O mundo testemunha, analisa e reconhece a magnitude do poder da Igreja. Ele não nega que ela seja especial, formidável, ou melhor, que sua história seja sobrenatural; que ela faça o que o homem desamparado não pode fazer. Ele distingue e reconhece a longevidade, a imutabilidade, a impassibilidade e o vigor sempre jovial dela, a elasticidade de seus movimentos, a consistência e harmonia de sua doutrina, a capacidade de persuasão de suas afirmações. Ele confessa, eu diria, que a Igreja é um fenômeno sobrenatural; mas não dá muita importância a essa confissão, não a considera um argumento para submeter-se à Igreja, pois atribui a Satanás, não a Deus, o milagre que vê.
Tomando como pressuposto inicial (a partir do qual a investigação deve prosseguir, e ao qual todos os resultados devem ser referidos) que a Igreja não é a esposa de Cristo, mas a filha do Maligno, a feiticeira descrita por São João (cf. Ap 17); e que seu chefe supremo não é o vigário de Cristo, pastor e doutor de seu povo, mas o homem do pecado, o enganador predestinado [ao Inferno] e filho da perdição — eu dizia, assumindo isso sem prova a princípio, é claro que as próprias evidências que realmente demonstram nossa origem divina são plausivelmente lançadas contra nós, como o foram contra nosso Senhor e Salvador, como sinais de nossa reprovação.
O Anticristo, quando vier, será uma imitação ou falsificação de Cristo; portanto, aos olhos de muitos ele se parecerá com Cristo, caso contrário não seria uma falsificação; mas se o Anticristo se parece com Cristo, Cristo, é claro, deve se parecer com o Anticristo. A feiticeira idólatra, se quiser ter algum sucesso em seus encantamentos, deve simular uma gravidade, autoridade, santidade e nobreza, que realmente pertencem só à Igreja de Cristo; não é de admirar, então, que Satanás seja capaz de persuadir os homens de que tal feiticeira é semelhante à Igreja; ele também é capaz de persuadi-los de que a Igreja é semelhante a ela.
O próprio Cristo, em duas ocasiões, não foi sequer reconhecido no barco por seus discípulos, que o amavam: após a Ressurreição, São Pedro só o reconheceu depois que São João o identificou; e quando, antes disso, Ele veio caminhando sobre o mar, eles a princípio tiveram medo dele, como se fosse um ser maligno ou perverso: “Perturbavam-se, dizendo: ‘É uma aparição’, e gritavam de medo.” Se até os Apóstolos, nos primeiros anos de seu discipulado, foram tão tolos na compreensão das coisas espirituais, não é de admirar que o inimigo das almas tenha muitos meios e oportunidades de seduzir os incautos e obstinados.
Quero dizer, quanto mais numerosas e notáveis são as provas da divindade da Igreja, tanto mais conclusivas são as réplicas contra ela, quando os homens supõem, em princípio, que ela vem, não do alto, mas de baixo. Ela afirma ser enviada de Deus? Mas o Anticristo também o afirmará. Os homens curvam-se diante dela “e lambem o pó dos seus pés”? Mas, por outro lado, também é dito da feiticeira apocalíptica que os reis da terra ficarão “embriagados com o seu vinho”. A Igreja recebe a homenagem das “ilhas e dos navios do mar”? A resposta está pronta; pois é expressamente dito na Escritura que a mulher maligna tornará “os mercadores da terra ricos pela abundância de suas iguarias”. A Igreja é honrada com “o ouro e o incenso de Sabá, a multidão de camelos, os dromedários de Madiã e os rebanhos de Cedro”? Seu rival ímpio também será vestido “de púrpura e escarlate, e revestido de ouro”, e enriquecido com “animais, e ovelhas, e cavalos, e carros”. A Igreja exerce um poder sobre a alma? Também a feiticeira será possuidora, não só dos bens deste mundo, mas das “almas dos homens”. Foi prometido que os filhos da Igreja fariam milagres? O Anticristo fará “prodígios enganadores”. Eles apresentam uma mansidão e firmeza admiráveis, uma abnegação maravilhosa, fervor na oração e caridade? A resposta é: “Isso só os torna mais perigosos. Não sabeis que Satanás pode transfigurar-se em anjo de luz?” Eles são, de acordo com a ordem de Nosso Senhor, como ovelhas, indefesos e pacientes? [Replica-se que] isso não faz senão cumprir uma profecia notável; pois a segunda besta, que subiu da terra, “tinha dois chifres como os de um cordeiro, e falava como um dragão”.
