Assisti uma vez a um comercial de serviço telefônico que me assombra até o dia de hoje. Uma das cenas consistia em um pai com seus filhos, num acampamento, todos sentados ao redor da fogueira. O pai parecia estar contando uma história assustadora, bem ao estilo clichê do pai moderno e bobalhão. Os dois filhos se entreolharam, reviraram os olhos e mergulharam de cabeça nos próprios celulares. Essa foi só uma das peças, e eu a achei assustadora. Bastou esse comercial para me convencer de que, definitivamente, eu não deveria comprar um smartphone para os meus filhos. A família é o alicerce fundamental da sociedade, e a mensagem básica do anúncio era que você deveria comprar esse serviço para poder se desligar de seus pais idiotas e seguir em frente com o importante trabalho do seu entretenimento e conexão às mídias sociais

Eu vejo algo semelhante em meus alunos. Sou professor de física do ensino médio, e a tendência geral do dia na escola é que os alunos façam o que têm de fazer (ou nem isso, às vezes), para que possam se desligar dos arredores físicos e voltar aos filmes a que estão assistindo ou aos jogos que estão jogando. De vez em quando, chega à escola um aluno que esqueceu o celular, e os olhos arregalados são suficientes para indicar que ele está sofrendo de abstinência. A maior parte deles é, literalmente, viciada. Alegra-me dizer que esse não é o caso de todos os meus alunos, e ainda vejo muitas interações positivas face a face ao longo do dia, mas a obsessão pelas telas é certamente uma tendência geral. Tudo o que escrevo aqui se aplica não só a smartphones, mas também a laptops, tablets e outros dispositivos.

Mas nós não fomos feitos para as telas. Fomos feitos para o encontro com o outro; fomos feitos para aquele Encontro final com o Tu Eterno. “O homem… não pode se encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo” (Gaudium et Spes, 24), e nós não podemos doar sinceramente a nós mesmos senão no encontro pessoal.

O mundo da tecnologia e das mídias sociais é predominantemente de aparências, propaganda e entretenimento. Tende a causar déficit de atenção e criar uma mentalidade consumista, se não for cuidadosamente controlado. A gratificação instantânea está se tornando cada vez mais a norma; e a virtude, como consequência, é cada vez menos comum. À medida que o conforto, o prazer e o entretenimento se tornam mais facilmente disponíveis por meio de nossa tecnologia, exige-se muito pouco de nós. Mas o sentido da vida não é o conforto ou o prazer ou o entretenimento. Perseguir esses fins cria consumidores voltados para si próprios, e não indivíduos corajosos e nobres, capazes de se doar e amar de verdade.

Não estou dizendo que a tecnologia e os smartphones são inerentemente maus. Nenhum componente tecnológico é mau em si mesmo — só na forma como é usado. Mas um aparelho com acesso a praticamente tudo não deve ser entregue sem restrições a crianças. Os celulares podem ser um meio de comunicação muito útil entre familiares e amigos, mas um smartphone carregado é mais perigoso que uma arma carregada [i]. Uma arma só é capaz de ferir ou matar fisicamente; um smartphone sem restrições tem o potencial de escravizar o coração, a mente e a alma, de muitas e diferentes maneiras.

A realidade inteira proclama a bondade de Deus. Todas as coisas dão testemunho de seu poder e de seu amor [ii]. Mas a realidade virtual, significativamente distante da natureza, carece da abundância de encontros que desejamos.

Se queremos que nossos filhos sejam corajosos, fortes, ordenados e sábios, devemos expô-los à beleza da criação, não aos perigos que espreitam na internet. Deixe que eles se tornem mais plenamente eles próprios, que sejam mais plenamente humanos, e então eles serão capazes de fazer escolhas melhores para si mesmos [iii].

Como livrar os seus filhos do vício em telas

Gostaria de responder a uma e outra objeção que eu costumo receber, vinda de amigos que dão celulares, tablets e laptops aos próprios filhos.

Às vezes, esses pais dizem que dão smartphones aos filhos porque eles precisam saber como usar a tecnologia no mundo de hoje.

