Seu nome e seu rosto trouxeram conforto a um mundo chocado pelo terrível ataque com faca que feriu seis pessoas, incluindo quatro crianças pequenas, perto do Lago Annecy (ao norte dos Alpes franceses), em 8 de junho de 2023.
Poucas horas depois do acontecimento, o olhar profundo e sereno de Henri d’Anselme, de 24 anos, que não hesitou em arriscar a vida na tentativa de deter o terrorista, tornou-se viral em todas as redes sociais, rendendo-lhe o apelido de “herói da mochila”.
A surpresa do público aumentou ao descobrir que o jovem agira movido por amor a Cristo. Para aumentar a consciência das pessoas sobre a necessidade de salvaguardar o patrimônio religioso do país, ele estava fazendo um tour de visitas às catedrais francesas, e “por acaso” se viu no local do crime.
Mas, ao fazer da defesa do patrimônio cristão a sua missão principal, é o cristianismo como um todo que o jovem pretende promover, a nível nacional e internacional. Foi o que ele revelou nesta entrevista ao National Catholic Register, após uma conferência dada em Budapeste, a 16 de abril de 2024. O tema do evento, promovido pela Universidade Nacional de Serviço Público da Hungria, foi: “O cristianismo pode salvar a Europa?”.
D’Anselme, que atualmente é jornalista dos canais de televisão C8 e Canal+, está convencido de que os monumentos religiosos, e as catedrais em particular, não são simplesmente obras de um patrimônio, mas verdadeiros pilares da civilização.
O tema da mesa redonda de hoje é se o cristianismo pode salvar a Europa. Você acredita que o cristianismo ressuscitará em breve na Europa e, em caso afirmativo, que forma isso poderá assumir?
A questão não é se haverá um reavivamento, mas quando ele acontecerá! Minha afirmação aqui é uma questão de convicção pessoal; mas, a meu ver, a cristandade certamente não está prestes a morrer! Ainda não se sabe como ela renascerá; esse detalhe pertence à história que está prestes a ser escrita.
O que sei, e o que pude sentir durante minha visita às catedrais da França, é que estamos num país que borbulha de energia e só quer empregá-la em algo maior do que si próprio, mas que hoje não tem nenhuma visão, nenhum líder digno dessa missão. Como consequência, toda essa energia é espalhada em todas as direções, porque o povo francês é profundamente empreendedor, determinado — e é também um povo profundamente sonhador. Mas falta-lhes um líder, uma visão, um propósito. O número de batismos na França está explodindo. Hoje conheci um padre da Borgonha que me disse que, desde a COVID, o número de catecúmenos com menos de 25 anos aumentou dez vezes, o que é bastante.
A nível nacional, estes números ainda são pequenos, mas anunciam algo muito grande. E é ainda mais bonito ver que se trata de batismos de adultos com mais de 16 anos; em outras palavras, eles refletem decisões maduras, voluntárias, meditadas. E há uma razão para isso: a minha geração não recebeu nada; somos tão cabeça-oca que precisamos ser preenchidos. Tudo que você precisa fazer é mostrar o que é belo e falar da verdade, e as pessoas serão movidas.
O seu diagnóstico da França aplica-se a toda a Europa? Como você vê o velho continente, que está passando por profundas crises políticas, sociais e espirituais, como um todo?
Essa é uma grande pergunta, que eu sempre me faço. Mas não posso deixar de pensar que a França está um passo à frente do resto da Europa, até porque o seu estado de crise é mais avançado.
Estive na Bélgica, em Bruxelas, há não muito tempo, e eles próprios me disseram que estavam 15 anos atrás da França. Ainda estão lidando com uma crise da Igreja pós-anos 60, enquanto na França o fenômeno já está quase morto. Quando olho para um país como a Hungria, vejo que o problema não é o mesmo em todos os lugares. Esse é um país politicamente cristão, de linguagem oposta à de países como a Bélgica ou a França, talvez correndo o risco de, por vezes, ir longe demais na direção oposta, ou seja, politizar excessivamente o cristianismo.
Por outro lado, na Polônia, que é historicamente bastante cristã, muitos jovens abandonam a fé hoje porque o país se abriu à modernidade e a todas as suas ideologias, e isso está levando-os ao desastre.
Penso que, se a França está à frente do jogo, é porque sempre foi a primeira a ter problemas, mas também é sempre a primeira a recuperar-se. Acredito que, se os franceses tiverem a coragem de pôr-se de pé, o destino de toda a Europa mudará.
Esta é a sua vocação mais profunda. Não sou eu quem diz; é São João Paulo II, em 1980, em Le Bourget. Ele falou da França como “filha primogênita da Igreja” e educadora dos povos, perguntando-lhe o que fizera com o seu batismo. Não à toa Clóvis foi o primeiro a fundar um reino cristão, juntamente com a Armênia, mas em um nível completamente diverso. A França sempre foi o braço secular da Igreja; sempre a defendeu. É o país com mais santos, aparições marianas e missionários em todo o mundo; é o país com mais catedrais em proporção territorial. Todos estes sinais não deixam margem para dúvidas: à parte de qualquer visão providencialista, é só olhar os fatos. Nossa geração está fadada ao heroísmo!
Esta é a famosa dinâmica das minorias criativas, capazes de mudar o curso da história. É importante notar também que aqueles que retornam à fé tendem a preferir movimentos que propõem uma vida de fé mais radical, vivida o mais perto possível dos ensinamentos imutáveis de Cristo e de sua Igreja.
