Diante da severidade da Igreja em preservar a pureza da doutrina cristã e punir os delitos contra a fé, surge espontaneamente a pergunta: Por que tanto rigor? Não basta a caridade? 

Para conservarem as aparências cristãs e se acobertarem sob o manto cristão, os espíritas repetem as palavras de Jesus sobre a caridade e proclamam o princípio: “Fora da caridade não há salvação”. É sem dúvida certo: sem a caridade cristã, não há salvação; e quem não tiver a caridade, não é verdadeiro discípulo de Jesus Cristo. E a Igreja seguramente não rejeita o espiritismo por causa deste princípio. A Igreja Católica tem sido sempre e ainda hoje continua sendo a pregoeira máxima da caridade cristã. É preciso ter os olhos cegos pelo fanatismo para não vê-lo. Quem poderá contar as instituições de caridade mantidas, dirigidas ou inspiradas pela Igreja em todo o mundo? Quem poderá contar os inúmeros católicos que se dedicam exclusiva e totalmente à caridade? Os maiores heróis da caridade, mesmo aqueles apregoados pelos espíritas, como um São Francisco de Assis ou um Santo Antônio de Lisboa (ou Pádua), eram santos catolicíssimos. 

O erro dos espíritas não consiste na pregação da caridade (nisso, pelo contrário, eles são dignos de aplauso e louvor); seu erro está em dizer que basta a caridade somente. Jesus Cristo nunca ensinou isso. Pois Jesus, o evangelista da caridade, foi também o evangelista da fé. Sua doutrina não é apenas moral. 

São Marcos nos refere as últimas e solenes palavras de Jesus, dirigidas aos Apóstolos pouco antes de sua Ascensão ao Céu: “Ide por todo o mundo, proclamai o evangelho a toda criatura. Aquele que crer e for batizado será salvo; o que não crer será condenado” (Mc 16, 15-16). Quem não crer será condenado! São também palavras de Jesus. 

E em São Mateus damos com estas outras palavras de Jesus, não menos solenes e formais: 

Toda a autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos (Mt 28, 18-20). 

Instruídos por Cristo e fortalecidos pelo Espírito Santo, os Apóstolos saíram a pregar. Advertidos por Jesus, eles sabiam que o inimigo tudo faria para dispersar a grei que o Senhor queria una; alertados por Cristo, previam que os lobos viriam vestidos em pele de ovelha e que o anjo das trevas se apresentaria lisonjeiro como anjo da luz; prevenidos pelo divino mestre, sabiam que o “homem inimigo” aproveitaria as sombras da noite e a desprevenção dos homens que dormem para espargir o erro e a discórdia. Por isso conservaram-se vigilantes e enérgicos. 

E quando, por exemplo, na novel comunidade dos gálatas se infiltrou o erro dos judaizantes, São Paulo não hesitou: “Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie um evangelho diferente do que vos anunciamos, seja anátema. Como já vo-lo disse, volto a dizê-lo agora: se alguém vos anunciar um evangelho diferente do que recebestes, seja anátema” (Gl 1, 8-9). 

E ao despedir-se da Ásia menor, em Mileto, o que mais pesava em sua alma era a previsão dos primeiros vestígios do gnosticismo, de um sincretismo de seitas judaístas, de filosofias helenistas e de religiões de mistérios que rebaixavam Jesus Cristo a um dos espíritos cujo culto propagavam, e implora então aos presbíteros responsáveis: 

Sede solícitos por vós mesmos e por todo rebanho, do qual o Espírito Santo vos estabeleceu guias para apascentar a Igreja de Deus, que ele adquiriu para si pelo sangue de seu próprio Filho. Eu sei que, depois de minha partida, introduzir-se-ão entre vós lobos cruéis que não pouparão o rebanho, e que no meio de vós surgirão homens que farão discursos perversos com a finalidade de arrastar discípulos atrás de si. Por isso sede vigilantes, lembrando-vos de que durante três anos, dia e noite, não cessei de exortar com lágrimas a cada um de vós (At 20, 28-31). 

Igual solicitude pela pureza da fé encontramos nas cartas aos efésios, aos colossenses e, sobretudo, nas cartas pastorais a Tito e Timóteo. Assim escreve a seu colaborador Timóteo: 

Eu te conjuro, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de vir julgar os vivos e os mortos, pela sua aparição e por seu reino: proclama a palavra, insiste, no tempo oportuno e no importuno, refuta, ameaça, exorta com toda paciência e doutrina. Pois virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos, como que sentindo comichão nos ouvidos, se rodearão de mestres. Desviarão os seus ouvidos da verdade, orientando-os para as fábulas (2Tm 4, 1-4). 

E a Tito recomenda: “Depois de uma primeira e de uma segunda admoestação, nada mais tens a fazer com um homem faccioso, pois é sabido que um homem assim se perverteu e se entregou ao pecado, condenando-se a si mesmo” (Tt 3, 10-11). 

O mesmo modo inexorável de tratar os hereges nos é recomendado por São Judas Tadeu e também pelo “discípulo do amor”, São João, que chega até a proibir qualquer relação com eles: “Não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Aquele que o saúda participa de suas obras más” (2Jo 10). 

Foi neste mesmo espírito de apostólico zelo que nossos bispos denunciaram a heresia do espiritismo, para conservar no nosso povo não apenas a caridade, que é necessária e deve incendiar todos os corações cristãos, mas também a fé, ensinando-os a observar tudo que Cristo ensinou e mandou. Pois “quem não crer será condenado” (Mc 16, 16) e “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11, 6). 

Sejamos, pois, integralmente cristãos. Sigamos a Cristo, evangelista da caridade; mas sigamos também a Cristo, evangelista da fé. Caridade ardente e fé inabalável: eis as duas asas com que nos alçaremos ao céu, “para tomar posse do reino que nos está preparado desde o princípio do mundo” (Mt 25, 34).

Referências

Frei Boaventura Kloppenburg, Espiritismo: Orientação para os Católicos. São Paulo: Edições Loyola, 1986, pp. 165-167.

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