Há uma diferença entre cuidar da essência e essencialismo, entre cuidar da pobreza e pauperismo, entre respeito pela forma e formalismo. São Francisco de Assis — que entendia de pobreza como ninguém —, embora obrigasse seus frades à pobreza máxima, queria que nas igrejas houvesse objetos preciosos. Em sua “Primeira carta aos guardiões”, ele escreve: 

Peço-vos, mais do que se fosse por mim mesmo, que, quando vos parecer conveniente e útil, supliqueis humildemente aos clérigos que venerem acima de tudo o Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo e os santos nomes e palavras por Ele escritos que consagram o corpo. Os cálices, os corporais, os ornamentos do altar e todos os objetos necessários ao sacrifício devem ser preciosos. E se em algum lugar encontrarem o Santíssimo Corpo do Senhor depositado de forma miserável, que o coloquem e guardem num lugar precioso, segundo as disposições da Igreja, e que seja levado com grande veneração e administrado aos outros com discrição.
São Francisco de Assis adorando o Senhor crucificado. Pintura de Bernardo Strozzi.

E um sinal claro [disso] permaneceu. Se formos venerar o corpo de Santa Clara, antes de chegar ao seu túmulo (pelo menos assim era antigamente), podemos admirar alguns paramentos litúrgicos que a própria Santa Clara e outras clarissas contemporâneas de São Francisco costuraram para os sacerdotes da Ordem. As vestes são adornadas com ouro puro, porque assim o queria o santo de Assis. E isso não por ostentação tola ou inoportuna, ou (pior ainda) para tirar algo dos pobres, mas por outra razão muito mais importante. São Francisco, apesar de não ser sacerdote, apesar de não ser teólogo, em sua santa sabedoria, sabia bem o que acontece na Missa e, portanto, [conhecia] também o caráter extraordinário, o alcance misterioso da própria Missa — onde as categorias do tempo e do espaço são transcendidas e a dimensão do ordinário é sublimada no Eterno. Cada Missa é a verdadeira reatualização (embora incruenta) do sacrifício de Cristo na Cruz, aquele único sacrifício que aconteceu naquele dia e ano precisos, naquele Calvário específico.

Não sublinhar o mistério com a forma adequada significa empobrecer o próprio mistério. Pretender expressar o extraordinário por meio de algo comum, isto é, com uma forma presente no cotidiano, significa banalizar o próprio extraordinário. Se ao longo dos séculos a Igreja tivesse feito isso, não teríamos a Capela Sistina, a Pietà de Michelangelo, Giotto, Cimabue... e a lista seria muito longa.

Mas — alguém poderia objetar — um uso meio exagerado da beleza levaria a desviar recursos úteis para aliviar a miséria humana. 

Não é bem assim. Se levarmos um cachorrinho até a Pietà de Michelangelo, ele ficará ali indiferente e, muito provavelmente, levantará a pata... Um homem não. O homem — todo homem: rico ou pobre, culto ou ignorante — comove-se diante da beleza, sente que algo de si mesmo é tocado [por ela]: é a sensibilidade. Não por acaso a palavra “sensibilidade” deriva de “sentido”. Aquilo que experimentamos molda a nossa interioridade humana. Aquilo que vemos, move ou pode mover o íntimo do homem. Isso nos faz compreender por que a arte é útil. Trata-se de uma utilidade indireta, mas que existe. O homem, ao contemplar a beleza, refina sua sensibilidade e, tornando-se mais sensível, consegue compadecer-se mais, e com muito mais eficácia, do sofrimento alheio. Mais ainda: se pensarmos em Deus, se colocarmos Deus em primeiro lugar, se oferecermos coisas belas a Deus, Ele certamente pensará em todos, pobres e ricos.

Interior da Capela Sistina, no Vaticano.
Interior da Saint-Chapelle, em Paris.

Considerar que o belo é supérfluo é como considerar que basta ao homem comer; e, além disso, comer apenas para encher o estômago. Considerar que o belo é supérfluo significa negar uma passagem extraordinária do Evangelho, quando o pobre e analfabeto Pedro, que tinha de passar horas e horas no barco para pescar algo e alimentar sua família, dirige-se a Jesus, prestes a partir, e diz-lhe: “Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68). Mesmo Pedro, com sua pobreza e simplicidade cultural, num momento em que ainda não compreendia nada do mistério de Cristo (isso foi antes de Pentecostes), percebe a necessidade do Eterno — uma necessidade muito maior do que levar para casa os peixes pescados.

A busca pela beleza é universal. A necessidade de expressar o mistério por meio da beleza é igualmente universal. Em algumas circunstâncias, a simplicidade é necessária. Ela é essencial para a vida cotidiana, para dar sentido ao dia a dia, mas não pode permanecer sozinha. É preciso algo mais. É preciso a poesia da beleza!

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