“Beleza é verdade, verdade é beleza, e isso é tudo
que conheceis na terra e precisais saber…”
(John Keats, Ode on a Grecian Urn)

O sucinto elogio da beleza de John Keats é ao mesmo tempo belo e impreciso. Ele nos engana; ele nos seduz; mas será que nos satisfaz? É essa uma explicação satisfatória para a relação entre o belo e o verdadeiro? Ela não pede mais perguntas do que dá respostas? Se beleza é verdade, o que é verdade? E se a verdade é bela, o que é beleza? Essas são questões que inspiraram os maiores filósofos desde a época de Platão e Aristóteles. 

Para os gregos, e para Agostinho e Tomás de Aquino, o bom, o verdadeiro e o belo estão inextricavelmente entrelaçados. E, para o cristão, eles não estão apenas entrelaçados, mas, em última análise, são a mesma coisa: são a “Coisa” que é Cristo.

Jesus Cristo é a resposta à perene pergunta de Pilatos: Quid est veritas? — “O que é a verdade?” (Jo 18, 38). O próprio Cristo é a verdade. E também é a beleza e a bondade. Ele é a própria encarnação do bom, do verdadeiro e do belo. Ele é essas três coisas reunidas em uma. A verdade é, portanto, trinitária. Ela é uma só com o bom e com o belo. 

“O que é a verdade”, por Nikolai Ge.

Visto que, bem entendidos, eles são sinônimos de Cristo, pode-se ver que o bom, o verdadeiro e o belo são os fins pelos quais trabalhamos. No entanto, eles também são os meios pelos quais alcançamos o fim. Cristo não é apenas a verdade e a vida — ele é o caminho. Ele não é apenas o fim — ele é o meio. Tudo o que é bom, tudo o que é verdadeiro e tudo o que é belo têm sua fonte em Cristo e a ele nos conduz. Esta é a verdadeira beleza, mas é uma beleza e uma verdade que não são vistas pelos escribas, fariseus e hipócritas que sempre procuraram crucificar o belo e o verdadeiro no altar da autolatria. Para pessoas como essas, o propósito da cruz é destacar “propósitos cruzados”, no sentido de que aqueles que estão cegos pelo orgulho podem ver apenas a contradição sem sentido e não o paradoxo significativo. Eles fazem a pergunta de Pilatos não com o propósito de encontrar uma resposta, nem no sentido socrático de suscitar novas perguntas, mas apenas como um meio de afirmar que não há resposta. Para o homem desconstruído, a pergunta de Pilatos é puramente retórica porque não há nada além de retórica. As palavras são brinquedos com os quais nos persuadimos de que nada é convincente.

O homem desconstruído também é um homem desintegrado. Ele não consegue ver a integração de bondade, verdade e beleza, e assim se condena a um cosmos segregado, no qual o pecado é bom, a feiura é bela e a verdade é uma mentira. Essa é a fragmentação que leva à loucura. É literalmente a explosão da verdade em pedaços que se desintegram.

O desafio de integrar nossa cultura segregada tem sido central para a missão da Igreja ao longo dos séculos. Desde as primeiras heresias e as primeiras monstruosidades modernas de Maquiavel até os erros mais modernos de Marx e Mamon, a Igreja Católica tem combatido o erro desde o seu início. Como o único corpo que, na frase memorável de Chesterton, “pensa sobre o pensamento” há dois mil anos, a Igreja continua a falar universal e univocamente contra a autodeificação que leva à autodestruição. Com sua sabedoria infalível, ela usa o dinamismo da ortodoxia para desarmar a “dinamite” de heresia, que explode a verdade

Este antigo e venerável ofício da Igreja ficou evidente em novembro de 2008, em um evento público promovido pela Pontifícia Academia de Belas Artes e Letras com o tema “Universalidade da beleza: um confronto entre a estética e a ética”. O Papa Bento XVI, em uma mensagem aos presentes nessa assembleia, destacou a “urgência de um renovado diálogo entre estética e ética, entre beleza, verdade e bondade”. O Santo Padre lamentou a separação dramática entre a busca dos ornamentos externos da beleza e a ideia de uma beleza enraizada na verdade e na bondade:

Com efeito, uma busca da beleza que fosse alheia ou separada da busca humana da verdade e da beleza transformar-se-ia, como infelizmente acontece, em mero esteticismo e, sobretudo para os mais jovens, num itinerário que termina no efêmero, na aparência banal e superficial, ou até numa fuga para paraísos artificiais, mas ocultam e escondem o vazio e a inconsistência interior.

Reiterando a necessidade da cultura contemporânea de redescobrir a integração da beleza, da verdade e do bem, o Papa destacou que o compromisso de recuperar e redescobrir essa integridade filosófica era ainda mais importante para os cristãos: “Se este compromisso é válido para todos, ainda mais o é para o crente, para o discípulo de Cristo, chamado pelo Senhor a ‘explicar’ a todos a beleza e a verdade da própria fé”.

Invocando a sabedoria do seu predecessor, o Santo Padre se referiu à Carta aos Artistas de João Paulo II, que nos convida a refletir sobre o fecundo diálogo entre a Sagrada Escritura e as diversas formas de arte, do qual surgiram inúmeras obras-primas. Quando os cristãos criam obras que rendem glória ao Pai, afirmou o Papa Bento XVI, eles falam da “bondade e da verdade profunda” que estão retratando, bem como da integridade e santidade do artista ou autor. Saber como “ler e perscrutar a beleza das obras de arte, inspiradas pela fé”, pode levar os cristãos a um “singular itinerário que aproxima de Deus e da sua Palavra”. Este caminho era em si mesmo um meio de evangelizar a cultura mais ampla através da força da beleza e, como tal, o Papa exortou os fiéis a aprender a “comunicar com a linguagem das imagens e dos símbolos… para alcançar eficazmente os nossos contemporâneos”.

Com sua habitual eloquência e sagacidade, o Santo Padre transmitiu a verdade que eleva o epigrama poético de Keats a um nível além da mera banalidade. Em uma época de analfabetismo racional, em que o homem desconstruído deu as costas à verdade, desprezando-a, o poder da beleza ainda fala em cores que vão além das palavras e dos pensamentos. Em uma época em que o amor e a bondade foram narcisicamente invertidos, de modo que todo amor e bondade dizem respeito a “mim” e não ao “outro”; uma época em que o coração autossacrifical do verdadeiro amor foi removido e substituído por falsos “amores” egocêntricos; em tal época, a beleza ainda pulsa com paixões mais saudáveis e desejos mais nobres. 

Mesmo uma época que não consegue pensar ou amar pode ser tocada ainda pela beleza. O nascer do sol ainda fala aos corações mais endurecidos e desperta sentimentos de gratidão inarticulados. E a gratidão é cheia de graça; desperta a vontade de dizer “obrigado” a alguém. Tal gratidão é o nascimento da humildade em corações orgulhosos, cujas dores de parto partirão o próprio coração. Pois o coração orgulhoso deve ser quebrantado para que possa ser curado. Pois, como Oscar Wilde sabia muito bem, é apenas por meio de um coração partido que o Senhor Jesus Cristo pode entrar

Oh, que sua beleza parta nossos corações, para que possamos conhecê-lo verdadeiramente e para que possamos saborear e ver que ele é bom. Em nome do Bom, do Verdadeiro e do Belo. Amém.

O que achou desse conteúdo?

0
0
Mais recentes
Mais antigos