Quando me mudei pela primeira vez para o Texas, fiquei perplexo com as velas religiosas à venda nos mercados. Em algum lugar entre as embalagens de papel toalha e de baterias, todas as lojas tinham uma pequena seção de velas longas com imagens de Jesus ou de algum santo afixadas na parte exterior do vidro. Como ainda não era católico, achei aquilo bem estranho. Mas também fiquei perplexo com a seleção de imagens: Jesus segurando um coração; São Miguel matando um dragão, a Virgem de Guadalupe e… São Judas.

Mencionado apenas de passagem nos Evangelhos, Judas não exerce exatamente um papel proeminente na Bíblia. Sabemos que ele também era chamado de Tadeu e que era irmão de Tiago Menor. Também sabemos que Judas era um dos doze Apóstolos. Além disso, temos outros poucos detalhes biográficos. Ele escreveu seu próprio livro, que tem apenas 25 versículos. Não conseguia imaginar por que São Judas deveria ter uma vela, e não São Pedro, São Paulo ou São João.

Quando me tornei católico, compreendi que as velas eram uma espécie de auxílio visual para as orações e uma forma de “prolongar” a oração, uma vez que a luz continuava acesa depois que as palavras eram interrompidas. Ainda assim eu não entendia por que São Judas era tão popular. Foi só quando alguém me explicou que Judas era o “padroeiro das causas perdidas”, que entendi sua proeminência no mercado de velas. São Judas é a referência das pessoas que precisam de orações para uma situação aparentemente irremediável. Mas por quê? 

Pintura anônima de São Judas Tadeu na Igreja dos Santos Vicente e Anastácio, em Roma.

Bem, a prática é muito antiga. Depois da Ascensão de Cristo, Judas viajou pelo Oriente Médio. Segundo a tradição, chegou até a Pérsia e a Líbia. Foi martirizado na Síria e morto com um machado. Seus ossos foram levados para Roma, onde hoje repousam no transepto esquerdo da Basílica de São Pedro. Muitos peregrinos que visitavam o túmulo de São Judas relatavam milagres e uma intercessão poderosa para orações aparentemente impossíveis. Evidentemente, isso fez com que se estabelecesse uma forte associação entre São Judas e as causas perdidas. Conta-se inclusive que Deus teria aparecido a Santa Brígida da Suécia e chamado Judas de “padroeiro das causas impossíveis”.

Naturalmente, muitos santos fizeram milagres durante suas vidas. E a maioria deles é associada a uma intercessão incrível depois da morte. Portanto, se outros santos também intercederam para garantir auxílio aos desesperados, por que Judas é escolhido para esse papel? Parte da resposta pode ser sua breve carta no Novo Testamento. 

A Epístola de São Judas é um breve livro repleto de exemplos históricos dos fiéis e dos incrédulos: os antigos israelitas, Sodoma e Gomorra, Balaão e uma curiosa referência a uma luta entre São Miguel Arcanjo e Satanás por causa do corpo de Moisés. Judas também descreve a difícil situação dos primeiros cristãos, que estavam cercados de hereges semelhantes a “ondas furiosas do mar, que arrojam as espumas da sua torpeza” (v. 13). Em meio a tudo isso, sobressai uma mensagem de alento: “Vós, porém, caríssimos, edificando-vos a vós mesmos sobre o fundamento da vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo, conservai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna” (v. 20s). Com todos os perigos descritos por Judas, era necessário ter uma fé extraordinária para ficar firme — a mesma fé descrita repetidas vezes por Jesus nos Evangelhos.

Por ter sido um dos doze, muitas vezes Judas deve ter escutado Jesus descrevendo a importância da fé. Fé que podia mover montanhas. Fé que provocava curas milagrosas. Com certeza ele foi testemunha ocular dos resultados desse tipo de fé. Certamente também escutou Jesus lamentando a falta de fé dos que o cercavam, alertando-os para as consequências disso. Portanto, não admira que Judas repita essas ideias em sua Carta, exortando os primeiros cristãos a permanecer fiéis e perseverar, de modo a se apresentarem diante de Deus “imaculados e cheios de alegria” (v. 24). 

De qualquer modo, esse tipo de fé não é fácil para a maioria de nós. Felizmente, Jesus teve piedade daqueles “com pouca fé”. Judas faz a mesma coisa, instruindo seus leitores a “exercer misericórdia para com os que duvidam” (v. 22) [i]. Talvez seja isto o que faz de São Judas um intercessor tão acolhedor; sua fé poderosa se uniu à misericórdia para com aqueles que não a têm. Felizmente, ao ver São Judas escondido no corredor de produtos domésticos, podemos lembrar que Cristo é aquele que pode “nos preservar de toda queda” e nos apresentar diante de sua glória (v. 24). Cristo é aquele que pode curar toda enfermidade e ressuscitar os mortos. E para Jesus não existem causas perdidas ou impossíveis.

Notas

  1. Este versículo é bem diferente na Vulgata e na Neovulgata. A primeira diz: Et hos quidem arguite judicatos, que a edição de 1927 do Pe. Matos Soares verte para: “E repreendei os que estão já como que julgados”. A segunda diz: Et his quidem miseremini disputantibus, que a edição de 1956 do Pe. Matos traduz como: “Esforçai-vos por convencer os hesitantes”. Variações de texto à parte, preferimos traduzir o versículo tal como apresentado em inglês, no artigo original. (N.T.)

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