Hoje é a festa de Santo Estêvão, Papa e Mártir, mas como a vida dele é tão semelhante à de muitos outros que já descrevemos, cederemos seu lugar aos Sete Santos Macabeus, embora sua festa tenha sido ontem, pois a história deles contém exemplos das mais heroicas virtudes.
Depois de conquistar Jerusalém, o Rei Antíoco, de sobrenome Epifânio, massacrou milhares de judeus e tentou obrigar os sobreviventes a abandonar a sua religião. Por exemplo, mandou colocar diante deles alimentos proibidos por suas leis, ordenando a execução de quem se recusasse a comer. Temendo a morte, muitos judeus obedeceram. Outros, porém, preferiram a morte a transgredir o mandamento divino. Estavam entre eles os sete filhos de uma única mãe, geralmente chamados de “os sete macabeus”.
Quando eles foram presos junto com a mãe e levados à presença do rei, recusando-se a obedecer às ordens dele, passaram a ser cruelmente torturados com açoites. O mais velho dirigiu-se ao tirano e disse: “O que queres de nós? Estamos prontos a morrer em vez de transgredir as leis de Deus recebidas de nossos pais.”
Indignado com tal ousadia, o tirano ordenou aos seus carrascos que o deitassem numa grande frigideira em brasa e o deixassem arder lentamente; mas não antes de, na presença da mãe e dos irmãos, ter-lhe cortado a língua, arrancado a pele da cabeça e cortado as mãos e os pés. Sem se deixarem intimidar com este terrível espetáculo, os outros irmãos exortaram-se mutuamente a resistir com coragem, dizendo: “O Senhor agirá com justiça e nos confortará, como diz Moisés em seu cântico: ‘E consolará os seus’.”
Logo que o primeiro irmão deu o último suspiro, agarraram o segundo e perguntaram-lhe se não queria comer a comida que lhe tinha sido servida. “Não”, respondeu ele, “não o farei”. Mal as palavras lhe tinham saído da boca, começaram a torturá-lo. Voltando-se para o rei, disse destemidamente: “Tu, ó rei perverso, nos destróis nesta vida presente; mas o Rei do mundo nos ressuscitará, a nós que morremos por suas leis, na ressurreição da vida eterna.” O tirano, não dando ouvidos a estas palavras, ordenou que ele fosse morto da mesma forma que o irmão.
Depois disto, trouxeram o terceiro, que parecia mais desejoso de morrer do que o rei de o torturar. Quando o carrasco lhe ordenou que mostrasse a língua, ele o fez rapidamente e, estendendo as mãos, disse: “Estas eu as recebi do Céu, mas por causa das leis de Deus agora as desprezo, pois espero recebê-las novamente dele.” Embora o rei e os presentes se espantassem com o nobre jovem, que tinha por insignificantes os mais terríveis sofrimentos, não deixou de torturar todos os outros. Era agora a vez do quarto, que demonstrou a mesma fortaleza: “Já que minha vida é tirada pelos homens, é melhor buscar em Deus a esperança de ser ressuscitado por Ele”; e, voltando-se para o rei, acrescentou: “Quanto a ti, não ressuscitarás para a vida.”
Terminada gloriosamente a vida deste, o quinto foi torturado como os outros, mas antes dirigiu-se ao rei, dizendo: “Enquanto tens poder entre os homens, embora sejas corruptível, fazes o que queres. Mas espera só um pouco e verás o grande poder de Deus, e de que modo Ele atormentará a ti e à tua descendência.” Não se deixando perturbar por essas palavras, morto o quinto, ordenou o rei que fosse sacrificado da mesma forma o sexto. Mas este, não menos decidido, dirigiu-se assim ao rei, desafiando todo perigo: “Não te enganes: nós sofremos estas coisas por nós mesmos, depois de termos pecado contra nosso Deus; e coisas espantosas são feitas contra nós. Mas não penses que escaparás impune, por haver tentado lutar contra Deus.”
