O homem é um animal racional. A capacidade de raciocinar está enraizada em sua natureza. Quando não vive à luz da razão, ele não consegue ser verdadeiramente humano. S. Tomás de Aquino compreendeu as implicações sociais da razão e via nela um meio pelo qual todas as pessoas podem se comunicar umas com as outras sobre uma base comum. Ele acreditava, portanto, que a razão pode unir as pessoas. A capacidade de raciocinar é uma propriedade universal, diferentemente de raça, religião, condição social e lugar de nascimento. Quando escreveu a Summa contra gentiles, Tomás de Aquino estava convencido de que poderia estabelecer pontos em comum com os muçulmanos ao “recorrer à razão natural, com a qual todos são obrigados a concordar” (CG, II, 4).

Talvez poderíamos dizer que S. Tomás estava excessivamente convencido, pois é possível que as pessoas se recusem a dar seu assentimento à razão. O fato de possuirmos algo não significa que sempre o utilizemos, por mais que se trate de uma propriedade que define a nossa natureza. Se as pessoas, no entanto, forem honestas consigo mesmas, terão de prestar assentimento à razão, pois não poderão viver (em nenhum sentido prático) sem a orientação proporcionada por ela.

Jacques Maritain escreve o seguinte no livro The Range of Reason [“O Alcance da Razão”, sem tradução para o português]: “Nada é mais importante do que os eventos que ocorrem no interior daquele universo invisível que é a mente humana”. Quando o homem vive segundo a razão, vive de acordo com a sua natureza. Quando rejeita a razão, desvia-se de sua natureza e encontra-se num estado de profunda confusão. Logo, a única escolha sensata é viver segundo a luz da razão.

Retrato de Lutero por Lucas Cranach, o Velho.

A história humana está cheia de exemplos de personagens influentes que rejeitaram a razão e a substituíram pela vontade. A denúncia que Lutero fez da razão foi radical, e muitas vezes numa linguagem irrepetível. Ele a descreve como “o mais terrível inimigo de Deus”. Embora entendamos que a razão é uma bússola necessária para podermos “nos alimentar, hidratar e vestir”, no plano espiritual ela é “uma prostituta, a meretriz escolhida pelo demônio […] e deveria ser pisoteada e destruída”. Disse ele: “Aquele que se relaciona com uma prostituta está mais próximo de Deus do que o homem que desposa uma mulher”. Ele foi implacável com os judeus: “Queimem suas sinagogas e escolas. Ateem-lhes fogo, em seus lares, livros de oração e rabis”. Em seu livro Martin Luther: Hitler’s Spiritual Ancestor [“Martinho Lutero: O Antecessor Espiritual de Hitler”], Peter Wiener chamou a atenção para o antissemitismo e a irracionalidade que Lutero e Hitler tinham em comum. A declaração de Hitler: “Eu penso com meu sangue” é um eco da descrição que Lutero fez da razão como a “meretriz do demônio”. Um certo bispo chamado Temple diz o seguinte: “É fácil ver em que medida Lutero preparou o caminho para Hitler”.   

A rejeição da razão vem à tona entre indivíduos de menor influência. Numa notável afirmação confessional, o novelista D. H. Lawrence nos diz: “Minha grande religião é uma crença no sangue, pois a carne é mais sábia do que o intelecto. Nossa mente pode nos levar ao erro, mas é sempre verdadeiro o que nosso sangue sente e aquilo em que acredita”. 

A rejeição da razão está generalizada no mundo contemporâneo. Os exemplos são ilimitados. No Canadá, o governo Harper cortou o financiamento federal de um grupo feminista chamado Liga das Mulheres de Québec (FFQ no original). O governo Trudeau voltou a financiar a instituição. O presidente da FFQ, Gabrielle Bouchard, que se identifica como “mulher-trans” (embora seja homem de nascença) propôs que o Estado deveria obrigar todos os homens a fazerem vasectomia aos dezoito anos de idade. Quando Bouchard falou em banir os relacionamentos heterossexuais, o governo provincial ameaçou rescindir a verba anual de $120 mil. Ciente da possibilidade de ser multado, Bouchard pediu desculpas. Mesmo assim, podemos ter boas razões para nos perguntar por que o governo canadense financia organizações irracionais como essa. 

No caso AB vs. CD, o tribunal da Colúmbia Britânica (n.d.t.: província no sudoeste do Canadá) decidiu que uma jovem menor de idade que queria transformar-se em homem poderia continuar tomando bloqueadores hormonais, apesar das objeções de seu pai. O Denver Post demitiu o colunista Jon Caldara depois que ele escreveu uma coluna em que afirmou que o sexo é binário (masculino e feminino). Ele ousou desafiar a versão mais recente do guia estilístico da Associated Press, segundo o qual o “gênero não é mais binário”. O editor-chefe do jornal, Megan Schrader, anunciou que está à procura de um novo colunista, já que os seus editores “valorizam a existência de uma grande variedade de vozes em nossas páginas” (mas não tantas a ponto de incluir “Deus os fez homem e mulher”, aparentemente). 

La’Tasha D. Mayes, fundadora e diretora executiva da organização New Voices for Reproductive Justice (“justiça” que inclui o aborto) argumenta que a “liberdade de não ser alvo de violência é justiça reprodutiva”. Em estilo orwelliano, dar conselho é uma forma de violência; mas matar o nascituro é um ato de justiça! Contradições são bem-vindas num mundo em que se rejeita a razão. Além disso, a vandalização e o bombardeio de igrejas e esculturas ocorridos recentemente também estão sob o amparo da justiça. A Igreja Católica é acusada de “supremacia branca” com base no argumento indefensável de que Jesus e Maria eram “brancos”.   

Em seu livro The Revolt against Reason [“A Revolta contra a Razão”], o apologista católico Sir Arnold Lunn apresenta este argumento: “O logoclasmo, que ataca a razão, é semelhante ao iconoclasmo, que atacava a arte religiosa, pois razão e beleza são aspectos do sagrado”. O fato de o homem ter sido feito à imagem e semelhança de Deus significa que ele tem em comum com Deus a racionalidade. Quando se rejeita a razão, rejeita-se Deus junto com ela. Mas o mundo ateu ao nosso redor — a despeito de seus lugares-comuns sobre diversidade, tolerância, inclusividade etc. — está totalmente comprometido com seu objetivo de rejeitar a Deus e despojar as criaturas racionais do precioso dom que Ele lhes concedeu.

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