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Hoje há muitos católicos rezando e desejando progredir na santidade: eles entenderam que esta vida não tem sentido se não for para amar e servir a Deus. Empolgados, começam a dar os primeiros passos; mas logo acabam percebendo que a santidade não é fruto apenas da determinada determinación de que fala Santa Teresa. É preciso rezar, e rezar muito; e é aí que começam os problemas. Eles tentam rezar, têm perseverança, porém o fruto é escasso. E como raramente encontram bons diretores espirituais para guiá-los no caminho da oração, ficam estagnados.

Veja, por exemplo, o caso do Cristiano [i], que sempre usa a Imitação de Cristo na oração. Antes de começar, ele se põe na presença de Deus, faz algumas orações preparatórias e então começa a ler. Quando alguma passagem lhe chama a atenção, imediatamente começa a conversar com Deus, vocal ou mentalmente. Essas conversas são geralmente conhecidas como “colóquios”. Por exemplo, ele encontra a frase: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, exceto amar a Deus e só a Ele servir”. Esta frase causa-lhe um impacto e imediatamente ele passa aos colóquios:

— Senhor, eu sou cego, ajudai-me a perceber que tudo é vaidade. Eu já ouvi isso tantas vezes, mas ainda não me decidi a vos servir. Dai-me um coração desprendido do mundo, para que eu vos ame e vos sirva como vós mereceis…

A oração vai alternando entre a leitura e esses colóquios (que geralmente são de cunho moral), e ele conclui com algum propósito. Cristiano persevera nisso, é fiel, mas com o passar do tempo o tão esperado fruto de santidade não vem, o amor a Deus não aumenta. A oração vai se tornando rotineira, pesada, e ele acaba deixando a vida de piedade… ou reza apenas para “cumprir a obrigação”.

Por que isso aconteceu? Porque, na verdade, Cristiano não fez meditação, mas apenas oração vocal. Você pode perceber que a oração de Cristiano consistiu basicamente em raciocínios verbais, numa alternância de ideias piedosas, sem que a inteligência dele fosse adequadamente estimulada a conhecer mais profundamente as verdades da fé.

Ninguém pode amar uma pessoa sem antes saber que ela existe. Por exemplo: o marido, antes de casar-se com sua esposa, primeiro teve que conhecê-la; e à medida que foi conhecendo-a melhor, foi se apaixonando por ela; e quando o amor cresceu muito, ele quis até se casar com ela.

Nosso amigo Cristiano já conhece a Deus, inclusive já o ama um pouco, pois está querendo ser santo. Mas se ele quer crescer no amor a Deus, precisa conhecê-lo mais; e para conhecê-lo mais, precisa aprender a oração de meditação. Apenas a oração vocal não dará conta do recado. Tal é a constatação dos mestres espirituais:

A experiência confirma com toda certeza e evidência que absolutamente nada pode suprir a vida de oração, nem sequer a recepção diária dos Santos Sacramentos. São legiões [as] almas que comungam e os sacerdotes que celebram a santa missa diariamente e que levam, todavia, uma vida espiritual medíocre e enferma. A explicação não é outra além da falta de oração mental, seja porque a omitem totalmente ou porque a fazem de maneira tão imperfeita e rotineira, que quase equivale a sua omissão (Antonio Royo Marín, Teologia da Perfeição Cristã. Anápolis: Magnificat, 2020, p. 628).

A finalidade da meditação

A meditação é um tipo específico de oração em que nos concentramos num mistério da fé para conhecê-lo mais profundamente e então experimentarmos o amor de Deus através daquele mistério. Mas há uma diferença entre meditação e estudo. O estudo é um esforço da inteligência para conhecer uma verdade. A oração de meditação vai mais além: nela, o trabalho intelectual tem por finalidade conhecer os mistérios divinos à luz da fé, para então amar a Deus pela caridade. É isso o que diz São Pedro de Alcântara:

