“Despede a multidão, para que possa ir aos povoados e campos vizinhos procurar hospedagem e comida, pois estamos num lugar deserto” (Lc 9, 12). Os Apóstolos têm razão. A multidão havia seguido Jesus até o campo, longe das cidades e aldeias. Ironicamente, foi o próprio Jesus que decidiu ir com os seus Apóstolos para um lugar deserto, a fim de fugir da multidão e da agitação das cidades (cf. Mc 6, 31). Porém, a multidão o seguiu e agora precisava de comida.

Esse é o contexto de um dos milagres mais importantes realizados por Nosso Senhor, o único registrado pelos quatro evangelistas. Obviamente, a cena inteira é eucarística. Mas o cenário e o contexto do milagre — realizado para as pessoas que o seguiram até o deserto — indicam uma dimensão particular da Eucaristia. Ela é alimento para a viagem. E isso, por sua vez, revela uma profunda conexão entre a Eucaristia e a virtude da esperança, o foco deste Ano Jubilar.

A Carta aos Hebreus descreve a esperança como “uma âncora segura e firme da alma, e que penetra até além do véu, no interior do santuário (celeste)” (Hb 6, 19). É um tipo curioso de âncora, que nos estabiliza não onde estamos, mas aonde chegaremos. Ela nos mantém seguros onde Ele está e nos atrai para cima. Isso corresponde à descrição da esperança como “já, mas ainda não”. A esperança em Cristo faz com que já estejamos ancorados no Céu, onde Ele está sentado à direita do Pai. Portanto, a esperança é segura e não nos decepciona. No entanto, ao mesmo tempo, ainda não alcançamos nosso objetivo e continuamos a buscá-lo como inspiração.

A Eucaristia tem essas mesmas características. Ao recebermos a Sagrada Comunhão, realmente ficamos ancorados no Céu. Nesse momento, já estamos unidos a Jesus em seu Corpo ressuscitado e glorificado. Por isso Santo Tomás chama a Eucaristia de “penhor da glória futura”. É um pedaço do Céu (por assim dizer) que nos é dado já aqui na terra e que nos leva para o alto, para onde ainda não estamos plenamente. Não é ainda a plenitude da sua glória, mas apenas a garantia dela. Da mesma forma, na adoração, já contemplamos Jesus sob o véu do pão e do vinho, mas ainda não o vemos face a face.

A esperança também é conhecida como a virtude do viajante e do peregrino. Ela foi concebida, por assim dizer, para aqueles que partiram em uma jornada. Assim, ela nos fortalece em nossa peregrinação por este mundo. Quando temos certeza da vitória de Deus e confiamos em suas promessas de graça e glória, podemos seguir nosso caminho com mais coragem e alegria, apesar dos desafios deste vale de lágrimas.

Isso também significa que a esperança não faz sentido sem a jornada, sem a busca pela glória do Céu. Uma das razões pelas quais nosso mundo carece de esperança é porque desistiu da jornada. Que amarga ironia: quanto mais nos confinamos neste mundo, tornando-nos acomodados e complacentes, mais desesperados ficamos. A virtude da esperança se atrofia se não for exercida na busca pelo Céu.

Mosaico do século V, presente na Igreja da Multiplicação dos Pães e Peixes, em Tabgha, Israel.

Da mesma forma, a Eucaristia é destinada aos viajantes — e a mais ninguém. Quando um sacerdote leva a Sagrada Comunhão a um moribundo, nós a chamamos de viaticum — alimento para a viagem. Nessa circunstância específica, a Eucaristia é claramente o alimento de que a alma precisa para viajar deste mundo ao próximo. Mas, num sentido mais amplo, é sempre viaticum, sempre alimento para o peregrino, alimento para a viagem.

É para isso que os Apóstolos chamam nossa atenção no referido trecho do Evangelho (cf. Mc 9, 11b-17). As multidões eram uma espécie de viajantes e peregrinos. Tinham seguido Cristo até um lugar deserto. Tinham viajado em busca de seus ensinamentos e cura — em busca dele. Precisavam de alimento justamente porque escolheram segui-lo em vez de permanecer onde estavam; porque preferiram o deserto com Ele às cidades repletas de alimento.

Na sequência da solenidade de Corpus Christi, Santo Tomás descreve a Eucaristia como cibus viatorum — alimento dos viajantes ou “alimento dos peregrinos”. Na tradução litúrgica americana, essa frase é vertida como alimento “para o peregrino que se esforçou” [for the pilgrim who has striven], o que não capta bem o sentido dela [1]. A Eucaristia não é dada àquele que se esforçou, como se fosse uma recompensa. É dada àquele que está se esforçando, ainda no caminho e que, portanto, precisa de alimento. O caminho que Jesus traçou para nós é difícil e cansativo. Negar a nós mesmos, tomar nossa cruz e segui-lo exige o alimento que só Ele pode fornecer, que é Ele mesmo. Nenhum outro alimento (e nós tentamos muitos) está à altura dessa missão.

Isso quer sempre dizer que, para saborear a Eucaristia e receber com eficácia o sustento, é preciso escolher ser peregrino e caminhante neste mundo. Esse alimento não se destina àqueles que fizeram as pazes com este mundo, que aqui se acomodaram e não compreendem a jornada cristã. Não pode ser compreendido por aqueles que procuram apenas o conforto e não a glória que nos é prometida. Talvez uma das razões para o declínio da devoção eucarística seja a naturalização da fé, a sua redução a um modo de vida voltado apenas para este mundo.

É assim que a Eucaristia alimenta a nossa esperança, ancorando-nos no Céu e fortalecendo-nos em nosso caminho.

Notas

  1. Nota do Tradutor: A nossa tradução litúrgica (mais centrada na rima e na métrica) sequer faz menção ao nosso estado próprio de viajor; diz simplesmente: “Eis o pão que os anjos comem, transformado em pão do homem”. O verso é belo ainda assim, mas certos detalhes seguem restritos ao original. Ecce panis angelorum, factus cibus viatorum significa, literalmente, “Eis o pão dos anjos, tornado alimento dos viajantes”.

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