Há cerca de dois anos, a palavra “sagrado” fez presença na mídia norte-americana, depois que o então Chefe de Gabinete da Casa Branca, John Kelly, lamentou o fato de nada mais ser sagrado hoje em dia, sobretudo à luz do “escândalo” provocado por uma ligação do presidente Trump à viúva de um soldado morto em combate.
“Quando eu era criança”, disse Kelly, “muitas coisas eram sagradas no nosso país. As mulheres eram sagradas e vistas com muito respeito. As coisas, obviamente, já não são mais assim, como se vê em casos recentes. A vida, a dignidade da vida, era sagrada. A religião também parece ter ido embora.”
O cinismo com que a mídia reagiu às palavras do general sobre a sacralidade da morte de um soldado simplesmente confirmaram a verdade que Kelly estava dizendo. De fato, nada mais é sagrado no ambiente político atual. Não há nada que não possa ser objeto de discussão para a agenda liberal.
As razões por que nada mais é sagrado
Existem muitas razões por que nada mais é sagrado hoje em dia. Uma delas é que o sagrado discrimina, exclui.
O sagrado teve sempre uma nota de “exclusividade”. Em seu sentido mais próprio, é sagrado tudo o que foi separado para o serviço ou o culto a Deus. Num sentido mais amplo, a palavra pode aplicar-se a tudo o que é digno de reverência e respeito. O sagrado evoca um sentido de mistério e admiração, na medida em que aponta para algo superior e acima da nossa compreensão.
Está implícita na rejeição do sagrado a ideia de que não deve haver restrições de nenhum tipo, de que é injusto haver algo além do alcance dos outros, de que é errado reconhecer alguém como superior a outra pessoa.
Assim, numa sociedade que perdeu a noção do sagrado, ninguém se destaca, ninguém é premiado, as paixões desordenadas não devem nunca manter-se sob controle. Todos têm de ser iguais, custe o que custar. Não pode haver santuário para privilégio algum. Nada pode ser negado aos outros; ao contrário, tudo deve estar à disposição de todos.
Despojando as coisas de seu mistério
Nada mais é sagrado, porque as coisas foram despojadas de seu mistério. Para os que odeiam o sagrado, a simples existência do mistério afirma a existência de uma verdade superior e inefável, que não é reconhecida pela ciência moderna.
Eis porque a modernidade teve sempre um problema com o sagrado. O Iluminismo introduziu a ideia de que o sagrado, com a sua aura de mistério, deveria ser substituído pela razão humana e pela observação empírica.
No século XIX, Karl Marx notou os efeitos dessa mentalidade iluminista, ao escrever sobre a tendência do capitalismo a destruir o sagrado. “Tudo o que é sagrado”, disse, “há-de ser profanado”. Num mundo em que nada é sagrado, Marx acreditava que a vida seria e deveria ser “dessantificada”. Fiel ao seu ateísmo militante, Marx não via isso como um fenômeno negativo, mas antes como algo que facilitaria a condição de igualdade entre os homens.
A supressão do sagrado deriva, pois, de uma negação de valores espirituais, de uma negação de ideias que elevam a humanidade e ensinam que há coisas mais valiosas do que a própria vida. Só este fato torna essas coisas sagradas.
O desejo de ser “normal”
Não há mais nada sagrado, porque as coisas sagradas exigem respeito. Espera-se que as pessoas vejam o sagrado como algo especial. As pessoas deveriam admirar, honrar e cuidar de tudo o que é sagrado.
Trata-se de um sacrifício que muitos, hoje em dia, não estão dispostos a fazer. Pelo contrário, o que querem é ser “normais”, e querem cercar-se de coisas “normais”. Para eles, as comodidades de ser comum são de longe preferíveis à nobreza do heroísmo. Um dever sagrado não ressoa positivamente no coração dos que optaram pela busca desenfreada de felicidade material. Prevalece hoje a mentalidade do “não quero ser um herói”.
Ironicamente, os que rejeitam o sagrado nenhum problema têm na hora de elevar sua própria “normalidade” à condição de algo sagrado. Estão todos ansiosos para transformar em direitos sagrados os prazeres mais profanos. Desta forma, o esporte, o entretenimento, as escolhas e o consumo passam a considerar-se algo sagrado. E, tragicamente, também alguns pecados se tornam “sagrados” e intocáveis.
No entanto, à medida que a sociedade se degrada, até mesmo as coisas normais que se tornaram sagradas começam a ser atacadas. Até mesmo a exclusividade relativa que proporcionam esses prazeres ordinários revela-se intolerável para os que odeiam o sagrado.
Negação do reinado de Cristo
É óbvio que a razão mais fundamental por que nada mais é sagrado é que a cultura atual não reconhece que deve haver, sim, coisas dedicadas ou separadas para o serviço ou o culto a Deus.
Essa negação tácita do reinado de Cristo sobre a humanidade conduz, logicamente, à supressão do sagrado na vida diária. Como disse o Papa Pio XI em sua Encíclica “Ubi arcano Dei consilio”, de 1922, as coisas tornarão a ser sagradas outra vez quando Jesus Cristo “reassumir o seu lugar por direito como Rei de todos os homens, de todos os Estados e de todas as nações”.
Até lá, porém, a queixa do general Kelly irá expressar os sentimentos daqueles que sofrem pela nação. Quando Deus não é amado e adorado, não é de admirar que nada mais seja sagrado; quando Deus e sua beatíssima Mãe são ofendidos com blasfêmias, como o são hoje em dia, não nos deveria espantar que as pessoas se tratem mal umas às outras; quando Deus e sua Lei são ridicularizados e desprezados, é completamente natural que a moralidade também seja escorraçada da esfera pública e que a sociedade se precipite em profundezas inimagináveis.
Nada estará a salvo; nada será estável; nada mais será sagrado.
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