“Primeiro, oração; depois, expiação; em terceiro lugar, muito em ‘terceiro lugar’, ação”. — São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 82.
A superioridade da vida contemplativa em relação à vida ativa e, consequentemente, da vida religiosa dedicada à contemplação em relação à vida religiosa dedicada à ação implica, necessariamente, que a contemplação tem mais valor e os religiosos contemplativos, maior eficácia para a alcançar a salvação, sua e de outros, do que a ação e os religiosos de vida ativa.
Com efeito, a nossa salvação, assim como a das outras pessoas, depende sobretudo da graça de Deus, mas supõe também a nossa cooperação […]. Nesse sentido, a graça divina, que procede de Deus como de sua causa própria, exige certa colaboração por parte das criaturas, seja ao modo de causa eficiente instrumental, unida ou separada (como a humanidade de Cristo e os sacramentos da Nova Lei, respectivamente); seja ao modo de causa moral e meritória, como é o caso da oração dos santos em favor dos outros; seja, enfim, ao modo de pregação, que propõe externamente o objeto da fé e convida a crer nele de coração.
Assim sendo, excetuada a oração de Cristo, que foi meritória de condigno em todo o rigor de justiça para a salvação de todos os homens, porquanto mereceu perfeitissimamente para todos nós todas as graças, as orações dos demais pelos outros não merecem a graça a não ser de congruo e por modo de impetração: para os pecadores, a fim de que se convertam e vivam, e para os justos, a fim de que perseverem e progridam na graça já recebida [i]. Esse mérito, que é de fato verdadeiro, e não meramente nominal, tem maior força e maior influxo para que Deus conceda a graça do que a simples pregação e o convite exterior, que [para tanto] concorre apenas extrínseca e imperfeitamente [ii]. Por esse motivo foi dito com razão: “Orai uns pelos outros, para serdes curados” (Tg 5, 16), e à oração contínua e perseverante somos convidados por Jesus Cristo: “Importa orar sempre e não cessar de o fazer” (Lc 18, 1), e por seu Apóstolo: “Orai sem cessar” (1Ts 5, 17).
A oração, com efeito, é muito eficaz para alcançar o favor e a graça de Deus, segundo aquilo de nosso Salvador: “Pedi, e vos será dado; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque todo o que pede, recebe o que busca, encontra, e a quem bate, abrir-se-á” (Mt 7, 7s). “Por isso vos digo: Tudo o que pedirdes na oração, crede que o haveis de conseguir, e que o obtereis” (Mc 11, 24), sobretudo quando se pede em seu nome: “Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu a farei” (Jo 14, 14).
Mais valor têm, pois, para a salvação das almas, a contemplação e a oração ardente e perseverante, dos religiosos e religiosas consagrados à vida contemplativa, do que a pregação exterior da Palavra de Deus, embora as duas coisas sejam necessárias, pois é importante praticar estas, sem omitir aquelas (cf. Mt 23, 23).
Daí dizer João XXIII, fazendo suas palavras célebres de Pio XI: “A própria vida contemplativa, incompreendida em toda a sua beleza por um ativismo malsão, destina-se essencialmente ao apostolado por meio da oração e da reparação, como disse nosso predecessor Pio XI: ‘Muito maior para o crescimento da Igreja e para a salvação do gênero humano é a contribuição dos que se dedicam a preces e mortificações assíduas do que a dos que cultivam com suor o campo do Senhor, pois se aqueles não fizessem a abundância das graças divinas cair do céu para regar o campo, os operários do Evangelho colheriam de seu trabalho frutos certamente mais exíguos” [iii].
E outra vez, muito sabiamente: “Nenhuma alma consagrada ao Senhor está dispensada do sublime dever de continuar a missão salvífica do divino Redentor. É das religiosas que vivem no silêncio do claustro […] que a Igreja mais espera. Elas, como Moisés, têm os braços elevados em oração, conscientes de que é por tal atitude de súplica que se alcança vitória. E tão grande é a importância da contribuição dos religiosos de vida contemplativa para o apostolado, que por Copadroeira das missões — portanto, êmula de São Franciso Xavier — quis Pio XI não uma religiosa de vida ativa, mas uma carmelita, Santa Teresinha do Menino Jesus” [iv].
E assim, exercendo formalmente o apostolado da oração, da penitência e do exemplo ou do testemunho de uma vida cristã perfeita, exercem também eminentemente o apostolado da palavra [v], na medida em que lhe comunicam a seiva e a virtude pelas graças superabundantes que daí promanam.
Por esta razão diz Santo Tomás a respeito dos que se dedicavam à vida contemplativa em solidão: “Os [homens] de vida solitária são muito úteis ao gênero humano” [vi], a saber: por suas orações, mortificações e por seu testemunho heróico de vida cristã.
Com efeito, dada a comunhão de bens no Corpo de Cristo, que é a Igreja, nada nela se perde, senão que o bem de uma parte redunda e influi no bem das outras e de todo o Corpo. Eis por que o bem superior dos que se dedicam ao exercício da vida contemplativa reflui nos que se dedicam à vida ativa, e suas ações, pelas graças merecidas pela oração e pela penitência, tornam-se mais perfeitas e eficazes em ordem à salvação das almas.
Tanto os religiosos ativos como os contemplativos concorrem, de fato, para o bem comum da Igreja e para a salvação da Igreja, cada um ao seu modo: os mais santos e melhores, de modo mais amplo e eficaz; os menos santos e não tão bons, menos e com menor eficácia.
Mas como os religiosos professos de vida contemplativa estão num estado melhor e mais perfeito do que os professos de vida ativa, segue-se que os primeiros contribuem mais para o bem comum da Igreja e para a salvação das almas do que estes, no que [tal estado] tem em si e por força de sua profissão [religiosa].
A isso se referem as preclaras palavras do Doutor Comum da Igreja: “A vida dos justos é (principalmente) conservadora e promotora do bem comum, pois são eles a parte principal da comunidade” [vii].
O que achou desse conteúdo?