Os católicos que assistiram ao filme "Ressurreição", de Kevin Reynolds, devem ter notado algo deveras estranho na maneira como Pedro trata o "pão" na hora da oração do Pai-Nosso. Longe da reverência com que imaginaríamos o culto eucarístico dos primeiros cristãos, vemos o primeiro Papa jogando a partícula sagrada para um fiel como se estivesse a tratar com uma coisa qualquer. Como explicar essa cena?
Kevin Reynolds produziu seu filme com um olhar protestante. Historicamente, a Reforma pretendeu purificar o cristianismo de todo erro que o teria contaminado após o contato com o paganismo romano e a filosofia grega. A partir desse esforço, os teólogos protestantes romperam com a Tradição e, por conseguinte, abandonaram uma série de artigos da fé sobre os quais não havia a menor sombra de dúvida, antes da suspeita luterana querer refundar a Igreja sob sua própria medida. O sistema sacramental, como não poderia deixar de ser, foi rejeitado em bloco. Somente o Batismo continuou a fazer parte de algumas liturgias, embora não mais com a mesma ênfase e eficácia. A Eucaristia, por outro lado, sofreu um golpe ainda mais duro: de corpo, sangue, alma e divindade de Jesus, o Santíssimo Sacramento foi reduzido a uma mera ceia simbólica de um fato ocorrido no passado.
É preciso esclarecer desde já que a Igreja Católica sempre conservou religiosamente, "como tesouro preciosíssimo, o mistério inefável da fé que é o dom da Eucaristia, recebido do seu Esposo, Cristo, como penhor de amor imenso" [1]. Não é verdade que os cristãos católicos iniciaram o culto de adoração à Eucaristia por influência de culturas pagãs, em substituição ao deus Sol, como acusam alguns. Para lembrar um mui acertado ensinamento do Beato Paulo VI, "a Eucaristia é um Mistério altíssimo, é, propriamente, o Mistério da fé" [2]. E isso está de acordo com as próprias palavras de Jesus.
No chamado discurso eucarístico, narrado no Evangelho de São João (cf. 6, 26-59), encontramos todo o fundamento da devoção católica à Eucaristia, que se professou cuidadosamente já nos primeiros séculos da Igreja. Em primeiro lugar, há a censura de Jesus àqueles que O seguem não porque viram "milagres", mas porque satisfizeram seus interesses temporais. Depois, Cristo diz literalmente que é o "Pão vivo que desceu do Céu" e que "quem dele comer não morrerá". "Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós", insiste Jesus, para escândalo e horror dos fariseus. Conforme explicam os exegetas de Navarra, "os ouvintes compreendem perfeitamente o sentido próprio e direto das palavras do Senhor" naquele momento [3]. Por isso, não é possível dizer que Jesus estivesse a falar de modo figurado, pois Ele mesmo não faz tal distinção. Ao contrário, diz com toda clareza que o Pão a ser dado é Sua Carne "pela vida do mundo".
Quando vamos ouvir o testemunho dos cristãos primitivos, somos interpelados por exortações piedosíssimas acerca do devido respeito à celebração eucarística, "pois", ensinavam eles, "não é pão ou vinho comum o que recebemos". É o caso, por exemplo, das famosas cartas de São Justino Mártir, cuja descrição da Santa Missa apresenta uma coerência incrível com a maneira como a vivemos hoje, desde os ritos iniciais ao rito da comunhão. "Reunimo-nos todos no dia do Sol, não só porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, criou o mundo, mas também porque neste mesmo dia Jesus Cristo, nosso salvador, ressuscitou dos mortos", ensinava o santo mártir, exaltando ainda a importância da participação dominical no sacrifício do Senhor [4].
Na dura luta contra os gnósticos, o grande bispo e mártir Santo Irineu de Lião não deixou de evocar a seu favor os ensinamentos apostólicos sobre a sacralidade da carne e humanidade de Cristo, presentes também na Eucaristia, para nosso alimento e salvação. Sem hesitações, o santo afirmava: "O Senhor declara que o cálice, fruto da criação, é seu sangue, que fortalece o nosso sangue; e o pão, fruto também da criação, é o seu corpo, que fortalece o nosso corpo". "Portanto", prosseguia ele, "quando o cálice de vinho misturado com água e o pão natural recebem a palavra de Deus, transformam-se na Eucaristia do sangue e do corpo de Cristo" [5]. Notem ainda que, segundo o que se conhece, Santo Irineu recebeu a catequese de ninguém menos que São Policarpo de Esmirna, que, por sua vez, havia sido discípulo de São João Evangelista. A conclusão, por isso, não pode ser outra: a devoção eucarística é de origem apostólica.
Outra prova de que a Eucaristia é um sacramento instituído por Deus, e de que seu efeito e validade estão presentes unicamente na Igreja Católica, é a unidade dos fiéis no Corpo Místico de Cristo. Como reza Santo Tomás de Aquino, o Santíssimo Sacramento conduz-nos "àquele inefável convívio" em que Deus, Seu Filho e Seu Espírito Santo, são para os santos "a luz verdadeira, a plena saciedade e a eterna alegria, a ventura completa e a felicidade perfeita" [6]. De fato, a graça produzida pela Eucaristia, de cuja força a Igreja vive e peregrina continuamente, foi o grande "escudo" e "proteção" contra as insídias de Satanás ao longo desses dois mil anos de história e perseguições.
Infelizmente, a rejeição da Eucaristia por parte dos protestantes, sobretudo no ramo neopentecostal, faz com que seus interesses se tornem demasiado "temporais", em consonância com a que hoje se chama teologia da prosperidade. Por isso, muitos fiéis protestantes não têm a mínima crise de consciência na hora de "pular de galho em galho", por assim dizer, atrás da igreja que melhor lhes aprouver — fato que está muito longe da espiritualidade dos primeiros cristãos, perseverantes que eram "ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão, e às orações" (At 2, 42). A Eucaristia está presente desde o início, como se pode atestar, e se mostra, por conseguinte, como a prova inconteste da autenticidade da Igreja Católica Apostólica Romana.
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