Atenas, capital da Grécia, foi o local onde nasceu Santo Egídio. Seus pais, Teodoro e Pelágia, eram ricos e de elevada estirpe, mas distinguiam-se ainda mais por sua virtude e piedade. Por isso, o primeiro cuidado deles foi não deixar grandes riquezas para o filho, mas conduzi-lo no caminho da retidão com seu exemplo e ensinamentos. 

Egídio seguiu os desejos de seus pais em todas as coisas, e já na juventude demonstrava um magnânimo desprezo pelo mundo e por tudo o que é temporal, bem como um amor muito generoso aos pobres e desafortunados, a quem se esforçava por ajudar de todos os modos possíveis. Após a morte prematura dos pais, o piedoso jovem doou toda a sua herança aos pobres, com a intenção de servir a Deus na pobreza voluntária e aspirando apenas aos tesouros celestes. Deus recompensou este ato de heroísmo com favores ainda maiores que os primeiros, e com o dom contínuo de milagres. 

Escultura de Santo Egídio.

Certo dia, um homem possuído por um espírito maligno perturbou os fiéis na igreja com uivos terríveis. Egídio foi até ele e ordenou ao demônio, em nome de Jesus Cristo, que se calasse e deixasse o homem; ao que foi prontamente obedecido. Noutra ocasião, uma serpente venenosa se enrolara num homem e o ferira mortalmente. O santo ordenou que o réptil se afastasse e curou o homem, que já estava em sua última agonia. Tais fatos milagrosos proporcionaram a Egídio tanta honra e estima, que ele resolveu deixar sua casa e procurar um lugar onde, desconhecido e sem receio de receber honrarias vãs, pudesse servir o Todo-Poderoso. 

Por isso, embarcou num navio que ia para a França. Durante a viagem, surgiu uma terrível tempestade que ameaçava destruir tudo. Mas bastou a Egídio erguer as mãos ao Todo-Poderoso para que o mar se acalmasse e todos os sinais de perigo desaparecessem. Quando o navio chegou à França, ele foi até Arles falar com o santo Arcebispo Cesário e pedir-lhe que o guiasse no caminho da perfeição espiritual. Passou dois anos vivendo assim, mas, após esse período, partiu em segredo, desejando escapar dos elogios terrenos, pois o dom que possuía de fazer milagres rendia-lhe em toda parte grande veneração, o que para ele era insuportável.

Ao atravessar um rio, foi ter com um velho eremita, com quem viveu durante algum tempo uma vida muito santa e tranquila, mas também neste lugar logo tornou-se conhecido pelos muitos milagres que fazia aos doentes; e as grandes honras que lhe eram prestadas levaram-no a afastar-se mais uma vez. Numa floresta escura para onde havia fugido, encontrou, depois de muito perambular, uma caverna numa rocha, que escolheu como moradia. O solo à sua volta não produzia mais do que ervas e raízes selvagens, que se tornaram o seu único sustento. 

São Gil, numa pintura de Hans Memling.

Como, apesar disso, ele estava decidido a permanecer ali e servir a Deus em profunda solidão, o Todo-Poderoso proporcionou um milagre contínuo ao seu servo. Enviava-lhe, todos os dias, num determinado horário, uma corça que o alimentava com seu leite. Agradecendo humildemente ao Céu por tal graça, o santo viu nela um novo motivo para servir ao Senhor com ainda mais zelo e passou a levar uma vida mais angélica que humana, ocupando o tempo com orações, louvores a Deus e meditações piedosas. 

Alguns anos mais tarde, o rei da França caçava na mesma floresta onde vivia Santo Egídio [i]. Os cães dele, depois de perseguirem até a caverna a corça que o alimentava, latiram alto na entrada, até que um caçador em seu encalço atirou uma flecha na caverna, com a intenção de expulsar o animal. Mas, em vez disso, a seta feriu o santo homem, que recebeu o golpe sem se queixar. Ao entrarem na caverna, os caçadores encontraram-no coberto de sangue e a corça estendida a seus pés. O rei, a quem foi comunicado o incidente, pediu perdão ao eremita e ordenou que lhe fizessem curativos nas feridas e que se tomasse todo o cuidado possível com a sua saúde. Quis oferecer-lhe um presente real, mas o santo recusou suas ofertas. 

