“Um catálogo de pecados descatalogados”. Parece até um trava-língua; mas, lendo o que vem a seguir, você entenderá a expressão.

Declaratio terminorum, “esclarecimento dos termos”. Catálogo (do latim catalogus, e do grego katálogos): é uma relação ordenada de objetos (livros, documentos etc.) que estão relacionados entre si. Descatalogar: tirar objetos que faziam parte de um catálogo. Neste sentido, é possível falar, por exemplo, de um catálogo de pecados.

Já na doutrina de Cristo nós encontramos catálogos de pecados, e desses alguns podem ser leves e outros, mortais, ou seja, que separam o homem da união com Deus, fonte da vida, e que podem conduzir à condenação eterna. No Novo Testamento encontramos mais de vinte listas de pecados, algumas nos evangelhos sinóticos, ou seja, no próprio ensinamento de Cristo: “É do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez” (Mc 17, 21-22; em Mt 15, 19-20 mencionam-se sete). Na parábola do publicano citam-se três: “ladrões, injustos, adúlteros” (Lc 18, 11). E de outros pecados concretos falam as parábolas da cizânia, do rico epulão, do homem avaro, do servo infiel, do juízo final, do escândalo etc.

Também nos escritos dos Apóstolos se formulam catálogos de pecados, sobretudo em São Paulo. A lista mais completa e impressionante encontra-se na Carta aos Romanos (cf. 1, 24-32), onde achamos denunciado, de maneira muito especial, o nefando pecado da união homossexual entre homens ou entre mulheres (cf. 1, 26-28). Outra lista enumera: “Nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os devassos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus” (1Cor 6, 9-10). “Com tais indivíduos nem sequer deveis comer… Tirai o perverso de vosso meio” (1Cor 5, 11.13).

Deve haver, portanto, na consciência dos discípulos de Jesus um sentido bem vivo do pecado, que nunca considere o mal como bem; que descubra inclusive os pecados internos, e não somente os que se manifestam em obras externas (“Todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração”, Mt 5, 28); e que leve em conta não somente os pecados de comissão, mas também os de omissão (as virgens néscias, cf. Mt 25, 11-13; o servo que não faz render os seus talentos, 25, 27-29; o juízo final, que indica as obras de caridade necessárias e não realizadas, 25, 41-46) etc.

Três observações prévias.

Primeiro, um pecado torna-se descatalogado, mais ou menos, quando se dão estes sinais:

  1. Quando a pregação deixa de falar de uma certa virtude e de assinalar os pecados que lhe são contrários.
  2. Quando o pecado se tornou de tal modo generalizado que chega a ser visto como algo “normal”, que não mais pesa na consciência.
  3. Quando já é um pecado que não costuma ser acusado no sacramento da Confissão, nem mesmo pelos poucos cristãos praticantes que continuam se confessando, ou porque não o consideram relevante ou porque ignoram na prática sua pecaminosidade, ainda que às vezes tenham dele algum conhecimento doutrinal.

A simonia pode ser um exemplo de pecado descatalogado em grande medida naquelas regiões e épocas em que se tornou quase que o modo normal através do qual os filhos dos nobres, mais instruídos e de presença mais forte no mundo, ascendiam aos altos cargos da Igreja. No século IX muitos senhores consideravam (erro crasso) que bispados, monastérios e paróquias faziam parte de seus domínios. Por isso, pensavam que cabia a eles dar a investidura de autoridade nessas entidades eclesiais. O tráfico dos postos eclesiásticos mais importantes era considerado geralmente como algo lícito e normal. Era um pecado descatalogado.

No entanto, no século XI e na primeira metade do XII, celebraram-se oito concílios regionais na Inglaterra, na França e na Itália para erradicar o erro e o pecado da simonia. A ação de papas como Nicolau II (1058-1061) e Gregório VII (1072-1085), a obra e pregação de grandes santos, como São Bruno (1030-1101) e São Bernardo (1090-1153), foram vencendo essa praga. Note-se, porém, que enquanto a epidemia espiritual da simonia estava com toda a sua força, podia haver bispos — como de fato houve —, abades e párocos bons, ortodoxos e pastoralmente zelosos, os quais, no entanto, de boa consciência, haviam ascendido a suas posições por meios simoníacos.

