Recebi algumas críticas por um texto meu sobre a Reforma Protestante, porque sugeri que ela foi iniciada por protestantes. Aparentemente, não passei muito tempo atacando a Igreja Católica, que, como todos sabem, teria sido responsável pelo surgimento de Martinho Lutero e companhia limitada.
Portanto, sejamos claros: há quinhentos anos, havia muita corrupção na Igreja Católica. Bispos e abades acumulavam dinheiro e tinham amantes abertamente, e usavam seu privilégio eclesiástico para ganhar poder político. A venda de indulgências havia saído do controle e causou incontáveis danos não apenas à verdadeira piedade, mas ao entendimento correto do Purgatório e das orações pelos defuntos. Foi um escândalo que abrangeu toda a cristandade.
No entanto, não foi apenas Lutero que falou claramente contra essa situação. Santa Catarina de Siena, Santa Brígida da Suécia e outros confrontaram a hierarquia corajosamente e, em alguns casos, com muita eficácia. Três séculos e meio antes, um pequeno frade chamado Francisco de Assis fez uma reviravolta numa Igreja mundana simplesmente ao escolher viver sua própria vida de acordo com o que Jesus pregou nos Evangelhos. O resultado? Uma reforma genuína.
Lutero teve a oportunidade de se tornar um dos maiores santos da história da Igreja. Porém, ele não acreditava estar reformando a Igreja apenas por necessidade de uma limpeza interna. Ele disse explicitamente que não devemos condenar uma doutrina porque o homem que a prega leva uma vida pecaminosa. Ao contrário: “O Espírito Santo… é paciente com os que são fracos na fé, como é ensinado em Rm 14, 15… Eu teria pouquíssimas coisas contra os papistas se eles ensinassem a verdadeira doutrina. Sua vida perversa não causaria nenhum mal significativo.”
São palavras ditas pelo próprio reformador. Ele não se separou da Igreja Católica por causa de sacerdotes e bispos que se portavam de forma inadequada. Ele pensava e ensinava que a doutrina católica era falsa. Rejeitava o Magistério, a autoridade doutrinal da Igreja.
Se os bispos tivessem rasgado suas batinas e se coberto com sacos e cinzas, isso poderia ter feito um bem enorme para a Igreja e o mundo, mas não há nenhuma evidência de que teria feito Lutero mudar de ideia, porque o que ele tinha em mente era uma nova teologia.
Hipócritas que afastaram potenciais seguidores de Cristo ao longo da história da Igreja. Isso ainda acontece. Mas o argumento para por aí. Se o incrédulo quer culpar bispos corruptos por suas próprias dúvidas a respeito da veracidade da fé católica, por que não é atraído novamente para a Igreja pelo testemunho dos santos? Por que São Francisco de Assis, Santa Catarina de Siena ou, mais recentemente, Santa Teresa de Calcutá não são suficientes para fazer com que ele supere suas dúvidas sobre a Igreja? Santos inspiram santidade porque são santos. Rebeldes inspiram rebelião, até contra si. A santidade é sempre uma opção melhor do que a ruptura com a Igreja fundada por Jesus Cristo e levada adiante pelos Apóstolos escolhidos por Ele. Foi essa Igreja que construiu a cristandade.
Mas, como apontou um observador, Martinho Lutero não se rebelou contra um Papa corrupto, mas contra um discreto frade dominicano, falecido havia mais de duzentos anos: Santo Tomás de Aquino.
Chesterton diz: “A essência da doutrina tomista era a confiabilidade da Razão; a essência da doutrina luterana é a completa inconfiabilidade dela.”
Santo Agostinho, verdadeiro santo e gigante entre os convertidos, era limitado sob certo aspecto. Ele só conhecia a filosofia de Platão. Santo Tomás introduziu Aristóteles na filosofia cristã, mas os agostinianos platonistas nunca aceitaram isso. Abordavam a realidade objetiva de um modo diferente. Um desses agostinianos era um monge chamado Martinho Lutero. Chesterton argumenta que a Reforma foi na verdade a revanche dos platonistas. Poderíamos dizer que ela começou com uma diferença de ênfase, ou que teve início como uma discussão entre monges, mas a ênfase de Lutero na emoção em lugar da razão, na verdade subjetiva em lugar da objetiva e, infelizmente, no determinismo em lugar do livre-arbítrio, abriu as portas para um ataque não apenas à escolástica, mas à filosofia como um todo.
O luteranismo, diz Chesterton,
tinha uma teoria que era a destruição de todas as teorias; na verdade, tinha sua própria teologia que era, ela própria, a morte da teologia. O homem não podia dizer nada a Deus, de Deus ou sobre Deus, a não ser proferir uma súplica inarticulada por misericórdia e pela ajuda sobrenatural de Cristo, num mundo em que todas as coisas naturais são inúteis. A razão era inútil; a vontade também. O homem não podia mover-se alguns centímetros, assim como uma pedra não pode fazê-lo. O homem não podia confiar no que estava em sua mente, assim como um nabo não pode fazê-lo. Não sobrava nada na terra ou no céu, exceto o nome de Cristo elevado naquela imprecação solitária; terrível como o grito de um animal em agonia.
Santo Tomás e Lutero são “as dobradiças da história”, e Lutero conseguiu se tornar um problema grande o suficiente para ofuscar a imensa figura de Santo Tomás. “Lutero de fato inaugurou o espírito moderno de dependência de coisas que não são simplesmente intelectuais.” Tinha uma personalidade forte. Era um brigão. Alegava ter autoridade sobre a Sagrada Escritura e a alterou por conta própria, acrescentando uma palavra aqui e outra ali em sua própria tradução a fim de acomodar sua própria teologia. Quando confrontado com o ato, “contentou-se em gritar para os questionadores: ‘Digam a eles que o Dr. Martinho Lutero assim o deseja!’ É o que chamamos hoje de Personalidade… Ele destruiu a Razão e substituiu a Sugestão.”
Lutero e todos os outros reformadores não podem culpar a Igreja pelas consequências de seus próprios atos. É normal falar da corrupção de certos bispos na Alemanha, mas parece que ninguém quer discutir a verdadeira heresia de Lutero e tudo o que aconteceu na sua esteira, desde a fragmentação do cristianismo em milhares de denominações à desintegração da filosofia em uma especulação independente, limitada e bizarra após a outra, porque perdemos o simples bom senso, a razão e a realidade que outrora foram articulados de forma tão clara por Santo Tomás.
O que achou desse conteúdo?