Antes de ir embora, o rei perguntou se não havia nada que pudesse fazer por ele, e o santo respondeu que, se o rei quisesse realmente conceder-lhe um favor, deveria erigir um mosteiro no local em que se encontravam, onde se observaria a antiga disciplina dos eremitas egípcios. O rei prometeu construir o mosteiro e cumpriu a sua palavra real. Tão logo ele foi concluído, muitos desejaram ser admitidos nele, a fim de servir a Deus na solidão e com a máxima perfeição. Santo Egídio tornou-se seu abade, e podemos concluir, pelo eminente grau de santidade a que chegou, o quão solícito era pelo bem-estar espiritual de todos.

Em todas as virtudes, ele foi um modelo para os que lhe estavam subordinados e animava-os a seguir o seu exemplo. Os milagres que voltou a fazer tornaram-no famoso em todos os lugares. O maior deles foi a conversão do rei, para quem Santo Egídio havia obtido de Deus, através de suas orações, uma graça tão eficaz, que ele confessou suas grandes iniquidades e fez penitência até a morte.

“Santo Egídio e a Corça”, pelo Mestre de São Gil.

Finalmente, o santo, cheio de méritos, deixou este mundo no dia 1.º de setembro, depois de viver muitos anos em grande santidade, converter muitos pecadores endurecidos e trabalhar para a salvação dos homens e a honra do Todo-Poderoso. Os muitos milagres acontecidos em seu túmulo reuniram ali, em pouco tempo, um número tão grande de pessoas, que foi construída uma cidade considerável, a qual leva, até hoje, o nome deste santo abade e eremita.

Considerações práticas

I. Santo Egídio fugia de um lugar para outro a fim de escapar aos elogios dos homens. A maioria das pessoas age de forma muito diferente. Pelo pouco bem que fazem, procuram honras vazias e elogios vãos. Assim agiam, outrora, os escribas e fariseus. Era essa a força motriz de suas orações, jejuns e esmolas. “Fazem todas as suas obras para serem honrados pelos homens”, diz o Cristo. 

Mas que proveito tiraram disso? O Salvador diz: “Já receberam a sua recompensa” (Mt 6, 2). Essa recompensa era o elogio vazio dos homens. Poderiam ter obtido, por suas boas ações, uma recompensa eterna no Céu, se as tivessem praticado corretamente e por amor a Deus, mas, como buscaram o louvor humano, receberam-no como recompensa neste mundo, sem a esperança de nada mais no Céu. 

Não siga o exemplo deles. Se praticar boas ações, como é seu dever, não as faça com a intenção de ser elogiado pelos homens, mas para glorificar o Todo-Poderoso; faça-as por amor a Ele. De que valem todos os elogios humanos? Você pode obter no Céu uma grande recompensa por suas obras. Por que, então, se esforça por obter uma recompensa tão miserável na terra? Onde está o servo que se contenta com um pequeno salário, quando um maior lhe é oferecido? 

Portanto, todas as manhãs, comece o dia com a intenção de fazer e sofrer pela honra de Deus tudo o que tiver de fazer e sofrer. Renove esta intenção durante o dia, e diga: “Tudo para a glória do meu Deus”, ou: “Senhor, por amor a Vós!” Assim você obterá para todas as suas obras uma recompensa eterna no Céu. 

Cuide, porém, de não limitar essa intenção às obras boas em si (como rezar, ir à igreja etc). Estenda-a também àquelas que, por si mesmas, não são nem boas nem más, como os trabalhos que realiza de acordo com o seu estado de vida, ou os atos de comer, beber, dormir, suportar o frio ou o calor etc. “Logo, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1Cor 10, 31).

II. Como Santo Egídio foi milagrosamente alimentado e protegido no deserto pelo Todo-Poderoso! Em tempos idos, Deus alimentou o profeta Elias com um corvo. E no tempo da Nova Aliança alimentou Egídio com uma corça. É assim que Deus trata os seus servos fiéis. Em vez de abandoná-los, faz um milagre. 

Se você espera de Deus o sustento temporal, sirva-o fielmente e trabalhe de acordo com seu estado de vida, e Ele certamente dará tudo o que lhe for benéfico. A preocupação excessiva com os bens temporais e a tristeza desmedida na adversidade são sinais de muito pouca confiança em Deus. São desagradáveis ao Todo-Poderoso, e mais prejudiciais a nós do que estamos dispostos a acreditar. Por isso, quando Cristo contou a parábola do lírio e do pardal (cf. Mt 6, 24ss), ambos vestidos e alimentados pelo Todo-Poderoso, àqueles que se preocupavam demais com o seu bem-estar temporal, exortou-os a buscar antes de tudo o Reino de Deus, prometendo que, com este, receberiam tudo o mais de que necessitassem. 

