Santa Catarina nasceu em Alexandria, de pais pagãos. Era dotada de grande beleza pessoal, e possuía uma inteligência tão extraordinária, que dominava todas as ciências existentes na época em sua cidade natal. A única da qual não tinha conhecimento era a da salvação eterna, mas finalmente obteve-a da seguinte forma: enquanto dormia, teve a impressão de que a Rainha do Céu aparecia-lhe envolta numa admirável beleza, trazendo nos braços seu divino Filho. Ele, porém, virando o rosto para ela com descontentamento, disse que Catarina era feia, porque não fora batizada. 

Ao acordar, começou a pensar no sonho que teve e recebeu uma inspiração do Céu para tornar-se cristã. Depois de receber a devida instrução, finalmente recebeu o santo Batismo. Posteriormente, a Virgem Santíssima apareceu-lhe novamente em sonho ao lado de Cristo, que, olhando com ternura para Catarina, pôs um anel em seu dedo como sinal de que a escolhera por esposa. Ao acordar, encontrou um anel em seu dedo e, sem demora, decidiu consagrar  a virgindade ao Senhor e tornar-se uma cristã mais zelosa.

Maximino, o imperador, tinha estabelecido um certo dia para celebrar um sacrifício público em honra dos falsos deuses, e todos os habitantes da cidade foram obrigados a participar. Catarina ficou muito triste por ver que o povo honrava o demônio daquela maneira e não conhecia o verdadeiro Deus. Munida de coragem, entrou destemidamente no templo, onde o imperador assistia pessoalmente ao sacrifício, e, dirigindo-se a ele com liberdade cristã, mostrou-lhe como ele era cego por adorar ídolos e tentou convencê-lo da veracidade do cristianismo.

Santa Catarina subjugando o imperador. Pintura de Claudio Coello.

O imperador ficou muito surpreso com o fato de uma donzela ter ousado falar daquela maneira com ele, mas ao mesmo tempo ficou fascinado com a aparência e a eloquência de Catarina. Tão logo ele retornara ao palácio, Catarina foi novamente ao seu encontro e falou com tanta veemência sobre a falsidade dos deuses pagãos e a autenticidade da religião cristã, que o imperador não soube o que responder. 

Aquilo que era incapaz de fazer, pensava que outros poderiam fazer por ele. Então, convocou alguns dos homens mais eruditos para que respondessem aos argumentos de Catarina e a persuadissem a renunciar à fé cristã. Deus, porém, que, por meio de uma frágil donzela, poderia reduzir a nada a sabedoria dos pagãos, inspirou Santa Catarina com tal eloquência, que ela conseguiu convencê-los de seu erro. E o fez com tal perfeição, que renunciaram a ele publicamente  e proclamaram a fé cristã como a única verdadeira. O imperador, furioso com um desfecho tão inesperado, ordenou que aqueles novos confessores de Cristo fossem imediatamente executados. 

Em seguida, procurou fazer com que Catarina abandonasse a fé por meio de lisonjas e promessas; e quando viu que suas palavras não impressionavam a virgem, começou a ameaçá-la e, finalmente, mandou torturá-la. A santa foi açoitada com tanta crueldade e por tanto tempo, que todo o seu corpo ficou coberto de feridas, das quais o sangue escorria sem cessar. Os espectadores choravam de compaixão, mas Catarina, fortalecida por Deus, permanecia com os olhos voltados para o Céu, sem manifestar qualquer sinal de medo ou sofrimento. 

Após esse terrível castigo, Catarina foi levada a um calabouço e, por ordem do imperador, deixaram-na sem comer, para que pudesse definhar lentamente. Mas Deus enviou-lhe um anjo para remediar suas feridas e consolá-la. Depois, Ele mesmo apareceu-lhe pessoalmente, encorajou-a a lutar com bravura e prometeu-lhe a coroa da glória eterna. Quando viu as feridas de Catarina curadas, e a virgem resplandecente com uma beleza mais do que humana, emudeceu de espanto. A santa fez desse milagre uma ocasião para lhe falar da onipotência do Altíssimo e da farsa que eram os deuses pagãos. Falou com uma eloquência tão impressionante que tanto a imperatriz como Porfírio prometeram abraçar o cristianismo.

“Decapitação de Santa Catarina”, pelo Mestre de Colônia, século XV

Alguns dias depois, quando o imperador soube que Catarina não só ainda vivia como estava mais forte do que nunca, chamou-a à sua presença e voltou a assediá-la com promessas e ameaças. Porém, ao verificar que ela permanecia tão firme quanto antes, ordenou que fosse amarrada a uma roda cheia de pontas afiadas e facas. A heroína cristã não ficou horrorizada com essa ordem desumana, e invocou a Deus com confiança inabalável. Quando os carrascos a prenderam e ataram à roda, o Todo-Poderoso enviou um anjo que soltou os grilhões e despedaçou a roda. Muitos dos espectadores, ao presenciar esse milagre, exclamaram a plenos pulmões: “Grande é o Deus dos cristãos! Só Ele é o verdadeiro Deus!” 

