Bélgica, século XIX [1]. O padre Philip Schoofs, da Companhia de Jesus, que morreu em Lovaina em 1878, relatou o seguinte fato, ocorrido na Antuérpia durante os primeiros anos de seu ministério naquela cidade.

Ele tinha acabado de pregar uma missão e havia retornado ao Colégio de Notre Dame, então situado na Rue l’Empereur (“Rua do Imperador”), quando lhe disseram que alguém procurava falar com ele no parlatório. Descendo imediatamente, ele encontrou ali dois jovens rapazes na flor da idade com uma criança pálida e de aspecto doente, com cerca de dez anos.

“Padre”, disseram eles, “eis aqui uma pobre criança que nós adotamos e que merece toda a nossa proteção, por ser muito boa e piedosa. Nós a temos alimentado e educado, e há mais de um ano ela faz parte de nossa família. Está muito feliz e tem gozado de ótima saúde. Foi só nas últimas semanas que ela começou a emagrecer e ficar fraca, como o senhor pode ver”.

“Qual a causa da mudança?”, perguntou o padre.

“O motivo é assustador”, responderam. “O menino é acordado todas as noites por aparições. Ele nos assegura que um homem se apresenta diante dele, e que ele o vê tão distintamente como nos vê à plena luz do dia. Essa é causa de seu medo e desassossego contínuos. Nós viemos recorrer ao senhor, padre, para lhe pedir algum remédio a essa situação.”

“Meus amigos”, replicou o padre Schoofs, “Deus tem um remédio para todas as coisas. Comecem fazendo uma boa Confissão e recebendo bem a Comunhão, supliquem a Deus que os livre de todo mal e não tenham medo. Quanto a você, meu filho”, disse ele voltando-se à criança, “faça bem suas orações, e então durma profundamente, que nenhum fantasma o despertará.”

Ele então despediu os três, dizendo-lhes que retornassem caso algo acontecesse de novo.

Casas antigas na Rue l’Empereur, Antuérpia, 1907. Pintura de Amédée Forestier.

Duas semanas se passaram e eles voltaram outra vez. “Padre”, disseram-lhe, “nós seguimos as ordens do senhor, mas as aparições continuam como antes. O menino sempre vê o mesmo homem.”

“Desta noite em diante”, disse o padre Schoofs, “vigiem a porta do quarto da criança, munidos de papel e tinta para escrever as respostas. Quando o menino os advertir da presença desse homem, peçam em nome de Deus que ele diga quem é, a hora de sua morte, onde ele viveu e por que voltou.”

Eles voltaram no dia seguinte, trazendo o papel no qual estavam escritas as respostas recebidas. Eles relataram ter visto o homem que aparecia à criança; descreveram-no como um senhor de idade, do qual só conseguiam ver o tronco, e que usava um traje de tempos antigos. O finado contou-lhes o próprio nome e revelou-lhes o endereço da casa em que havia morado, na Antuérpia.

Ele morrera em 1636 e havia seguido a profissão de banqueiro na mesma casa. À época, esta compreendia os dois prédios que, depois, poderiam ser vistos à direita e à esquerda do lugar. Vale observar aqui que alguns documentos, provando a veracidade dessas indicações, foram descobertos mais tarde nos arquivos da cidade de Antuérpia.

O defunto acrescentou, ainda, que se encontrava no Purgatório, e que poucas orações haviam sido feitas por ele. Ele implorou, então, às pessoas da casa que oferecessem a santa Comunhão por ele, pedindo também que fosse feita uma peregrinação por ele a Notre Dame des Fievres (“Nossa Senhora das Febres”), e outra a Notre Dame de la Chapelle (“Nossa Senhora da Capela”), na capital Bruxelas.

“Vocês farão bem em atender a todos esses pedidos”, disse o padre Schoofs. “Se o espírito retornar, antes de falar com ele, peçam-lhe que reze um Pai-nosso, uma Ave-Maria e o Creio.” Eles praticaram as boas obras indicadas, com toda a piedade possível, e muitas conversões aconteceram depois de difundirem esse relato.

Quando tudo havia acabado, os jovens retornaram. “Padre, ele rezou”, disseram ao padre Schoofs, “mas em um tom de fé e piedade indescritíveis. Nós nunca tínhamos ouvido ninguém rezar daquele modo. Quanta reverência no Pai-Nosso! Quanto amor na Ave-Maria! Quanto fervor ao recitar o Creio! Agora nós sabemos o que é rezar de verdade.

Ele então nos agradeceu por nossas orações, por meio das quais havia recebido grande alívio, e disse que teria sido completamente libertado do Purgatório, não fosse por uma ajudante em nossa loja que fez uma Comunhão sacrílega. Nós a advertimos”, continuaram, “e ela ficou pálida, reconheceu a própria culpa, correu ao seu confessor e reparou bem depressa o crime cometido.”

“Desde aquele dia”, acrescenta o padre Schoofs, “aquela casa nunca mais foi assombrada. A família que nela mora prosperou rapidamente, e hoje são ricos [2]. Os dois irmãos continuaram a viver de maneira exemplar, e sua irmã, feita religiosa conventual, chegou a tornar-se superior em seu mosteiro. Tudo nos leva a crer que a prosperidade daquela família foi resultado do socorro oferecido àquela alma apenada.


O conteúdo acima exposto está em plena conformidade com a doutrina da Igreja a respeito tanto da comunhão dos santos quanto da vida eterna. Só uma leitura apressada da história poderia intuir nela, por exemplo, sinais de “espiritismo”. Para entender melhor a questão, recomendamos a todos que leiam uma outra matéria que já publicamos em nosso site, diferenciando as visões e aparições que, por permissão divina, acontecem aos homens, das evocações, provocadas pelos homens, em sessões espíritas: aquelas, além de serem raras, lembram-nos a importância de sufragarmos as santas almas do Purgatório com nossas orações; estas, pelo contrário, brotam quase sempre de uma curiosidade malsã e, além disso, constituem uma grave desobediência à lei de Deus, como já explicamos em outro lugar.


Depois de dois séculos de punição no Purgatório, não restou por expiar àquele defunto senão uma pequena parte de sua pena, além da realização de algumas boas obras que ele pediu lhe fossem aplicadas em sufrágio. Cumprida a pena, ele foi para o Céu e quis demonstrar sua gratidão obtendo as bênçãos de Deus sobre os seus benfeitores.”

Notas

  1. É sempre válido observar, a respeito de relatos como estes, o seguinte: trata-se de uma revelação particular e, como tal, não é necessário que acreditemos nela. De qualquer modo, mesmo não pertencendo ao depósito da fé, “o senso dos fiéis sabe discernir e acolher o que nessas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou de seus santos à Igreja” (Catecismo da Igreja Católica, § 67).
  2. As bênçãos materiais recebidas por essa família em particular não são, evidentemente, regra, nem devem ser buscadas como fim dos sufrágios que oferecemos pelas almas do Purgatório. Isso seria reduzir a doutrina católica a uma desprezível “teologia da prosperidade”, que tem em alta conta os bens deste mundo, ao mesmo tempo que menospreza os bens espirituais e eternos que Deus tem reservado para nós, e que superam tudo a que podem ter acesso os nossos sentidos, como está escrito: “O que Deus preparou para os que O amam é algo que os olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu” (1Cor 2, 9).

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