Segundo, não tratarei aqui da culpabilidade subjetiva dos que incorrem em pecados descatalogados. É possível que haja uma culpabilidade atenuada ou quase nula nas pessoas que incorrem em pecados descatalogados objetivamente graves. Esta é a doutrina moral — a ignorância invencível, por exemplo, e outras considerações — sempre comum na Igreja.

Terceiro, o catálogo que forneço aqui de pecados descatalogados é muito incompleto. Justamente por isso, prefiro apresentá-lo de modo desordenado. Exponho alguns somente a título de exemplo. Seria possível mencionar muitos outros, pois são muitos os que se dão sobretudo nas igrejas locais que estão em boa parte arruinadas e à beira da extinção.

— O afastamento crônico da Missa dominical tornou-se um pecado descatalogado. O terceiro mandamento da lei de Deus ordena que seja dado, em privado e em público, um culto de louvor, adoração e ação de graças a Deus. Esta obrigação é muito grave, porque a Igreja existe para a glória de Deus. Por isso, os cristãos não praticantes são pecadores públicos. Não há vida cristã se não há vida eucarística, já que, como em vários textos afirma o Concílio Vaticano II, a Eucaristia é a fonte e o ápice da vida cristã.

Pois bem, se a pastoral dos bispos, os párocos, os catequistas, os professores de seminários e faculdades de teologia, as publicações católicas em geral não inculcam com todo empenho e frequência a gravidade do grande preceito dominical, em questão de meio século serão muitas as igrejas locais em que a assistência à Missa no dia do Senhor passará de 80 a 10% dos batizados. Porque este grave pecado foi descatalogado.

Manda a lei da Igreja:

O domingo, em que se celebra o mistério pascal, por tradição apostólica, deve guardar-se como dia festivo de preceito em toda a Igreja (cân. 1246).

No domingo e nos outros dias festivos de preceito os fiéis têm obrigação de participar na Missa; abstenham-se ainda daqueles trabalhos e negócios que impeçam o culto a prestar a Deus, a alegria própria do dia do Senhor, ou o devido repouso do espírito e do corpo (cân. 1247).

O Catecismo da Igreja Católica diz que:

A Eucaristia do domingo fundamenta e sanciona toda a prática cristã. Por isso os fiéis são obrigados a participar da Eucaristia nos dias de preceito, a não ser por motivos muito sérios… ou se forem dispensados pelo próprio pastor. Aqueles que deliberadamente faltam a esta obrigação cometem pecado grave (n. 2181).

Ou seja, afastam-se da vida cristã.

Portanto, o cristão que se ausenta voluntariamente e durante um longo tempo da Eucaristia, podendo assistir a ela, por isso mesmo está em pecado mortal. É importante, sem dúvida, que ele o saiba. E o fato de esse pecado ter sido ilicitamente descatalogado em sua igreja local não muda a realidade das coisas. A participação na Missa dominical, antes de ser um preceito canônico, é uma necessidade ontológica: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 53-54).

— A passividade da autoridade apostólica para combater eficazmente heresias e sacrilégios é objetivamente um grave pecado que, já há vários decênios, está descatalogado em grande parte da Igreja. Como vários papas declararam em mais de uma ocasião, são inumeráveis as heresias atuais, e essas heresias e sacrilégios perduram com frequência durante muitos anos porque permanecem impunes.

As reprovações tardias de erros graves dão lugar à ampla difusão de heresias entre o povo cristão. No caso do Pe. Anthony de Mello (1931-1987), a enérgica reprovação da Congregação para a Doutrina da Fé se produziu em 1998, doze anos depois de sua morte. O próprio documento advertia tratar-se de um autor “muito conhecido pelas suas numerosas publicações, que, traduzidas para diversas línguas, tiveram uma notável difusão em muitos países”. Só depois de uns vinte ou trinta anos de seu reinado impune em livrarias religiosas, também diocesanas, foram reprovados os seus graves erros.