Que trabalhe o homem por evitar neste exercício a demasiada especulação do entendimento, e procure tratar este negócio mais com afetos e sentimentos da vontade do que com discursos e especulações do entendimento. Porque, sem dúvida, não acertam este caminho os que de tal maneira se põem na oração a meditar os mistérios divinos como se os estudassem para pregar, o que é mais dispersar o espírito que recolhê-lo, e andar mais fora de si do que dentro de si. De onde nasce que, acabada sua oração, eles ficam secos e sem suco de devoção, e tão fáceis e ligeiros para qualquer leviandade como o estavam antes. Porque, na realidade, esses tais não oraram, apenas falaram e estudaram, que é um negócio bem diferente da oração. Deveriam esses tais considerar que a este exercício mais nos chegamos para escutar do que para falar. Portanto, para acertar neste negócio, chegue-se o homem com o coração de uma velhinha ignorante e humilde, e mais com vontade disposta e aparelhada para sentir e afeiçoar-se às coisas de Deus, do que com entendimento avivado e atento para esquadrinhá-las, porque isto é próprio dos que estudam para saber e não dos que oram e pensam em Deus para chorar (Tratado da Oração e da Meditação. 4.ª ed., Petrópolis: Vozes, 2013, p. 102).

Para fazer bem a meditação é preciso então tratá-la mais “com afetos e sentimentos da vontade”. O objetivo último dela é produzir em nossa alma um afeto pelos mistérios divinos, pois é através deste afeto que nós amamos o próprio Deus e progredimos nas virtudes.

O afeto é uma espécie de “sentimento” experimentado na vontade. É como se houvesse um “sentido” instalado na alma, através do qual podemos saborear os mistérios divinos. São João da Cruz usa esta expressão na Chama Viva de Amor ao comentar o verso “As profundas cavernas do sentido”:

Pelo sentido da alma compreende-se aqui a virtude e força que possui a substância íntima da mesma alma para saborear e sentir os objetos das potências espirituais, com as quais goza da sabedoria do amor e da comunicação de Deus (Chama Viva de Amor, Canção 3, n. 69).

A oração, portanto, tem como finalidade produzir um ato de amor a Deus entendido dessa maneira: aquela experiência em que Deus, conhecido através dos mistérios da fé, causa pela sua graça um afeto na vontade da alma, atraindo-a para si. E é essa atração de nossa vontade para Deus que vai gradualmente transformando nossa vida na prática.

Como então podemos produzir esse ato de amor em nós? Para respondermos a essa pergunta, podemos fazer outra: O que nosso amigo Cristiano estava fazendo de errado ao rezar? Vimos que, depois de colocar-se na presença de Deus e fazer algumas orações preparatórias, ele se punha a ler, e quando algo lhe chamava a atenção, imediatamente passava aos tais “colóquios”. Aqui está o problema: ele começou cedo demais a fazer os colóquios! Ao ler e já imediatamente começar a falar com Deus (vocal ou mentalmente), ele pulou o processo de estimulação da inteligência, ou o fez muito debilmente.

Quatro passos para conhecer e amar

Devemos saber que nada é amado se não é antes conhecido. Então, para que o nosso amor a Deus não se restrinja aos “Atos de Caridade” dos devocionários, precisamos concentrar todo o nosso esforço em estimular antes o processo da inteligência, pois a vontade ama o que a inteligência conhece. É por isso que agora precisaremos entender como a inteligência humana funciona.

Para que a verdade mova o afeto da vontade, existem quatro passos:

  1. Os cinco sentidos;
  2. Imaginação;
  3. Inteligência;
  4. Vontade.

Sem que os três primeiros passos sejam dados, a nossa inteligência não conhece mais profundamente os mistérios da fé, e consequentemente o nosso coração não experimenta o amor de Deus na oração. E se o nosso amor a Deus não aumenta, nossa vida também não muda.

Todo o processo intelectual começa pelos cinco sentidos. Nós não somos anjos, é importante lembrar. Os anjos, por não terem corpo, exercitam sua inteligência diretamente, sem auxílio de qualquer órgão corporal. Nós, porém, que somos corpo e alma, exercitamos nossa inteligência através dos órgãos corporais, principalmente os cinco sentidos e a imaginação, pois “é natural ao homem chegar pelas coisas sensíveis às inteligíveis, já que todo o nosso conhecimento tem início nos sentidos” (Santo Tomás de Aquino, STh I 1, 9c.).

Voltemos ao exemplo dado acima. Como o marido conheceu a esposa? Primeiramente através dos cinco sentidos. Quando ainda eram jovens, ele a viu passar pelos corredores do colégio (visão), ouviu sua voz (audição), sentiu seu cheiro (olfato) etc. Este é o passo 1: cinco sentidos.

