Há mais ou menos cem anos, o sempre alegre G. K. Chesterton lamentava-se de duas coisas que são um problema até hoje: primeiro, em sua profissão de escritor, ele tinha de escrever sobre o Natal muito antes de a festa chegar, justamente para que o texto fosse publicado na data certa. Em segundo lugar, o resto do mundo parecia celebrar o Natal muito antes da data e, quando ela finalmente chegava, todos paravam de celebrá-la. Deveria ocorrer justamente o contrário.

Apesar de amarmos o Natal por causa das tradições a ele associadas, esquecemos uma das mais importantes. Durante séculos, as pessoas não celebravam o Natal sem antes se prepararem bem para a data. E quando ela finalmente chegava, comemoravam-na por doze dias seguidos. Fazia-se jejum em preparação, e depois havia muitos dias de festança. Porém, nos últimos anos, apesar das tentativas oficiais de esvaziar completamente o sentido do Natal, a celebração chega a durar um mês inteiro até a data real da festa; então, ela desaparece de uma hora para outra, e todos os rastros da sua presença são apagados.

Chesterton diz:

Os homens de hoje têm a vaga impressão de que, para ir à festa [de Natal], é preciso chegar logo ao final. Segundo os hábitos comerciais modernos, os preparativos para a festa hão de ser muito compridos, mas a celebração mesma há de ser muito curta. Isso está, obviamente, em clara oposição com os costumes tradicionais, daquela época em que o Natal era uma festa sagrada celebrada por um povo mais simples. Os preparativos assumiam então a forma de um tempo mais austero de Advento, concluído com o jejum na véspera do Natal. Mas, quando enfim chegava a hora, a celebração se estendia por dias a fio após o Dia de Natal. A comemoração se tornava sempre um “feriado prolongado” de pelo menos doze dias de júbilo.

As celebrações do Natal, conclui Chesterton, chegavam às vezes a culminar em excessos, eternizados por um escritor do qual muitos já ouviram falar, William Shakespeare, em sua peça A Décima Segunda Noite. Embora muitos conheçam a peça, poucos entendem o seu significado. Trata-se do décimo segundo dia de Natal, o último dos doze dias de uma grande celebração, que começa com o nascimento de Cristo e termina com a visita dos Três Reis Magos.

Chesterton acha que A Décima Segunda Noite é muito mais importante que o Dia de Ano Novo: 

Enquanto os progressistas querem logo que chegue o Ano Novo, os cristãos devem continuar olhando para trás, para o Natal. É a diferença que há entre olhar para trás, com entusiasmo por algo, e olhar para frente, com seriedade, em direção a nada. As pessoas louvam o futuro porque é vazio e indefinido, e têm medo do passado porque está repleto de coisas reais e vivas.

O mundo moderno, com sua obsessão por ser moderno, isto é, atual, está sempre em guerra com a tradição ou aquilo que entende como “ultrapassado”. Seu lema é “mudança”, mas a única mudança, diz Chesterton, ocorre na “fútil e frívola superfície da sociedade”. Abaixo dela permanecem as mesmas questões, os mesmos conflitos, as mesmas ideias que todos os homens sempre tiveram de encarar, por mais que tentem evitá-las. Mas, mesmo neste nosso mundo complexo, as coisas simples ainda fazem com que os homens se lembrem das permanentes. Uma destas coisas simples é a “prudência do camponês em dias comuns e a alegria dele em dias de festa”. Os pastores sempre compreenderam as coisas antes dos sábios.

Todo ritual aponta para algo além de si mesmo. Nossas imagens de Natal evocam pessoas reais e um fato histórico. Nossos singelos símbolos apontam para uma realidade definitiva. Nossa “alegria ritual” é uma tentativa de expressar uma alegria insondável, que nem mesmo um coro de anjos pôde expressar adequadamente. Nasceu-nos um Salvador. Nunca antes se anunciou melhor notícia, nunca antes houve melhor motivo para fazer festa.

No entanto, é preciso esperar o momento certo. Temos de nos preparar para ele. Aquele que preparou o caminho para o Senhor o fez pregando o arrependimento. Nosso mundo nunca teve tanta necessidade de arrependimento como hoje em dia.

Deveríamos viver o Advento como viveríamos a Quaresma. Deveria ser um tempo de oração, de penitência, de preparação. E de mortificação: rezemos cedo e com frequência, façamos jejum de guloseimas, renunciemos a alguma coisa, demos esmola. 

Uma forma de penitência, obviamente, é suportar a terrível música de “feriado” que retumba nas caixas de som em todos os lugares públicos durante o mês de dezembro. Não há como escapar dela. Entretanto, quando enfim, e por misericórdia, desligarem as caixas de som, quando o resto do mundo já estiver retirando as decorações, a nossa grande celebração estará apenas começando. E nossa música será também muito melhor.

O que achou desse conteúdo?

0
0
Mais recentes
Mais antigos