Em primeiro lugar, as atividades para as quais esses dispositivos geralmente são usados não são tecnologicamente avançadas ou produtivas. Muitos de meus alunos ainda lutam para dominar com rapidez aplicativos novos e tarefas básicas de programação. A maioria não tem ideia de como seus dispositivos realmente funcionam. Os usuários da tecnologia não estão necessariamente ganhando experiência em como usá-la bem. Isso fica bem evidente no uso que se faz da calculadora. Não é incomum que um aluno tenha uma calculadora cara e sofisticada que ele usa só para aritmética, ou que ele aperte um botão errado, obtenha um resultado completamente sem sentido e, ainda assim, registre o que a calculadora apresentou sem pensar criticamente sobre o resultado.

Em segundo lugar, se se diz que as pessoas na sociedade de hoje precisam saber como usar a tecnologia, digamos então que elas também precisam aprender a dirigir, mas isso não significa que devamos entregar as chaves de um carro a crianças de cinco, oito ou doze anos de idade. Nós damos privilégios [às pessoas] de acordo com a maturidade [que atingem] e, de uma perspectiva eterna, um dispositivo sem supervisão é mais perigoso que um carro, requerendo portanto mais sabedoria e maturidade.

Os pais também dizem, às vezes, não querer que seus filhos sejam os únicos sem telefone. Minha pergunta é: Por quê? Por acaso não queremos que nossos filhos fiquem tranquilos com o fato de estarem isolados, se eles tiverem de estar? Será que não se apresentarão circunstâncias, ao longo da vida de nossos filhos, diante das quais eles precisarão de segurança para remar contra o fluxo da cultura ou do seu grupo de amigos? É uma coisa terrível que treinemos nossos filhos para sempre seguirem a multidão. A pressão social é, muito provavelmente, a pior razão para se fazer qualquer coisa. Nossos filhos precisam aprender a ficar isolados quando for necessário.

Algumas vezes, os pais dizem não querer que seus filhos fiquem entediados, e os filhos geralmente reclamam que estão entediados. A essa reclamação de tédio geralmente se segue um pedido por mais tempo de telas, para que eles possam se divertir. Mais uma vez, o tédio não é uma coisa assim tão má. Eu prefiro meus filhos ficando entediados e aprendendo a usar a própria imaginação do que buscando continuamente um entretenimento passivo. O tédio não é um fruto das circunstâncias, mas o resultado de um estado de caráter. Como escreveu G. K. Chesterton: “Não há, na terra, assunto desinteressante; a única coisa que existe são pessoas desinteressadas” [iv].

Há momentos em que é justificável colocar nossos filhos sentados em frente a uma tela? Minha própria resposta a essa pergunta é sim, mas cada pai deve discernir cuidadosamente isso por si próprio. De todo modo, esse tempo de tela deve ser o mínimo possível, e com muita atenção ao que está sendo consumido.

Você permitiria que uma empresa de coleta de lixo despejasse detritos em sua casa? Convidaria os operários de infraestrutura urbana a direcionar os tubos de esgoto da cidade para a sua sala? As mentes e corações de nossos filhos são palácios, que valem infinitamente mais do que o nosso próprio lar. Até que ponto não devemos ir para salvaguardar-lhes a saúde?

Notas

  1. Em inglês, a loaded smartphone is more dangerous than a loaded gun. O autor está fazendo um trocadilho entre a carga de bateria dos celulares e a carga de munições das armas. Num e noutro caso, são diferentes os complementos do adjetivo “carregado”. (N.T.)
  2. Há aqui um eco do que diz o salmista: Cæli enarrant gloriam Dei, et opera manuum eius annuntiat firmamentum, “Os céus proclamam a glória de Deus, o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (Sl 18, 1). Noutras palavras, a Criação fala de seu Criador. (N.T.)
  3. Nesta publicação, reunimos dois textos do mesmo autor em um só. É possível acessar os originais, na íntegra, aqui e aqui. (N.T.)
  4. Cf. G. K. Chesterton, Hereges (c. III). 4.ª ed., Campinas: Ecclesiae, 2019, p. 35. (N.T.)

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