No final do século XV, Michelangelo esculpiu duas figuras no que ele considerava o mais perfeito bloco de mármore carrara. A escultura, que representa a Virgem Maria segurando o corpo de Cristo crucificado, ganhou notoriedade logo após ser concluída e é até hoje uma obra-prima muito visada.
Pouco antes do início da Quaresma, um querido amigo presenteou-me com um pequeno livro de imagens dessa escultura: a Pietà. As centenas de fotografias em preto e branco, capturadas de todos os ângulos, levam-nos ao pé da escultura e, ainda mais, ao coração entristecido de Maria. Decidi que rezar com essas imagens ao longo dos quarenta dias da Quaresma me levaria a uma compreensão mais profunda da Paixão; acreditava que elas me perfurariam o coração, me encheriam de tristeza e me permitiram ter um conhecimento mais profundo do sacrifício de Cristo. Só não esperava que, por meio daquelas fotografias, Ele me daria uma lição sobre beleza.
O mundo ama contar a mentira de que a beleza é algo que se pode criar artificialmente. Somos levados a crer que podemos nos moldar a partir de nossos próprios bezerros de ouro com ferramentas baratas de uma sociedade que ignora cada vez mais aquele que tudo criou. Na verdade, nossa sociedade construiu uma definição de beleza que não explica de modo algum seu verdadeiro significado; em vez disso, tem servido para empobrecer, distorcer e até destruir a beleza. Disseram-nos que deveríamos buscar o significado da beleza em imagens selecionadas de tabloides, telas e painéis publicitários, quando a verdadeira definição só pode pode achar-se numa imagem que muitos consideram abominável, chocante e até mesmo feia. Para descobrir a beleza — a verdadeira beleza —, devemos olhar para o sacrifício da Cruz.
Ao refletir sobre as fotografias da Pietà — algumas delas feitas tão de perto, que nos sentimos capazes de tocar e acariciar a curvatura rígida do pé de Cristo perfurado com o cravo e as vestes roçagantes de Maria —, tomei consciência clara da fisicalidade de Cristo e da Virgem. Como nós, eles eram feitos de carne e osso, de braços que seguravam, de pernas que viajavam, de olhos que viam e choravam. As formas esculpidas por Michelangelo são intensamente humanas e belas. Não são, porém, simplesmente belas num sentido estético que não leva a lugar algum; são belas pelo que revelam, pelo que sacrificaram e pelo que criaram.
Não estou sugerindo que a beleza seja utilitária, isto é, que sua plenitude se encontre na praticidade ou na utilidade. Ao contrário, a plenitude da beleza está naquilo que aponta para o amor. A beleza é a apresentação exterior do amor. É a própria representação dele. O cadáver maltratado de Cristo, deitado exânime nos braços da Mãe em luto, mostra um amor muito grande, desinteressado e perfeito. Ele sofreu e morreu para que os nossos pecados não nos condenassem eternamente, e ela disse “sim” às espadas que lhe traspassaram o Coração, sabendo que seu sacrifício possibilitaria a salvação das almas. Não há como não enxergar a beleza daquele corpo ofegante e fraturado, nos pés cansados e languidamente pendurados, nas mãos perfuradas que outrora tocaram leprosos. Não há como não enxergar beleza no seio doloroso da Mãe, no olhar melancólico fixo no Filho e nas mãos que o seguram e parecem dizer-nos: “Contemplai-o”. Essas duas figuras revelam aflição, tormento e sofrimento, mas também mostram que nada foi suportado em vão. Ao contrário, o sofrimento nasceu para o amor e, neste sentido, amar com o todo o nosso ser é beleza.
No livro Theology of Home II [“Teologia do Lar II”, sem tradução portuguesa], os autores relatam a história de Tom Howard, autor e converso que comentou o seguinte ao ver uma fotografia de Madre Teresa de Calcutá: “Lá estava ela, com idade avançada e se assemelhando a uma noz; porém, de algum modo, ela era muito mais bela do que a mais recente atriz, jovem e debochada, com sua máscara de cílios Maybelline numa capa de revista”. Essa observação ilumina a beleza da verdade. Ela não diz respeito a linhas, curvas e à própria estrutura. É o modo no qual linhas, curvas e estrutura manifestam aquilo pelo que deveríamos viver. Madre Teresa pode não possuir o encanto de uma modelo de 25 anos. Mas nós podemos enxergar uma beleza insuperável em seu rosto enrugado, em sua coluna encurvada, em suas mãos calejadas, porque naquele rosto, naquelas costas e naquelas mãos estão os sinais do amor desinteressado, verdadeiro, duradouro. Como Cristo crucificado, ela portou uma beleza criadora; dia após dia, doava-se a si mesma para a salvação dos outros.
Foi isso o que enxerguei observando a Pietà. Sim, eu vi sofrimento, tristeza e as dores da Paixão. Mas isso não era tudo. Enxerguei, em todas essas coisas, a mais pura beleza; a beleza que o mundo escondeu em sua busca para erguer outros deuses — ídolos egoístas. Vi a beleza de um amor que dá sem questionar, sem hesitar, sem qualquer tipo de reserva. Vi um amor que buscava não o próprio bem, mas o nosso bem e o de cada pecador que já pisou e pisará esta terra. Vi um amor que, em seu sacrifício, tornou possível a criação de vida em abundância.
Ao estudar as fotografias da obra-prima de Michelangelo, recordei-me várias vezes de um trecho de O Idiota, de Dostoievski: “A beleza salvará o mundo”. À primeira vista, a afirmação parece superficial, equivocada e até mesmo boba. Mas, após uma reflexão mais profunda, descobrimos que ela é absolutamente verdadeira quando o que está em jogo não é uma beleza mundana, mas a beleza que aponta para o que está além do nosso mundo, uma beleza que pode parecer feia aos olhos do mundo — uma beleza que porta cicatrizes pelo outro, que sofre para gerar vida nova, que existe não para si mas para o triunfo de tudo o que é verdadeiramente bom. Na verdade, essa beleza já salvou o mundo.
Enquanto observava atentamente a beleza de Nosso Senhor, deitado no colo de sua Mãe pesarosa e a sangrar de amor por nós, compreendi que essa é a beleza que todos deveríamos procurar. Embora estejam por todo lado as tentações de perseguir a oscilante beleza de ouro do idiota, temos de resistir a elas e, ao invés, olhar para a Cruz. Não podemos ficar presos no atoleiro da busca por uma beleza falsa e superficial. Devemos renunciar às mentiras do mundo e proclamar nosso verdadeiro valor.
Esse é o nosso valor: Ele morreu por nós para que possamos viver uma vida de santidade e virtude, construindo seu Reino. Não devemos viver para nós mesmos, mas para o bem dos outros. Nossos corações deveriam voltar-se para o exterior, e nossas mãos deveriam fazer o mesmo. É isto o que nos torna verdadeiramente belos. Nosso esplendor não virá de engenhocas e dispositivos, dicas e truques de glamour, mas do olhar atento em nosso Salvador, pendurado em sua Mãe como o Cordeiro sacrificial, e ao dizermos: “Quero viver como vós vivestes”. Quando emulamos a beleza dele também podemos salvar o mundo. E isso é belo.
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