Durante o martírio desses seis heróis, sua mãe não só estava presente, como os exortava, com fortaleza mais que varonil, a não abandonar a Lei de Deus, mas a sofrer os mais terríveis tormentos, a morte mais cruel. Falava-lhes especialmente da ressurreição, na qual Deus lhes devolveria a vida que agora desprezavam por causa de seus Mandamentos.
Agora só restava um. Antíoco, não querendo ser vencido também por ele, falou-lhe da maneira mais gentil, oferecendo-lhe sua amizade e até prometendo, sob juramento, torná-lo rico e feliz, se abandonasse a lei de seus pais. Como não conseguiu persuadir o jovem, chamou a mãe e pediu-lhe que implorasse ao filho para conservar a própria vida. A mãe prometeu exortá-lo, e cumpriu a sua palavra, mas não como o tirano desejava. Disse ela [na língua pátria]:
Meu filho, tem piedade de mim, que te carreguei por nove meses em meu ventre, te amamentei por três anos, te alimentei e te criei até esta idade. Rogo-te, meu filho, que olhes para o céu e para a terra e para tudo o que neles há; considera que tanto eles como a humanidade foram feitos do nada por Deus. Assim, não temas este algoz, mas, como digno companheiro de teus irmãos, recebe a morte para que misericórdia eu te receba de novo com eles naquela misericórdia [i.e., no dia da ressurreição].
O jovem, desejoso de sofrer por amor a Deus, não deixou que a mãe dissesse mais nada e, chamando os carrascos, gritou: “A quem estais esperando? Hei de obedecer não ao mandado real, mas ao mandamento da Lei que nos foi dada por Moisés.” Depois disso, voltando-se para o rei, disse:
Tu, que foste o autor de todo o mal contra os hebreus, não escaparás à mão de Deus. Pois assim sofremos pelos nossos pecados. E ainda que o Senhor, nosso Deus, se irrite contra nós por um breve instante, para nosso castigo e correção, Ele se reconciliará novamente com seus servos. Tu, porém, ó ímpio, e de todos os homens o mais corrupto, não te ensoberbeças com vãs esperanças, enquanto te enfureces contra os servos de Deus. Pois [ainda] não escapaste ao julgamento do Deus Todo-Poderoso, que tudo vê. Porque meus irmãos, tendo sofrido uma dor passageira, estão sob o pacto da vida eterna; mas tu, pelo julgamento de Deus, receberás o justo castigo por teu orgulho. Eu, porém, como meus irmãos, ofereço a minha vida e o meu corpo pelas leis dos meus pais, pedindo a Deus que seja depressa misericordioso para com a nossa nação, e que tu, por tormentos e açoites, possas confessar que só Ele é Deus. Mas em mim e nos meus irmãos cessará a ira do Todo-Poderoso, que com justiça se abateu sobre a nossa nação.
O rei, muito indignado, enfureceu-se ainda mais cruelmente contra ele e, enfim, mandou-o decapitar. Assim lutaram e morreram gloriosamente estes sete incomparáveis heróis.
A narrativa desses eventos é extraída da Sagrada Escritura (cf. 2Mb 7), que contém as palavras dos mártires tais como apresentadas aqui. Quanto à história subsequente da mãe, cujo espírito grandioso e heroico nunca se poderá elogiar o bastante, a Sagrada Escritura não a descreve com clareza. O historiador hebreu [Flávio] Josefo afirma que o rei se vingou dela, levando-a à morte com tormentos ainda mais cruéis, pois via nela a causa da firmeza inabalável dos filhos (ou, como dizia ele, de sua obstinação). Muitos Santos Padres, como Agostinho, Ambrósio, João Crisóstomo, Gregório, Cipriano e Leão, exaltam e louvam estes mártires como exemplos gloriosos de fiel adesão às leis de Deus, e recomendam-nos a todos os cristãos como dignos de imitação.
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Hoje é também o aniversário da dedicação de uma pequena igreja na Itália, não muito longe de Assis. O nome dela é Porciúncula, ou Nossa Senhora dos Anjos, por ter sido construída em honra da Santíssima Virgem, e também porque se ouviam muitas vezes harmonias celestes encher este edifício sagrado. O grande fundador São Francisco a reconstruiu e nela rezava com frequência.