Todas essas experiências sensoriais ficaram à época registradas na imaginação do jovem pretendente, que era capaz de relembrá-las mesmo na ausência da moça: ele já havia retornado à casa de seus pais, mas ainda assim conseguia lembrar do rosto dela, da sua altura, de como era sua voz, do seu cheiro etc. A imaginação é essa faculdade interna pela qual recordamos nossas experiências sensoriais. (Pare um pouco e faça você mesmo a experiência: feche os olhos e tente se lembrar do rosto de uma pessoa conhecida… essa imagem que você viu de olhos fechados foi produzida pela sua imaginação). Eis o passo 2.

E quando o jovem lembrava da moça através da imaginação, quase naturalmente sentia o desejo de conhecê-la melhor. É aí que ele passava a se fazer “perguntas” sobre ela: — Onde será que ela mora? Ela é filha de quem? Será que ela já tem namorado? Será que ela é católica?

Todas essas perguntas já não eram mais causadas pela imaginação; era a inteligência do jovem que começava a funcionar. Em cima daquelas imagens, sons e demais experiências sensoriais que ele estava recordando com a imaginação, sua inteligência procurava extrair a verdade contida naquelas experiências. Esse processo das “perguntas” é o passo 3: inteligência.

Enfim, quando o jovem conheceu melhor a moça pela inteligência, surgiu nele uma inclinação para ela; e como as coisas que conheceu sobre a moça lhe agradaram, ele passou a ter amor por ela, ou seja, sua vontade inclinou-se para ela. Eis o passo 4: vontade.

Os quatro passos na prática

Apliquemos isso à meditação. Suponhamos que o nosso amigo Cristiano fosse rezar não com a Imitação de Cristo, mas com a flagelação de Nosso Senhor Jesus Cristo. O que diríamos a ele? Antes mesmo de falar da oração em si, nós lhe diríamos para assistir ao filme Paixão de Cristo ou olhar detidamente alguma imagem da flagelação, pois como vimos, o conhecimento humano começa nos cinco sentidos (passo 1). Mas e se ele já tivesse assistido ao filme muitas vezes? Neste caso, as imagens e os sons do filme já estariam gravados em sua imaginação e ele poderia ir direto ao passo 2, isto é, à produção das imagens.

Quanto à oração em si, nós lhe diríamos para recolher-se, colocar-se na presença de Deus e fazer as orações preparatórias como de costume. Mas a partir daí, ele deveria estimular sua imaginação a produzir por si mesma a cena da flagelação com a maior nitidez e riqueza de detalhes possível, pois é destas imagens que a inteligência irá servir-se para meditar. Por exemplo: Ele poderia fechar os olhos e, com a imaginação, ver a coluna de madeira ao centro e o Senhor preso a ela com grossas algemas; o rosto apreensivo da Virgem Maria, os olhares de ambos que se cruzam antes de os açoites começarem; as feridas que vão sendo produzidas em seu Corpo a cada batida, o Sangue que começa a escorrer de suas costas; a Virgem que começa a chorar e põe a mão esquerda aos lábios, como que segurando a emoção para permanecer firme junto ao Filho amado…

Cena da flagelação do Senhor no filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson.

Feito isso, e mantendo viva a cena em sua imaginação, ele deveria refletir sobre ela. Por exemplo: Se ele estivesse “vendo” com a imaginação o Sangue preciosíssimo derramado no local da flagelação, poderia se perguntar: Que sangue é este? De quem é este sangue? Por que este sangue foi derramado? Qual a utilidade deste sangue derramado? Qual foi o verdadeiro motivo do derramamento de todo este sangue? O que eu tenho a ver com este sangue? Aqui começou a meditação propriamente dita, o empenho da inteligência em penetrar na verdade escondida por trás das imagens. São Francisco de Sales assim o descreve: “Depois da ação da imaginação, segue-se a do entendimento, que chamamos meditação, que vem a ser uma ou muitas considerações feitas no intuito de mover os nossos afetos em ordem a Deus e às coisas divinas” (Filotéia II 5. Minha Biblioteca Católica: Dois Irmãos, 2019, p. 99).

Mas perceba que as considerações da inteligência são feitas nas imagens. Se Cristiano abandonar as imagens e começar a se fazer perguntas, cairá num vácuo imaginativo e não fornecerá à sua inteligência o material adequado para as considerações. Consequentemente, voltará à sua oração antiga que consistia basicamente em raciocínios verbais, onde ele trocava algumas frases piedosas por outras, sem chegar a “sentir e afeiçoar-se às coisas de Deus”.

