No Evangelho do 10º domingo do Tempo Comum, vimos que Nosso Senhor dirige palavras duras aos escribas: “Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno” (Mc 3, 29).
Mas o que essas palavras realmente querem dizer? O que ensina a Igreja sobre a chamada “blasfêmia contra o Espírito Santo”?
Os primeiros autores cristãos entendiam essa passagem evangélica de modos diferentes:
- Santo Atanásio, Santo Hilário, Santo Ambrósio, São Jerônimo e São João Crisóstomo, por exemplo [1], identificavam a blasfêmia contra o Espírito Santo com qualquer blasfêmia proferida contra a divindade, distinguindo-a da blasfêmia contra a humanidade de Cristo. Assim, quando os judeus acusavam Nosso Senhor de ser “um comilão e beberrão, amigo de publicanos e de pecadores” (Mt 11, 19), seu pecado era escusável; quando passaram, porém, a atribuir ao demônio as obras de Deus, não mais. Daí o próprio Jesus dizer, no Evangelho de São Lucas: “Mesmo se alguém falar uma palavra contra o Filho do Homem, lhe será perdoada. Mas, se falar contra o Espírito Santo, não será perdoado” (Mt 12, 32).
- Santo Agostinho, por sua vez, associava esse pecado imperdoável à impenitência final, “quando alguém persevera no pecado mortal até a morte”. É cometido contra o Espírito Santo porque “se opõe à remissão dos pecados, operada pelo Espírito Santo, que é o amor do Pai e do Filho” [2].
- A interpretação que se consolidou até os dias de hoje, porém, principalmente com Pedro Lombardo e Santo Tomás de Aquino, é a da blasfêmia contra a Terceira Pessoa da SS. Trindade como o pecado cometido “por pura malícia, o que é contrário à bondade que se atribui ao Espírito Santo” [3].
O Papa São João Paulo II, em sua Encíclica Dominum et Vivificantem, explica com propriedade que:
Segundo uma tal exegese, a “blasfêmia” não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o mesmo Espírito Santo agindo em virtude do sacrifício da Cruz. […]
Se Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, é porque esta “não-remissão” está ligada, como à sua causa, à “não-penitência”, isto é, à recusa radical a converter-se.
Ora a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica o seu pretenso “direito” de perseverar no mal — em qualquer pecado — e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida. É uma situação de ruína espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou e abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências e da remissão dos pecados. [4]
O Doutor Angélico argumenta da mesma forma:
Dizemos que uma doença é incurável por natureza, quando exclui tudo o que poderia curá-la, por exemplo, quando priva do vigor da natureza ou produz a repulsa do alimento e do remédio, embora Deus possa curar tal doença. Assim também o pecado contra o Espírito Santo diz-se irremissível por sua natureza, enquanto exclui os meios que levam à remissão dos pecados. Entretanto, isso não fecha a via do perdão e da cura pela onipotência e misericórdia de Deus, pela qual, às vezes, quase miraculosamente tais pecadores são espiritualmente curados. [5]
Diferentemente do que algumas pessoas poderiam pensar, portanto, a blasfêmia contra o Espírito torna-se imperdoável não por um defeito da misericórdia divina, sempre pronta a perdoar o homem; consiste mais em um endurecimento do coração humano, e é por sua própria culpa que o estado de alma em que se encontram torna-se irremediável. Se o filho pródigo da parábola (cf. Lc 15, 11-32), por exemplo, ao invés de voltar para a casa de seu pai, começasse a justificar sua condição de pecado, conformando-se com comer a lavagem dos porcos, seu futuro continuaria a ser a escravidão.
Tragicamente, é o que acontece a muitas pessoas de nossa época, conforme uma conhecida denúncia do Papa Pio XII: “Talvez o maior pecado do mundo de hoje seja que o homem tenha começado a perder o sentido do pecado” [6]. Um doente que não reconhece a própria enfermidade rejeita todos os remédios que poderiam servir para sua cura.
Assim, ainda a partir dos ensinamentos de Santo Tomás de Aquino, a Igreja enumera tradicionalmente seis espécies de pecados contra o Espírito Santo [7], os quais Padre Paulo Ricardo explica convenientemente no vídeo a seguir. São eles:
- Desesperar da salvação;
- Presunção de se salvar sem merecimentos;
- Combater a verdade conhecida;
- Ter inveja das graças que Deus dá a outrem;
- Obstinar-se no pecado;
- Morrer na impenitência final.
Peçamos a Deus que nos livre, a nós e aqueles que mais amamos, desta cegueira e obstinação do coração. Estejamos sempre de olhos abertos, prontos a acolher a graça quando ela nos visita, temendo o Deus que passa… e que pode não mais voltar.
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