Em 1223, guiado por inspiração divina ou conduzido por um anjo, dirigiu-se a essa igreja e lá viu Cristo, Nosso Senhor, num trono real, com a Mãe de Deus à sua direita e rodeado de inúmeros anjos. Depois de o santo homem ter adorado o seu Salvador, foi-lhe dito que pedisse uma graça. O amor aos homens fê-lo esquecer-se de si mesmo, e ele pediu que fosse concedida uma indulgência plenária a todos os que, confessados sinceramente e arrependidos dos seus pecados, fizessem uma visita devota à igreja de Porciúncula. Cristo atendeu a este nobre desejo e disse ao santo que o confirmasse com o Papa, seu Vigário na terra. Honório III, depois de uma análise cuidadosa, concedeu a aprovação desejada, mandou consagrar solenemente a igreja e proclamou publicamente a indulgência plenária conferida por Cristo.
Muitos dos Papas posteriores concederam esta indulgência a outras igrejas da Ordem Seráfica, de modo que, além daqueles que vão à Porciúncula, todos os fiéis, fazendo uma boa confissão e comungando, podem, ao visitar devotamente uma igreja dos franciscanos, obter a indulgência plenária neste dia. [Atualmente, a indulgência se estende a todas as igrejas paroquiais (cf. Manual das Indulgências, concessão n. 65).]
Por causa da indulgência concedida por Cristo a esta igreja e pelos Papas a outras igrejas, surgiram, desde os dias de Calvino e Lutero, muitos inimigos das indulgências. Destaca-se entre eles o luterano Chemnitz, para o qual toda a história acima não passa de fábula devota ou invenção piedosa. Segundo ele, o povo comum foi enganado com a informação de que a indulgência da Porciúncula era a maior de todas; de que o próprio Cristo a havia instituído; e de que a culpa e a pena do pecado eram remidas por essa e mais nenhuma outra indulgência.
Mas os que pensam assim não sabem, ou não querem saber, o que a Igreja Católica ensina sobre as indulgências.
Entendemos por indulgência apenas a remissão da pena temporal ainda devida após o perdão de nossos pecados. Uma indulgência plenária é a remissão de toda essa pena temporal; uma indulgência parcial é a remissão de parte dela. Nenhum católico acredita que a indulgência perdoa um pecado, mas apenas a punição temporal decorrente dele, a qual devemos sofrer depois de perdoado o pecado. Se já somos batizados, a culpa do pecado mortal e seu castigo eterno só podem ser perdoados pelo santo sacramento da Penitência, ou, se isso for impossível, pela contrição perfeita; a culpa de um pecado venial, porém, é perdoada pelo sacramento, ou, na ausência dele, por uma contrição perfeita ou mesmo imperfeita, que chamamos de atrição. Este perdão da culpa e das penas temporais e eternas é obtido pelos méritos de Nosso Salvador. Portanto, é falso isto que Lutero e Calvino ensinaram descaradamente, e que seus discípulos ainda ensinam, a saber: que as indulgências são um insulto aos méritos de Cristo; ou que nós o ofendemos atribuindo qualquer valor ou efeito às indulgências.
Também não ensinamos que uma indulgência plenária é superior a outra em si mesma, pois sendo cada uma a remissão de toda a pena temporal, como pode uma remitir mais do que outra? Veja bem o que acaba de ser dito: uma indulgência, em si mesma, não é maior do que outra; todavia, em virtude de circunstâncias exteriores, como, por exemplo, a grandeza da pessoa que a concede, ou a causa pela qual é concedida, ou o número de pessoas que a desejam obter, pode-se dizer que uma é maior do que outra. Neste sentido, podemos considerar a indulgência de hoje como a grande indulgência.