Paulo VI falou de uma Igreja em estado de “autodemolição” [1]. Efetivamente, por ser a fé o fundamento da Igreja, as heresias são as causas principais de sua destruição. João Paulo II atesta que “foram divulgadas prodigamente ideais contrastantes com a Verdade revelada e desde sempre ensinada; foram difundidas verdadeiras heresias, em campo dogmático e moral” [2]. O Cardeal Ratzinger, um mês antes de ser constituído papa, disse na Via Sacra no Coliseu: “Quanta soberba, quanta autossuficiência!… Senhor, muitas vezes a vossa Igreja parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo” [3]…  

E como foi isso possível? A resposta Cristo no-la dá: “Na hora em que seus homens dormiam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu” (Mt 13, 25). São os bispos, juntamente com o papa, constituídos como episcopoi (vigilantes), os principais guardiões da ortodoxia na Igreja.

Manda a Igreja:

Seja punido com pena justa: 1.°, quem ensinar uma doutrina condenada pelo Romano Pontífice ou pelo Concílio Ecumênico ou rejeitar com pertinácia a doutrina referida no cân. 752 (sobre o Magistério autêntico em fé e costumes), e, admoestado pela Sé Apostólica ou pelo Ordinário, não se retratar (Cân. 1371).

Pode-se dizer que esta norma grave — seja punido —, ao menos em uma parte importante da Igreja, tem sido sistemática e ilicitamente descumprida pelos pastores. O respeito liberal para com a liberdade de expressão tem prevalecido sobre o valor da ortodoxia e da ortopraxis. Grandes heresias são difundidas impunemente nas cátedras, nos seminários, nas paróquias, na catequese, nas livrarias religiosas, inclusive as diocesanas, por décadas. Grandes abusos litúrgicos acontecem reiteradamente em paróquias, conventos e reuniões, sem que ninguém os corrija eficazmente.

Tudo isso indica que a autoridade apostólica se debilitou muito na doutrina e na disciplina. E essa é uma das causas principais de não poucos bispos, em trinta anos, terem perdido a metade ou dois terços do rebanho cristão que o Senhor lhes havia confiado… A omissão do exercício da autoridade apostólica tornou-se em muitos lugares da Igreja um pecado descatalogado.

— A falta de pudor é um pecado descatalogado para a maior parte dos católicos. Levando-se em conta unicamente os leigos, é possível dizer que o senso de pudor subsiste apenas em um punhado de “sobreviventes”. Digo isso principalmente com relação ao modo de se vestir.

A Escritura ensina que Adão e Eva, depois de seu primeiro pecado, ficaram com vergonha de sua nudez, e que o próprio Deus fez para eles “umas vestes de peles, e os vestiu” (Gn 3, 21). Deus quer vestimentas para o homem ferido pelo pecado. Em Israel e na Igreja, fiéis à vontade divina, sempre foi pregado aos fiéis o pudor no modo de se vestir e nos costumes, ainda que às vezes essa virtude tivesse de ser vivida e guardada no meio de um mundo totalmente impudico.

Jesus ensinou que “todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração” (Mt 5, 28). Por isso, ainda que no mundo da Igreja dos primeiros séculos a nudez fosse frequente em fontes termais, teatros, academias e festas, os Santos Padres e as leis da Igreja sempre fomentaram o pudor e reprovaram tanto os banhos termais e a imodéstia quanto os espetáculos obscenos, que — como muitas praias, piscinas e espetáculos de hoje — eram ocasiões próximas de pecado.

Registre-se que a modéstia das mulheres cristãs era para não poucos pagãos antigos uma revelação, que colaborou decisivamente para a evangelização do mundo greco-romano. A apostasia moderna conduziu a uma restauração da falta de pudor pagã, ao ponto de em grande parte da Igreja ter-se tornado um pecado descatalogado. As mulheres e os homens podem exibir-se quase nus nas praias, piscinas e academias, prosseguindo com o despudor em suas vidas ordinárias, sem que os pastores e teólogos morais digam qualquer coisa contra. Alguns deles inclusive consideram a nudez como um progresso na história cristã, como uma irrenunciável evangelização do corpo humano.

— A contracepção tornou-se um pecado descatalogado para uma grande parte da Igreja. Incorre nela de modo sistemático a maioria dos matrimônios cristãos, situação muito compreensível se se leva em conta o silêncio quase absoluto sobre essa questão, ou o mau ensinamento que se deu e que se dá sobre ela em pregações, catequeses, publicações, cursos pré-matrimoniais, confissões.

