À alma que quer ouvir os chamamentos divinos é necessário o recolhimento, em primeiro lugar, por causa da discrição de Deus.

Deus age sempre da mesma maneira: apraz-lhe ocultar-se. Só o descobrem os que estão atentos.

Às vezes as pessoas acham estranho que tantos cheguem a duvidar da existência de Deus. Acaso não prova a Criação que haja um Criador? Sim, certamente, mas se a razão afirma que Deus existe, a experiência não o percebe. O soberano Senhor oculta-se atrás das causas segundas. Ele, que é a causa total, não quer ser a causa única. Desde o seu distante quartel general ele tudo dirige; mas os homens, em contato sensível apenas com os intermediários, esquecem o chefe supremo de quem tudo depende. Toda causa segunda seria de uma indigência absoluta se Deus não lhe desse o poder de produção; mas como essa causa aparece em primeiro plano, o homem não vê mais do que a ela. É preciso refletir para descobrir a Deus.

Deus põe em tudo esta sublime discrição. Ele passeia por sua obra em todo tempo e lugar, mas procede como no Paraíso terrestre: sua marcha é silenciosa, e é preciso estar atento para perceber seu passo, que quase não faz barulho na areia, ali, muito perto, atrás do pequeno bosque.

Se tal discrição divina é palpável na ordem natural, quanto mais patente é, todavia, na ordem sobrenatural!

O Verbo decide vir à terra para encarnar-se. Credes que o fará impondo-se pelo brilho e pela pompa, e proclamando de certo modo: “Atenção! Entendei bem quem é que vos fala!”? De maneira alguma. Uma virgenzinha de quinze ou dezesseis anos, em uma pequena e insignificante aldeia de um pequeno país. Chama-se Maria; ninguém a conhece, salvo algumas amigas de seu povoado, Nazaré. Estando um dia em oração, recebe a proposta de chegar a ser Mãe de Deus. Duas palavras de aceitação: Ecce… Fiat! “Eis aqui… Faça-se!” — Neste mesmo instante o Verbo se faz carne.

Durante nove meses permanece oculto no seio de sua mãe como todo filho de homem… Vai nascer. Discretamente, sem publicidade alguma.

Ele tem de partir por causa do censo. Já sabeis o restante: o nascimento no campo, a manjedoura à meia-noite. Escutai: “Enquanto, sob um céu puro e no silêncio da terra, a noite estava na metade do seu curso, em segredo, longe do tumulto dos homens, o Verbo eterno do Pai assume a natureza humana e aparece aos homens, enquanto nos céus ressoava o hino: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa-vontade”.

Observemos as expressões: “No silêncio da terra, à noite, em segredo, longe do tumulto”. Eis aqui Deus.

E Deus age de igual maneira ao longo de toda a história evangélica: trinta anos de vida oculta; quando fala, não é para se anunciar, mas para dar testemunho do Pai; para semear seus ensinamentos, escolhe, de preferência, os humildes povoados à beira do caminho; quando vai ensinar coisas de maior profundidade, limita voluntariamente o seu auditório: Nicodemos e a mulher do poço de Jacó, o discurso antes e depois da Ceia. Quando mostra uma única vez algo de sua glória, não leva consigo mais do que três testemunhas. Se seus milagres podem granjear-lhe em excesso o favor das multidões, desaparece, como depois da multiplicação dos pães, ou manda guardar silêncio o agraciado. Recorre a seu poder de taumaturgo apenas para confirmar sua palavra. Os Apóstolos realizarão obras de mais brilho do que as suas.

Nada mais silencioso e, ao mesmo tempo, discreto do que a transubstanciação e a presença eucarística! Pronunciam-se algumas palavras, e a substância do pão já não existe. Jesus aí está sobre o altar, e na obscuridade do tabernáculo irá permanecer dia após dia, sem buscar atrair ruidosamente atenção! Se o vão visitar, é bom; mas, se não vai ninguém, tampouco reclama: tudo passa como se Ele não estivesse ali. Ter-se-ia notado alguma mudança no bairro, se o Salvador do mundo não se encontrasse ali abaixo, na igrejinha no fim da rua?

Levam uma criança à igreja. Vão-na batizar. O que significa isto? Que a SS. Trindade irá entrar nessa alma pequenina. Ouvi-o bem: a SS. Trindade, Deus, o Ser supremo, e no entanto quem pensa na importância desse ato?

Quando um rei, um imperador ou um chefe de Estado vai a uma cidade, quantos preparativos! quantas distinções! quanta gente em movimento! Mas aqui, nada.

Quanta discrição, por parte do Salvador, no governo da Igreja! No Evangelho, a grande personagem é o Pai. Uma vez concluída a Redenção, a grande personagem é o Espírito Santo, e já o dissemos antes: Spiritus docebit vos, “o Espírito vos há-de ensinar”. Nosso Senhor, como Mestre, “fracassa” com os Apóstolos. Depois de três anos de convívio, fogem todos no momento da agonia, um o trai, outro o nega. Será preciso que desça o Espírito Santo. Só então os medrosos do Horto das Oliveiras serão valentes e saberão enfrentar o martírio. Quanta sede tem Jesus de fazer-se pequeno, de evitar aparecer! Durante a sua vida, eclipsa-se diante do Pai; depois de sua morte, fa-lo-á diante do Espírito Santo.

Há mais, porém. A Igreja que Ele estabeleceu na terra e à qual confiou as chaves do Reino de Deus, não a irá governar senão por meio de outra pessoa; não aparecerá senão o seu Vigário. Ele está ali, evidentemente, por seu Espírito Santo, preservando a Igreja de todo erro, dando aos chefes escolhidos luz e força. Mas aqui também, quantas gentes passarão ao lado da Igreja de Jesus Cristo sem reconhecer a Jesus Cristo! E isso, sem dúvida, por culpa da insignificância ou da indignidade de um grande número de seus membros, mas também porque a boa semente nem sempre germina com êxito em meio à cizânia, e o Senhor estima, mais do que os brilhantes triunfos de uma divindade da Igreja que se imponha a todos, os humildes esforços de uma Igreja divina, cuja divindade aparece apenas aos que refletem mais ou aos que são mais puros.

Se esta é a maneira habitual de Deus agir, não será preciso tê-la em conta quando se trata de uma obra realizada nas profundezas da alma, ou seja, dos convites da graça?

Jesus ressuscitado entrou no Cenáculo sem que ruído algum denunciasse a sua chegada. Com maior razão, quando o Espírito Santo vem chamar-nos, não o precede um arauto de armas nem sonoras trombetas que lhe anunciam a chegada. Está a alma em estado de graça? Deus se encontra já no coração da praça. Ali, convida incessantemente à fidelidade. Não espereis estrépito, mas gemitus, dirá S. Paulo, uma humilde e silenciosa modulação o mais serena possível. A especialidade do homem: o ruído. A especialidade de Deus: o silêncio.

Ah! razão tem de sobra o autor [1] que descreve assim a ação de Deus em nossos corações: “Da mesma maneira que a água impregna a esponja docemente e sem ruído, o divino Espírito penetra sem violência na alma disposta a recebê-lo. Não se impõe; propõe-se. As visita forçadas repugnam à sua infinita delicadeza. Sua voz é doce, amiga do recolhimento e da paz. Para escutá-la, é preciso que se faça silêncio no interior”.

Referências

Notas

  1. O Pe. Augusto Drive, 4.º Diretor Geral do Apostolado da Oração, em seu excelente opúsculo Wes Dieu sous la conduite de Marie (nota do autor).

O que achou desse conteúdo?

Mais recentes
Mais antigos