Esse é o passo 3. É nele que Cristiano conseguirá fazer um ato de fé mais profundo, pois a graça divina o ajudará nesse processo das considerações e permitirá que sua inteligência conheça mais profundamente o mistério meditado.

Ao meditar desta maneira, Cristiano perceberá mais cedo ou mais tarde que algo cativará seu coração: isso significa que a graça divina terá causado o afeto que descrevemos no início. É a partir deste momento que Cristiano poderá fazer os ditos colóquios. Por exemplo: Ele estava vendo com a imaginação o Sangue preciosíssimo, meditou algum tempo sobre aquela cena e sentiu um profundo arrependimento de seus pecados por ter causado todo aquele sofrimento em Nosso Senhor. Ao experimentar isso, Cristiano deve mergulhar nesse afeto e fazer os atos interiores que o Espírito Santo lhe inspirar.

Os afetos podem ter diferentes nuances. Alguns são afetos de profunda contrição de pecados, quando a alma sente uma grande aversão a eles e lamenta profundamente ter ofendido a Deus. Outros são de adoração, quando a alma se sente atraída para Deus conhecido como sumamente santo e digno de louvor. Outros são de gratidão, quando a alma se sente atraída pela bondade divina, que lhe encheu de numerosos benefícios e teve tanta paciência consigo. “A meditação derrama e produz na vontade ou parte afetiva da nossa alma bons movimentos, como são o amor de Deus e do próximo, o desejo do Paraíso e da glória, o zelo da salvação das almas, a imitação da vida de Nosso Senhor [...]; e nestes afetos deve espraiar-se e estender-se o nosso espírito o mais que lhe seja possível” (São Francisco de Sales, Filotéia II 6. Minha Biblioteca Católica: Dois Irmãos, 2019, p. 100).

Com frequência acontece de nos emocionarmos e chorarmos quando a oração chega a esse último passo dos afetos da vontade, principalmente se o tema da meditação for a Paixão de Cristo. Contudo, as lágrimas não são o essencial. No início de nosso texto vimos que a essência do ato de caridade é o afeto experimentado na vontade. As lágrimas ajudam, e muito; porém se houver apenas o afeto da vontade, já houve uma verdadeira oração. Nisto consiste o passo 4.

O grande problema do nosso amigo Cristiano é que ele, na realidade, não fazia propriamente meditação, mas apenas oração vocal. Aquela oração vocal feita por ele é coisa muito boa, louvável e útil para tirar uma alma do pecado mortal e fazê-la perseverar em estado de graça. Mas para crescer na santidade, a inteligência precisa conhecer mais profundamente a Deus, a fim de que a vontade possa amá-lo mais intensamente.

A importância da imaginação

A inteligência conhecerá mais a Deus se a fé aumentar, pois a fé é uma virtude infusa que aperfeiçoa a inteligência. Entretanto, a fé só aumentará se a inteligência fizer atos mais intensos de fé. Ora, como o ato de fé é um ato da inteligência que é iluminada pela graça divina, ainda que a ação de Deus seja indispensável, o processo psicológico de produção do ato de fé é semelhante ao de qualquer ato natural da inteligência. Mas, se para os seus atos naturais a inteligência usa da imaginação para aprofundar algo que já sabe, também para os atos de fé ela terá de usar da imaginação para conhecer mais profundamente algum mistério da fé no qual já crê.

Isso mostra que o estímulo da imaginação (passo 2) não é algo simplesmente bom ou conveniente, mas absolutamente indispensável para a produção de um ato de fé mais intenso (passo 3) e consequentemente para um ato de caridade mais ardente (passo 4). Se o nosso amigo já estivesse na contemplação infusa poderíamos dispensá-lo do estímulo da imaginação, pois ali Deus infunde diretamente o conhecimento e o amor. No entanto, não é este o caso do Cristiano, nem o da esmagadora maioria dos bons católicos!

