"Os mandamentos de Deus, que estão escritos no coração do homem e fazem parte da Aliança, têm verdadeiramente a capacidade de iluminar as opções quotidianas dos indivíduos e das sociedades inteiras? É possível obedecer a Deus e, portanto, amar a Deus e ao próximo, sem respeitar em todas as circunstâncias estes mandamentos?", perguntava-se, em 1993, o Papa São João Paulo II.

As perguntas formuladas não eram propriamente do Papa, mas de teólogos de seu tempo, e a resposta para elas não poderia ser diferente. Contra as teorias éticas heterodoxas em vigor, e em consonância com a Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja, o Papa Wojtyla reafirmou a existência de "normas morais que proíbem sem exceção os atos intrinsecamente maus"; lembrou o dever que todos têm de formar retamente a própria consciência; e garantiu: "As circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um ato intrinsecamente desonesto pelo seu objeto, num ato 'subjetivamente' honesto ou defensível como opção."

Muito antes, porém, de o Papa polonês fulminar com a encíclica Veritatis Splendor os perigosos postulados da chamada "moral de situação", outro Pontífice já havia condenado essa "nova ética", e mais de uma vez, ao longo de seu pontificado.

Tratava-se do venerável Papa Pio XII, que governou a Igreja durante os turbulentos anos da Segunda Guerra Mundial. Qual fosse a nota distintiva desta "nova ética" é ele mesmo quem explicava: " Ela não se baseia nas leis morais como, por exemplo, os Dez Mandamentos, mas nas condições e circunstâncias reais e concretas em que se deve agir e segundo as quais a consciência individual tem de julgar e escolher."

Na alocução que disponibilizamos a seguir, em nova tradução para a língua portuguesa, deixamos as orientações oportuníssimas do Papa Pio XII a respeito dessa "nova moral", "tão alheia à fé e ao princípios católicos, que mesmo uma criança que conheça o seu catecismo se dará conta disso".

Com muita clareza, o Papa Pacelli ensina que "pode haver situações em que o homem, e especialmente o cristão, não pode ignorar que deve sacrificar tudo, inclusive a própria vida, a fim de salvar a própria alma", recordando para isso o testemunho dos mártires, que preferiram a "morte sangrenta" a cometer um único pecado mortal.

Dada a extensão desse discurso, destacamos abaixo apenas o seu começo, sendo necessário, para se proceder à sua leitura integral, acessar o documento em formato PDF ou aqui ou nas reticências entre colchetes, ao fim do excerto.

Papa Pio XII
Discurso " Soyez les bienvenues"
Aos participantes do Congresso da Federação
Mundial da Juventude Feminina Católica

Sala das Bênçãos (18 abr. 1952)


Tema do Congresso
1. Sede bem-vindas, caríssimas filhas da Federação Mundial da Juventude Feminina Católica. Saudamo-vos com o mesmo prazer, a mesma alegria e a mesma afeição com que há cinco anos vos recebemos em Castel Gandolfo por ocasião do grande Encontro Internacional das Mulheres Católicas.

As motivações e os sábios conselhos que vos demos naquele Congresso, bem como as palavras que então vos dirigimos ( Discurso e Radiomensagem IX, pp. 221-233), não ficaram, de fato, sem produzir fruto. Bem sabemos o quanto vos tendes empenhado entrementes a fim de realizardes os objetivos precisos, dos quais já tendes clara visão. Isto Nos é comprovado, ademais, pela Memória impressa que fizestes chegar a Nós durante a preparação deste Congresso: La foi des jeunes. Problème de notre temps. Suas trinta e duas páginas têm o peso de um grande volume, e as examinamos com grande atenção, porque resumem e sintetizam as informações de variadas e numerosas enquetes sobre o estado da fé na juventude católica da Europa, sendo altamente instrutivas as suas conclusões.

2. Nós mesmos tratamos em nossa Alocução do dia 12 de setembro de 1947, à qual estáveis presentes, e em muitas outras mensagens de antes e depois, toda uma série de questões nelas abordadas. Hoje gostaríamos de aproveitar a ocasião que Nos oferece este encontro convosco para dizer o que pensamos a respeito deste fenômeno, que se tem manifestado por todas as partes na vida de fé dos católicos e que atinge um pouco a todos, mas de modo particular os jovens e seus educadores, problema cujos indícios estão registrados em diversos lugares de vossa Memória, como quando dizeis: "Confundindo o cristianismo com um código de preceitos e proibições, os jovens têm a impressão de se estarem afogando nesse clima de 'moral imperativa', e não são poucos os que sacodem esse 'fardo incômodo'".

Uma nova concepção de lei moral
3. Podemos chamar a este fenômeno uma nova concepção da vida moral, porquanto se trata de uma tendência que se manifesta no âmbito da moralidade. Ora, é sobre as verdades de fé que se fundam os princípios morais, e vós bem sabeis o quão importante e fundamental é para a conservação e crescimento da fé que a consciência dos jovens seja formada o quanto antes e se desenvolva segundo as justas e sãs normas da moralidade. Por isso, a nova concepção da moral cristã diz respeito muito diretamente ao problema da fé dos jovens. Falamos já da nova moral em nossa radiomensagem transmitida no último 23 de março aos educadores cristãos. E o que hoje diremos não é uma mera continuação daquilo que expomos outrora; o que agora pretendemos é descobrir as raízes profundas dessa concepção. Poderíamos qualificá-la de "existencialismo ético", de "atualismo ético", de "individualismo ético", entendidos no sentido restritivo que passaremos a explicar e tal como são compreendidos sob o que com outro nome se tem chamado Situationsethik, "moral da situação".

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