Se você crê nesta promessa do Senhor, despoje-se de toda preocupação e tristeza desmedidas. Procure primeiro o Reino dos Céus, empenhe-se sinceramente em servir o seu Deus, trabalhe o melhor que puder e deposite a sua confiança na Providência. “Descarrega sobre o Senhor os teus cuidados, e ele te sustentará” (Sl 54, 23). 

Vitral de Santo Egídio na Catedral de Gard, França.

Quanto ao que foi dito sobre os piedosos pais de Egídio, acrescentarei outro ensinamento. A maior preocupação deles não era deixar para o filho grandes tesouros e riquezas, mas conduzi-lo no caminho da salvação. Oh, quão feliz foi Egídio por ter pais assim, e quão agradável foi a conduta destes aos olhos do Senhor! 

Há pais que se preocupam apenas em deixar aos filhos bens materiais, e os acumulam de todas as maneiras possíveis, até mesmo por meio de fraude, roubo, injustiça e outros meios pecaminosos. Tendo em vista este fim, não indenizam a quem prejudicaram, com o argumento de que não devem deixar seus filhos na pobreza. Que cegueira! Que engano de Satanás! É verdade que os pais são obrigados a esforçar-se, de acordo com sua posição, em poupar alguma coisa para os filhos, para deixar-lhes após a morte. O amor aos filhos assim o exige, e cometem grande pecado os pais que não procedem deste modo. 

Mas acumular riquezas de maneira injusta para deixá-las aos filhos, não é lícito, nem amor verdadeiro. Não é lícito, pois quem obtém riquezas desta forma viola o sétimo mandamento. E não é amor verdadeiro, porque tais bens não beneficiam os filhos, antes os prejudicam. De fato, a maldição do Todo-Poderoso recai sobre as riquezas adquiridas injustamente, as quais, portanto, não podem trazer felicidade aos que as possuem. Se mesmo assim você insiste em chamar isso de amor, saiba que é um amor desordenado, tolo e perverso, pois esses pais amam os filhos mais do que a Deus: para dar àqueles uma breve prosperidade mundana, ofendem a este e tornam-se infelizes por toda a eternidade. Além disso, e se essa riqueza adquirida desonestamente fizer com que os filhos percam o Céu? Será que eles agradecerão aos seus pais, no Inferno, o falso amor que os levou a acumular riquezas por meios injustos? 

Se os pais quiserem demonstrar verdadeiro amor aos filhos, devem deixar-lhes apenas o que obtiveram justamente, ainda que seja pouco, acompanhado pela bênção de Deus. Pois, como diz o salmista: “Mais vale o pouco ao justo, que as muitas riquezas aos ímpios” (Sl 36, 15). O principal cuidado dos pais deve ser o de obter riquezas espirituais para seus filhos. São Salviano ensina como isso pode ser feito. A partir das palavras de São Paulo: “Criai vossos filhos na doutrina e no temor do Senhor” (Ef 6, 4), ele exorta: 

Pais, prestai bem atenção aos bens que deveis adquirir para os vossos filhos: a boa instrução, o temor de Deus, a virtude e a piedade. São estes os bens que verdadeiramente enriquecerão os vossos filhos e lhes darão felicidade. As riquezas injustas não dão aos filhos senão um breve prazer, e trazem, tanto aos pais como aos filhos, a miséria eterna. Como é insensato despojar-vos da herança celeste para deixar aos vossos filhos uma herança apenas temporal! 

Não torne ricos os seus filhos à custa de uma mendicância eterna, para si e para eles. É justo que você os ame, mas não mais do que a sua própria alma, não mais do que a Deus. Esforçando-se por educá-los piedosamente, como fizeram os pais de Santo Egídio, os seus filhos serão ricos e felizes; e por esse amor eles lhe agradecerão no Céu. Mas, por causa de um falso amor, eles o amaldiçoarão por toda a eternidade.

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 284ss.

Notas

  1. Santo Egídio fugia de um lugar para outro a fim de escapar aos elogios dos homens. A maioria das pessoas age de forma muito diferente: pelo pouco bem que fazem, procuram honras vazias e elogios vãos. Mas de que valem os louvores humanos?

O que achou desse conteúdo?

5
44
Mais recentes
Mais antigos