Não cumpre a Igreja a descrição das Escrituras de ser fraca e, ainda assim, forte, de conquistar cedendo, de não ter nada e, no entanto, ganhar todas as coisas, e de exercer poder sem riqueza ou posição? Esse fato maravilhoso, que certamente deveria assustar os mais obstinados, é atribuído, não ao poder de Deus, mas a alguma arte ou conspiração política. Os anjos caminham pela terra em vão; para o preconceito grosseiro da multidão, suas idas e vindas são conspirações secretas de “monges e jesuítas” (como eles dizem). Certamente isso não pode nem deve ser bom; acreditai antes em qualquer coisa do que na possibilidade de ela ter origem divina; acreditai em uma hoste de traidores invisíveis rondando e disseminando doutrina adversa à vossa, acreditai que somos mentirosos e enganadores, homens de sangue, ministros do Inferno, em vez de voltardes vossas mentes, como forma de resolver o problema, para a possibilidade de sermos o que dizemos ser, os filhos e servos da verdadeira Igreja. Nunca houve um artifício mais bem-sucedido do que este, que o autor do mal inventou contra o seu Criador, de que a obra de Deus não é de Deus, mas dele mesmo. Ele espalhou isso pelo mundo, como ladrões em uma multidão escapam fazendo alarde; e os homens, em sua simplicidade, fogem de Cristo como se Cristo fosse ele, e correm para seus braços como se ele fosse Cristo.
E se Satanás pode tão bem aproveitar-se até mesmo dos dons e glórias da Igreja, não é de admirar que ele possa ser hábil também na exposição e no uso daquelas ofensas e escândalos que hoje, ou em tempos passados, são sua própria obra no seio dela.
Meus irmãos, ela tem escândalos, tem algo de que pode ser culpada e de que pode se envergonhar: nenhum católico negará isso. Ela sempre teve o opróbrio e a vergonha de ser mãe de seus filhos indignos. Tem bons filhos, e muitos outros que são maus. Tal é a vontade de Deus, declarada desde o princípio. Ele poderia ter formado uma Igreja pura, mas previu expressamente que o joio, semeado pelo inimigo, permanecerá junto ao trigo até a colheita no fim do mundo. Ele declarou que a sua Igreja seria como a rede do pescador, que apanha todo tipo de coisa e só é examinada ao anoitecer. Não, mais do que isso, Ele declarou que [o número dos] maus e imperfeitos deveria superar em muito o dos bons. “Muitos são chamados”, disse Ele, “mas poucos são escolhidos”; e seu Apóstolo fala de “um resto que se salva segundo a eleição da graça” (Rm 11, 5).
Portanto, nas vidas e histórias dos católicos há sempre uma abundância de matéria pronta para o uso daqueles oponentes que, partindo da noção de que a Santa Igreja é obra do diabo, desejam obter alguma comprovação de sua ideia principal. A prerrogativa mesma da Igreja proporciona uma oportunidade especial para isso; quero dizer, o fato de ela ser a Igreja de todos os lugares e de todas as épocas. Se houve um Judas entre os Apóstolos e um Nicolau entre os diáconos [i], por que deveríamos nos surpreender que, no decurso de mil e oitocentos anos, houvesse casos flagrantes de crueldade, infidelidade, hipocrisia ou libertinagem, e isso não apenas no povo católico, mas em postos elevados, palácios reais, casas episcopais e até na própria cátedra de São Pedro? Por que deveríamos nos surpreender se, em épocas de barbárie ou de luxo, houve bispos, abades ou padres que se esqueceram de si e de seu Deus, e serviram ao mundo ou à carne, e pereceram nesse mau serviço?
E daí que, numa longa série de cerca de duzentos ou trezentos Papas — em meio a mártires, confessores, doutores, governantes sábios e pais amorosos do seu povo —, tenha havido um, dois ou três que corresponderam à descrição do Senhor sobre o servo mau, que começou “a bater nos servos e nas servas, a comer, a beber e a embriagar-se”? Que trunfo haverá nisso? Admitamos que, neste ou naquele momento, aqui ou ali, erros de política, medidas imprudentes, timidez, hesitação em agir, máximas do mundo, crueldade ou estreiteza de espírito tenham, aparentemente, influenciado a ação da Igreja ou o comportamento dela para com seus filhos: que conclusão devemos tirar disso?
Só posso dizer que, levando-se em conta a natureza humana, seria um milagre se tais erros estivessem completamente ausentes de sua história.
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