Além disso, nós não enganamos o povo supondo que Jesus Cristo a concedeu a todas as igrejas. Contudo, enfatizamos uma vez mais: ela foi dada por Ele somente àqueles que visitam a Porciúncula, mas os Papas, como Vigários de Cristo, concederam uma indulgência plenária àqueles que visitam, neste dia, outras igrejas, e nelas fazem reverentemente as devoções prescritas. Quanto à veracidade da origem dessa indulgência, é uma grande presunção questioná-la ou rejeitá-la; pois, embora a Igreja Católica não a tenha adotado como matéria de fé, ela foi cuidadosamente examinada e considerada autêntica.
A doutrina católica em relação às indulgências consiste principalmente em duas partes. Primeiro: a verdadeira Igreja tem o poder de conceder indulgências; e, segundo, as indulgências são benéficas para o bem-estar espiritual do povo cristão. Isto será suficiente para instruir os católicos e refutar as afirmações daqueles que se opõem às santas indulgências e as caluniam.
Considerações práticas
I. A história dos sete macabeus e de sua heroica mãe é uma das mais belas e instrutivas já escritas, e vale a pena ser lida mais de uma vez. Com ela, os pais aprendem a incutir no coração dos filhos a obediência a Deus e a fuga do pecado; os filhos, a viver de acordo com os preceitos dos pais; e os cristãos em geral por ela são instruídos a guardar as leis de Deus.
Os sete santos mártires preferiram padecer os mais terríveis tormentos e morrer cruelmente a tocar nas carnes que Deus lhes havia proibido consumir. Este mesmo Deus proíbe que você, em determinados dias, consuma alguns alimentos [i]. Ai de quem os come levado pelo mau exemplo dos outros, por suas zombarias e escárnios ou por outros pretextos frívolos!
Os santos mártires apoiavam-se na esperança da ressurreição e da recompensa que um dia receberiam no Céu. Seu corpo também ressuscitará. Você receberá novamente todos os seus membros, seja para a recompensa eterna seja para o castigo eterno, conforme os tenha usado para servir ou ofender o Todo-Poderoso. Ai de sua língua, de seus lábios, de seus olhos, de suas mãos e de seus pés, se não os usar de modo superior ao que tem feito até agora!
Por fim, todos precisam aprender como portar-se na tentação. É preciso lutar contra ela e dizer: “Não, não o farei. Obedeço não àquele que me tenta, mas ao Senhor, meu Deus. Estou pronto para morrer antes de transgredir as leis de Deus.” Quanto aos que tentam os outros a pecar, considerem bem o que um dos mártires disse a Antíoco: “Não escaparás da mão do Senhor”; e outro: “Espera só um pouco, e reconhecerás, em teu castigo, o poder do Todo-Poderoso.”
II. Tenha muito apreço pelas indulgências. Elas são um sinal da grande misericórdia de Cristo para conosco e um fruto inestimável de seus méritos. Procure se esforçar ao máximo para obtê-las. Os não católicos cometem um grande erro ao rejeitá-las e caluniá-las, mas não estão menos equivocados os católicos que não as valorizam nem se esforçam por obtê-las. Não menos errados estão os que pensam tê-las lucrado pelo simples fato de confessar e comungar, ou mesmo dizer, sem especial devoção, as orações prescritas. Se quisermos obter uma indulgência, devemos ser muito zelosos; a consciência deve estar purificada e as orações devem ser feitas com grande devoção.
Não nos iludamos: depois de obter uma indulgência — coisa de que nunca podemos ter a certeza —, não termina nossa obrigação de fazer penitência e boas obras. Com efeito, Deus exige que também você colabore com a expiação de seus pecados e a conquista da vida eterna. Está escrito: “Produzi verdadeiros frutos de penitência” (Mt 3, 8). Deus tem misericórdia de nós, mas também diz, segundo São João Crisóstomo: “Dá tu também alguma coisa: não porque eu tenha necessidade de ti, mas porque é minha vontade que contribuas com alguma coisa para o teu próprio bem-estar”. São Cipriano admoesta-nos assim: “É preciso implorar ao Senhor. Ele deve também ser aplacado com a nossa expiação. Devemos praticar boas obras.”
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