Para compreender mais claramente essa doutrina vejamos o conselho dado por São João da Cruz aos principiantes:

A fim de entendermos qual seja a condição de principiantes devemos saber que o estado e exercício deles é de meditação, fazendo atos e exercícios discursivos com a imaginação. É, portanto, necessário à alma, neste estado, que lhe seja fornecida matéria de meditação em que possa discorrer. Convém fazer de sua parte atos interiores, aproveitando-se do sabor e suco, sensitivo nas coisas espirituais; porque nutrindo o apetite com o sabor do que é espiritual, se vai desarraigando dos gostos sensíveis e morrendo às coisas do século (Chama Viva de Amor, Canção 3, n. 32).

Neste trecho estão elencados os quatro passos que demos:

  1. Os cinco sentidos, porque o principiante necessita de “matéria de meditação em que possa discorrer”, e antes precisará ver com os olhos as cenas da Paixão de Cristo ou um crucifixo (se ele for usado como matéria);
  2. A imaginação, pois uma vez que tenha visto com os sentidos externos, terá que produzir por si as imagens, fazendo “atos e exercícios discursivos com a imaginação”;
  3. A inteligência, porque “o exercício deles é de meditação”.
  4. A vontade, porque deverá “aproveitar-se do sabor e suco, sensitivo nas coisas espirituais”.

Tais passos precisam ser seguidos, seja qual for a matéria de meditação: a Paixão de Cristo, as Sagradas Escrituras, a morte, o inferno etc. Se o nosso amigo Cristiano, por exemplo, insistir em usar a Imitação de Cristo, ele deve começar, sim, colocando-se na presença de Deus e fazendo as orações preparatórias. Mas quando chegar à leitura, deve estimular a imaginação e depois refletir sobre as imagens produzidas com base no texto. Por exemplo: Ele leu: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, exceto amar a Deus e só a Ele servir”. Após ter lido essa frase, Cristiano pode fechar os olhos e produzir na imaginação a seguinte cena: um velório, com o caixão ao centro e o morto estendido sobre ele; o rosto pálido e inexpressivo do defunto; alguns parentes chorando, outros conversando e fazendo piadas. E com base nessa cena poderá se perguntar: — De que lhe valeu todo o dinheiro agora? Onde foi parar toda a beleza que teve em vida? E a glória mundana que recebeu, de que lhe serve agora que está aí no caixão? Com isso ele poderá efetivamente ter uma experiência do que seja a vaidade desta vida; e quando algo lhe tocar o coração, aí sim poderá passar aos colóquios e propósitos.

“A Conversão do Duque de Gandía”, por José Moreno Carbonero. Trata-se de São Francisco Borja, que depois de ver o aspecto terrível da Rainha Isabel de Portugal, a quem servira, prometeu nunca mais servir a um senhor que pudesse morrer.

Esses quatro passos que apresentamos não decorrem de um gosto pessoal nem de uma corrente de espiritualidade entre muitas, mas da própria natureza da inteligência humana que, embora seja absolutamente imaterial, não consegue operar nesta vida sem a cooperação da imaginação. É isso o que diz a sã filosofia: “O intelecto não só haure suas ideias dos fantasmas [as imagens sensíveis impressas na imaginação], senão que também no uso de ideias já adquiridas depende do fantasma, isto é, a dependência objetiva do intelecto em relação ao corpo, ao conhecimento sensitivo, é contínua” (J. Gredt, Elementa. 13.ª ed., Roma: Herder, 1961, vol. 1, p. 472).

São Francisco de Sales insiste na importância da imaginação para os principiantes:

Por meio desta imaginação encerramos o nosso espírito no mistério que intentamos meditar, para que não ande errante e hesitante cá e lá, de modo semelhante ao que se encerra um pássaro na gaiola para que não fuja. Alguns, porém, hão de dizer-nos que é melhor usar do simples conceito da fé e de uma simples apreensão inteiramente mental e espiritual para representar os mistérios, ou então considerar que as coisas se passam e desenrolam no seu próprio espírito; mas isto é sutil demais para os princípios (Filotéia II 4. Minha Biblioteca Católica, Dois Irmãos, 2019, p. 98).

