenatural que eles receberam no dia de seu batismo deve ser o bem mais precioso que eles têm a guardar — e nisso consiste a essência de uma boa educação, uma educação verdadeiramente católica. Por que do que adiantará, por exemplo, termos dado cultura a nossos filhos (coisa boa, e que ninguém negará que o seja); do que adiantará que tenhamos feito deles pessoas letradas, cheias de erudição, e que tenham se tornado “bons cidadãos” no futuro, se na eternidade eles se tornarem moradores do inferno, porque levaram esta vida decisiva na lama do pecado mortal?
É por raciocinarem assim, com fé, que tantos pais têm preferido tirar os seus filhos do atual sistema educacional para educá-los em casa: porque eles sabem que o bem da alma de seus filhos — que o mundo a todo custo quer engolir — vale mais do que tudo. É por causa dessa fé que tantos santos pediam a Deus que levassem seus filhos deste mundo antes de eles cometerem um único pecado grave.
Se ainda não chegamos a esse ponto, a essa disposição de entrega, convençamo-nos ao menos da necessidade de pedir a graça de querê-lo. Nós não nascemos para este mundo, tampouco devemos criar nossos filhos para ele. “Se Deus quis as gerações dos homens”, ensina o Papa Pio XI em sua encíclica Casti connubii, “não foi somente para que eles existissem e enchessem a terra, mas para que honrassem a Deus, O conhecessem, O amassem e O gozassem eternamente no Céu”.
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