Na verdade, isso agrega toda uma série de nuances e sensibilidades. Por um lado, há os tradicionalistas, que a meu ver reunirão todos que regressam à fé por razões de identidade. Eles veem que há uma razão para todos os seus antepassados terem ido à Missa diariamente. Para eles, este tesouro deve ser guardado porque é uma parte de quem são. Por isso, tendem a gravitar em torno desta forma de liturgia e de espiritualidade, que está muito incorporada no rito, na tradição, que é mais antiga que outros movimentos e lhes oferece pontos de referência mais temporais. E há toda uma seção de pessoas que optam pelo que chamamos de “novas comunidades”, mesmo que o termo esteja um pouco desatualizado, atraídas por uma expressão de fé mais simples, espontânea e extrovertida.
Em seu discurso hoje, você mencionou a catedral como um símbolo de civilização. Com Notre-Dame de Paris prestes a reabrir as portas, em 8 de dezembro de 2024, mais que um edifício querido pelas pessoas, você acha que é a nossa civilização que estamos renovando hoje?
As catedrais são marcos no tempo e no espaço, profundamente enraizados na terra, refletindo fisicamente a terra. São marcos que cristalizam à sua volta uma dimensão histórica, patrimonial, artística e (claro) espiritual. E é porque podemos tomar todas estas dimensões na sua totalidade, compreendê-las e transmiti-las, que chegamos à essência da mensagem, que podemos transmitir uma civilização, ou, neste caso, reconstruí-la.
E não creio que seja insignificante reabrir Notre-Dame e concluir sua reconstrução às vésperas de 2025. Foi André Malraux [ex-ministro da Cultura francês] quem disse: “O século XXI ou será religioso, ou nada será.” A Catedral de Paris está claramente nos dizendo a mesma coisa, abrindo suas portas e dizendo: “Pessoal, estou abrindo as portas para o século XXI. O primeiro quarto está chegando ao fim. Agora é com vocês; eu fiz a minha parte!”
Defender o nosso patrimônio é, antes de mais nada, uma questão de responsabilidade individual, o que significa que cabe a cada um de nós fazer a nossa parte. Temos de salvar este patrimônio, materialmente falando, mas, acima de tudo, temos de dar a ele vida, alma (anima) e, portanto, aquilo que o anima profundamente. Há um propósito na existência deste patrimônio. O propósito das catedrais é ser a casa de Deus.
Por trás de todos esses símbolos existe uma encarnação, a essência da mensagem, e é isso que você precisa redescobrir com a Notre-Dame de Paris.
Em resposta a uma pergunta da audiência de hoje, você também mencionou que foi um forte instinto espiritual que o levou a intervir contra o assassino de Annecy. Como foi isso?
O que sei é que, no momento do ataque, eu tinha duas ideias fixas na cabeça: São Miguel Arcanjo e Arnaud Beltrame [o policial católico francês que, em 2018, trocou a vida pela do refém durante um ataque terrorista islâmico em um supermercado]. Foram imagens que surgiram na minha cabeça. Instintivamente, pensei no meu coração: “Se Arnaud Beltrame fez isso, eu farei, e por São Miguel, eu farei”.
Como disse no dia seguinte ao ataque, acredito profundamente que algo nele tinha medo de algo em mim naquele momento. Foi o que aconteceu… Não direi mais nada.
Quando você falou nos meios de comunicação nacionais após o ataque de Annecy e expressou abertamente as suas opiniões católicas, sentiu alguma reticência por parte dos entrevistadores?
Todos ficaram bastante surpresos; foi muito espontâneo, muito inesperado para eles. Na verdade, tentaram fazer-me assumir posições políticas. É claro que alguns políticos tentaram me ganhar; falei com vários deles ao telefone.
Mas eu não estou interessado na arena política. Meu envolvimento é na política com P maiúsculo; eu trabalho pela causa política. E isso me leva a duas observações: não temos visão, nem líder. Meu objetivo é contribuir para o surgimento destas duas coisas: quando estiver velho, na minha cadeira de balanço, junto à lareira, com os meus filhos e netos, quero poder dizer que lutei pela grandeza do meu país, e para Deus, e não para este ou aquele político e suas práticas corruptas.
A um nível mais pessoal, após o ataque a Annecy, sua vida mudou da noite para o dia, quando foi colocado sob os holofotes dos meios de comunicação social. Como você lidou com isso? Sua fé o ajudou a enfrentar a situação?
Eu vivi tudo através da oração; claramente, através das orações dos outros. E, se mantive uma certa distância dos acontecimentos, é também por causa do temperamento da minha família: estamos habituados a encarar as coisas com uma boa dose de bom humor. E o mundo da política e da mídia nunca me impressionou. Eu realmente nunca o levei a sério.
Minha vida mudou de alguma forma, é certo, mas basicamente eu sempre quis dizer o que estou dizendo hoje. Sempre quis travar a batalha que travo hoje. Acredito que estou no lugar ao qual pertenço. Fico feliz com isso e agradeço a Deus por me oferecer os meios de fazer o que faço.
Quão longe você está em seu grande “tour” pelas catedrais? Como podemos apoiá-lo no seu trabalho para proteger a nossa herança religiosa?
Até o momento, visitei 150 das 180 catedrais da França. Faltam-me ainda os departamentos e territórios ultramarinos, bem como a Córsega.
Por enquanto, quem quiser apoiar o meu trabalho pode fazê-lo seguindo-me nas redes sociais, onde anunciarei projetos futuros. E agradeço a todos aqueles que me apoiarão com suas orações!
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