Conselhos práticos para começar a meditar

  1. Separe um tempo durante o dia para dedicar-se à meditação. Você precisará de silêncio e solidão. Por isso, o melhor horário costuma ser o da madrugada ou logo ao amanhecer. Se não puder rezar tão cedo, separe o tempo de maior silêncio e solidão que tiver disponível. Comece com 30 minutos, fazendo-o todos os dias no horário estabelecido, durante uma semana.
  2. Nestes dias medite sobre a Paixão de Cristo, especialmente a agonia no Horto das Oliveiras, a traição de Judas e a negação de Pedro. Assista às cenas do filme Paixão de Cristo que retratam estes três mistérios. Antes de rezar, prepare o lugar da meditação. Pode ser um quarto ou uma sala, desde que haja silêncio. Coloque um crucifixo e acenda uma vela, se possível. Esses detalhes são importantes porque, como você viu, o nosso conhecimento começa com os cinco sentidos.
  3. Já na oração, antes de tudo coloque-se na presença de Deus. Tome consciência de que Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus feito homem, está ali querendo revelar-se à sua alma. Peça auxílio à Virgem Maria, a São José e a seu Anjo da Guarda, para que o ajudem a rezar bem e crescer no amor a Deus. Reze 3 Ave Marias bem devagar e com fervor.
  4. Então feche os olhos e passe a produzir na imaginação a cena da Paixão que irá meditar. Você pode simplesmente recordar as cenas do filme, dispensando assim a leitura de livros que narram a Paixão de Cristo. Esse passo é muito importante pois, como dissemos acima no texto, a sua inteligência utilizará esse material da imaginação. Obs.: Caso encontre dificuldade em produzir de olhos fechados a cena em sua imaginação (passo 2), retorne aos cinco sentidos (passo 1). Abra então os olhos, pegue uma imagem da cena que deseja meditar e olhe atentamente para ela; ou pegue o trecho do filme Paixão de Cristo que deseja meditar e assista a ele em espírito de oração: isso imprimirá a cena em sua imaginação e fornecerá o material para as considerações.
  5. Tendo bem vivas na imaginação as cenas da Paixão, comece a meditá-las. Aqui você deverá refletir sobre o que estiver “vendo” com a imaginação, para que sua inteligência penetre mais profundamente nas verdades da fé que estão contidas nas imagens. Por exemplo: Suponhamos que você esteja “vendo” com a imaginação a cena em que São Pedro, São João e São Tiago estão dormindo enquanto o Senhor sofre sozinho a agonia no Horto. Você poderá meditar sobre essa cena perguntando-se: Por que Jesus disse aos apóstolos “Vigiai e orai para não entrardes em tentação”? Por que os apóstolos acabaram dormindo? O que Jesus sentiu no Coração quando disse “não pudestes vigiar nem uma hora”? Será que eu já não fiz isso que estou vendo os apóstolos fazerem? Essas são apenas sugestões de algumas considerações que você poderá fazer sobre as imagens que estiver “vendo” com a imaginação.
  6. Neste processo das considerações, cedo ou tarde algo moverá mais intensamente seu coração. Este é o momento de fazer os colóquios, ou seja, aquelas piedosas orações, que podem ser de arrependimento, gratidão, adoração, dependendo do tipo de afeto que Deus tiver concedido. Obs.: Às vezes esse “sentimento” dos mistérios pode surgir já no início da meditação, antes mesmo de começarem as considerações. Se isso acontecer, entregue-se aos piedosos colóquios e ame a Deus, pois é essa a finalidade da meditação. Mas se nada tiver atraído seu coração de modo especial, continue as considerações até que Deus lhe dê algum afeto.
  7. Termine agradecendo a Deus por ter perseverado na meditação e pelos frutos que recebeu nela, e peça a Nosso Senhor Jesus Cristo que lhe dê a graça de amá-lo mais. Faça o propósito de imitar ao longo do dia as virtudes de Cristo crucificado, para que você chegue um dia a dizer como São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.
  8. Ao sair da oração, procure manter seu coração recolhido. Trabalhe com dedicação, sirva ao próximo, cumpra com todas as suas obrigações, mas não permita que elas o dissipem totalmente. Siga o conselho de São Francisco de Sales: “Ao sair desta oração cordial, precisas de te acautelar de modo que não se agite nem distraia o teu coração; porque assim derramarias o bálsamo que recebeste por meio da oração: quero dizer que é preciso guardar, se for possível, um bocadinho de silêncio, e com toda suavidade e paz fazer passar o teu coração da oração para os negócios e ocupações, conservando quanto mais tempo possas o sentimento e os afetos que tenhas concebido” (Filotéia II 8. Minha Biblioteca Católica, Dois Irmãos, 2019, p. 104).

Notas

  1. O nome “Cristiano” vem do latim christianus, que significa cristão, pois há muitos cristãos que rezam assim.

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