Recentemente, nos Estados Unidos, a American Medical Association House of Delegates (uma espécie de corpo legislativo da AMA, “Associação Médica Americana”) publicou uma declaração pedindo que “sexo” seja removido das certidões de nascimento como designação legal. Sandra Fryhofer, presidente do conselho da AMA, afirmou: “Designar o sexo masculino ou feminino nas certidões de nascimento e tornar pública essa informação implica perpetuar uma visão segundo a qual a designação do sexo é permanente, além de não reconhecer o espectro médico da identidade de gênero”.
Na mesma declaração, a AMA pede que o sexo só “seja visível para uso médico e estatístico”.
Claramente, o mundo da medicina parece ter-se tornado esquizofrênico. É irracional afirmar que o sexo é baseado na ciência e, ao mesmo tempo, que os sentimentos de uma pessoa podem superar a ciência. Estão esquecendo a realidade do sexo e como ela revela aquilo para o que foi feita a pessoa humana. A permanência é temida por nossa cultura porque leva ao sacrifício. Porém, a negligência do sacrifício conduz a relacionamentos sem amor e a vidas frustradas.
Em setembro de 1979, o Papa São João Paulo II deu início às suas catequeses de Teologia do Corpo durante suas audiências gerais. Desse modo, iniciou um movimento de reconhecimento da santidade da pessoa humana enquanto descrevia o modo como o corpo revela nossa natureza. — Quem sou eu? Por que estou aqui? Como descrever a conexão entre meu corpo e minha alma? Como posso ser realmente feliz nesta vida?
As palavras dele tratam do sexo, mas também realçam o fato de que a ação sacrificial é a chave para a realização humana. O mundo atual é um parque de diversões para homens e mulheres que declaram poder ser quem quiserem e fazer o que bem entenderem. A liberdade sem limites é proposta como chave para destravar a verdadeira felicidade e realização das pessoas. A imposição da ética sexual contemporânea (a saber: quando se trata do corpo humano, não há certo e errado) é combatida da forma mais bela e pungente pela descrição que o Santo Padre faz do amor como dom de si.
Aqui o Papa se inspirou em sua leitura de São João da Cruz e foi revigorado pelas palavras da Gaudium et Spes a respeito da identidade da pessoa humana, cujas raízes residem no fato de ela ter sido criada à imagem de Deus. João da Cruz explicou que os seres humanos só conseguem encontrar a verdadeira felicidade e realização quando reconhecem e vivenciam seu relacionamento com Deus como “um ciclo de mútua doação” [1].
“Esta semelhança torna manifesto que o homem, única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo” (Gaudium et Spes, 24). A espiritualidade de João da Cruz e essa afirmação do Vaticano II formaram a expressão e o fundamento da forma como João Paulo II compreende a pessoa humana.
Numa luta por apagar tudo o que faça referência à ideia de permanência, nossa cultura — e agora a AMA — deseja erradicar algo que está literalmente escrito em nossos corpos: o sexo. A tentativa de fazer isso tem a ver com a má interpretação daquilo que nos faz felizes e com a sobreposição de nossos sentimentos à nossa capacidade de nos sacrificar.
O ato conjugal é por natureza destinado a personificar a natureza radicalmente bela do amor sacrificial. Esse sacrifício acontece na relação sexual (na completa doação do corpo e da alma ao cônjuge), mas os esposos também são chamados a vivê-lo em todos os momentos de seu casamento (lavando a louça, cuidando dos filhos, permanecendo num emprego desagradável etc.). O sacrifício é necessário por causa daquele que nos criou e por causa de quem é Deus.
A Trindade é o exemplo mais perfeito e excelente de amor, e como a pessoa humana é feita “semelhante a Deus”, só podemos nos realizar quando nos doamos de forma sincera. Por natureza, Deus dá de forma incondicional, por perfeito amor e em perfeita comunhão. Por essa razão, o amor deve ser permanente.
O sacrifício pode ser posto em prática no matrimônio (e deveria sê-lo), mas somos chamados a viver dessa firme atitude em relação a todos os que conhecemos — do chefe irritante no trabalho ao vizinho que sempre parece ser rude, e do sujeito que nos ultrapassa na estrada à pessoa no mercado cuja grosseria fica aparente a todo momento. Sacrifício significa que jamais podemos tratar alguém de um modo menos digno do que essa pessoa merece. Sua natureza humana implica que ela seja tratada com o devido respeito, e sim, com amor.
Isso é observado de modo intenso no ato que gera novas vidas, mas também deve ser vivido fora do quarto. O amor entre marido e mulher é tão grande que, quando praticam o ato conjugal, participam da criação de uma nova pessoa com uma alma imortal. Homem e mulher fornecem a matéria, enquanto Deus infunde a alma. Nesse ápice da ação humana, vemos a beleza do que acontece quando nos doamos completamente.
O sentido esponsal do corpo (que homem e mulher podem doar livremente e que, ao fazê-lo, encontram seu verdadeiro eu) é personificado pelo fato de esse ato de amor impessoal ser tão grande, que seus efeitos duram para sempre (ou seja, outra pessoa humana é criada). Segundo estatísticas, a maioria dos casais faz uso de contraceptivos, e muitas crianças são concebidas apesar dessa barreira. Apesar de o amor do casal privar-se de algo e não ser plenamente sacrifical, a natureza do ato age não obstante essa carência.
A natureza profunda da semelhança da pessoa humana em relação a Deus, bem como o poder incomparável do ato conjugal, exigem uma reverência em relação ao corpo, a qual lhe realça o caráter sagrado. Ao mesmo tempo, a Teologia do Corpo nos leva a realizar sacrifícios por todas as pessoas que conhecemos. Quando fazemos isso (de formas concretas, que até podem parecer mundanas), trilhamos o caminho que conduz à santidade da vida e à alegria definitiva. Portanto, a AMA não entende de modo incorreto apenas a teologia, mas também como nossos corpos revelam quem somos.
Apesar de tantas pessoas se sentirem incompletas e lutarem contra a ansiedade e a depressão, a resposta a todos os nossos desejos reside no Pai que criou o universo, no Filho que deu sua vida por amor e no Espírito Santo que anima a Igreja.
A resposta também está em nossos corpos e na complementaridade entre homem e mulher: fomos feitos para a comunhão com outros e com Deus, e essa união é alcançada por meio de um dom de si sincero de nós mesmos, radical e permanente.
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