O aborto elimina uma vida humana na qual Deus já infundiu uma alma, e a contracepção é um horror semelhante, pois sobrepõe a vontade do matrimônio à possível vontade de Deus, eliminando cronicamente a concepção dos filhos. O aborto é mais ou menos combatido na Igreja, mas a contracepção tem de fato sido admitida pelo silêncio de muitas igrejas locais. A contracepção resiste a Deus, baixa enormemente o índice de natalidade, deixa-nos sem filhos, leva ao suicídio demográfico, corrói profundamente a união conjugal e é uma das causas principais do grande número de separações, divórcios e adultérios. Não seria gravemente urgente combatê-la?

Uma praga assim tão terrível só pode ser vencida pela reafirmação da verdade de Cristo e de sua Igreja: “Qualquer ato matrimonial deve permanecer aberto à transmissão da vida” [4]. São João Paulo II ensina que, “ao qualificar o ato contraceptivo como intrinsecamente ilícito, Paulo VI quis ensinar que a norma moral não admite exceções: nenhuma circunstância pessoal ou social jamais pôde, pode e poderá converter tal ato em algo por si mesmo ordenado” [5].

— O adultério não foi descatalogado em toda a Igreja, mas em algumas igrejas locais está a caminho de sê-lo, não obstante as palavras claríssimas de Cristo a esse respeito: “Quem repudia sua mulher e se casa com outra, comete adultério contra a primeira. E se a mulher repudia o marido e se casa com outro, comete adultério” (Mc 10, 11-12).

O Salvador dos homens, Jesus Cristo, é o restaurador do matrimônio em sua verdade original, monogâmico e indissolúvel. “Não cometerás adultério” (Rm 13, 9). “Não vos enganeis… os adúlteros não herdarão o Reino de Deus” (1Cor 6, 9-10). O pecado de adultério, com os de heresia e homicídio, sempre foi incluído pela Igreja nos antigos catálogos de pecados mais graves, entre os que são objeto de uma disciplina penitencial mais severa.

— A prática da homossexualidade — não a tendência, é claro — também está a caminho de ser um pecado descatalogado, ao menos na prática, em certas igrejas locais. Há algumas que, de maneira informal e sub-reptícia, já até dispõem de rituais para a bênção de pares homossexuais em templos católicos.

Ao contrário, tanto em Israel como na Igreja, os atos homossexuais sempre foram considerados com especial horror, como o nefando vício da sodomia. “Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a tradição sempre declarou que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados. São contrários à lei natural” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2357).

É significativo que, no Antigo Testamento, “por causa da dureza dos corações”, de algum modo se chegou a tolerar o divórcio, as chamadas segundas “núpcias”, e até a poligamia; mas jamais se aceitou o vício sodomita, que atrai inevitavelmente o castigo de Deus (como se deu em Sodoma e Gomorra).

São Paulo, no elenco de pecados que descreve nos pagãos, menciona a prática homossexual em termos muito duros, como pecado contra naturam (cf. Rm 1, 24-27). Mas o mesmo não costuma ser mencionado nos catálogos de pecados da Igreja antiga, em parte por ser já um pecado em grande medida desaparecido, e também como se se aplicasse a esse pecado a norma paulina: nec nominetur in vobis, “nem se mencione entre em vós” (Ef 5, 3-4).

A descatalogação dos pecados graves constitui hoje a principal causa da ruína de não poucas igrejas locais. É a causa e é o principal efeito. Diferentemente dos outros pecados, esses que são “tirados de catálogo” não são combatidos e persistem tranquilamente impunes em nossa época. Como os espinheiros da parábola, que sufocam a virtude evangélica semeada por Cristo Salvador, eles acabam com a vida cristã dos povos.

Que São João Batista, mártir, interceda por nós, a fim de que, seguindo sua missão e a de Jesus Cristo, também nós hoje vivamos no mundo “para dar testemunho da verdade” (Jo 18, 37), da verdade de Cristo, que vence o pecado, a carne, o mundo e o diabo, pai da mentira.

Notas

  • Este texto, de autoria do Pe. José María Iraburu e presente em seu blogReforma o apostasía”, foi traduzido por nossa equipe e ligeiramente adaptado para esta publicação.

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