Maximino permaneceu cego e pensava em novos tormentos, quando a imperatriz se aproximou, censurou-o pela barbaridade cometida contra uma donzela frágil e inocente, e confessou corajosamente que ela mesma não reconhecia nem adorava outro deus senão o Deus dos cristãos. O tirano, ao ouvir tais palavras, perdeu o controle e ordenou que a imperatriz e Porfírio fossem imediatamente decapitados, e que Catarina, como inimiga dos deuses, fosse levada para a praça pública e morta pela espada. 

A destemida virgem dirigiu-se com alegria até o local indicado, exortou todos os circunstantes a abandonar a idolatria, rezou a Deus pela conversão deles e, em seguida, recebeu o golpe que enviou sua alma para o Céu. Alguns autores antigos testemunham que do corpo de Santa Catarina saiu leite em vez de sangue, como acontecera na morte de São Paulo; e acrescentam que seu corpo foi milagrosamente transportado por anjos e sepultado no Monte Sinai, na Arábia.

“Santa Catarina transportada pelos anjos”, pintura de Karl von Blaas.

Considerações práticas

I. Antes de receber o Batismo, Catarina viu o Menino Jesus, nos braços da Santíssima Virgem, desviar o rosto dela, mas, depois de ter sido admitida na Santa Igreja pelo Batismo, este passou a olhar para ela com muita ternura. Isso porque, antes do Batismo, ela estava em pecado, mas, depois dele, tinha sido purificada e dotada de beleza espiritual. 

O pecado deforma a alma do homem e a torna horrível aos olhos de Deus. O Batismo e a verdadeira penitência (feita depois a recepção deste sacramento) purificam-na de todas as impurezas e conferem-lhe uma beleza tal que até o Todo-Poderoso passa a olhá-la com amor. 

Qual é a aparência de sua alma? Se ela estiver manchada por um único pecado, é mais deformada e horrível aos olhos de Deus do que qualquer outra coisa na terra. A alma neste estado assemelha-se a Lúcifer: de fato, este era o mais belo dos anjos, mas um pecado o transformou a tal ponto que, se o víssemos, morreríamos de pavor. Quão terrível será a aparência da sua alma, se ela estiver desfigurada não só por um, mas por muitos pecados? Então, por que não se apressa a fazer penitência, que o purificará, como um segundo Batismo? Por que você não se esforça por conservar limpa e bela a sua alma? 

Se o seu rosto tivesse uma imperfeição que o tornasse objeto de repugnância para todos, você não se esforçaria ao máximo por removê-la? Por que não fazer o mesmo com a sua alma, que, por causa do pecado, é terrível aos olhos do Todo-Poderoso? Se tivesse certeza de que, imediatamente após cometer um pecado, você perderia toda a beleza do rosto e do corpo, transformando-se em um monstro pavoroso, mesmo assim você pecaria? Muito provavelmente não. Então, por que peca, mesmo sabendo que isso deforma a alma, destrói toda a sua beleza e a transforma, aos olhos de Deus e de todos os santos, num monstro horripilante? Diz São Lourenço Justiniano: “Quem quiser preservar a beleza de sua alma, evite o pecado, porque não há nada que a deforme tanto quanto ele.”

“A Virgem e o Menino com Santa Catarina, Santo Agostinho, São Marcos e São João Batista”. Pintura de Tintoretto.

II. Catarina esforçou-se muito em obter conhecimentos mundanos, mas acabou conhecendo também a mais necessária de todas as ciências: a da salvação. Sem esta, todas as outras ciências lhe teriam sido inúteis. 

Hoje em dia, muitas pessoas estudam as mais diversas ciências e artes. Não poupam despesas, nem trabalho, nem tempo para se tornarem competentes nelas, e são honradas pelo mundo por suas descobertas. Mas a ciência da salvação, a mais necessária de todas, não é alcançada nem valorizada. Deparamo-nos com pessoas nas mais elevadas condições de vida que não conhecem nem mesmo os primeiros princípios da verdadeira fé. Adquiriram outros conhecimentos, mas sabem menos da ciência da salvação do que muitos indivíduos das classes menos favorecidas, menos até do que crianças de dez ou doze anos. De que lhes serve toda essa ciência? De que lhes serve tudo o que aprenderam, se não estudam a ciência da salvação e não conformam sua vida aos seus preceitos? 

Se você perguntasse em que consiste a ciência, Santo Tomás responderia da seguinte forma: “Em saber, primeiramente, o que deves crer; em segundo lugar, o que deves esperar e temer; em terceiro, o que e a quem deves amar; em quarto, o que deves fazer; e em quinto lugar, o que deves evitar para ganhar a vida eterna.” Em resumo, consiste em saber o que devemos crer, fazer e evitar para ganhar o Céu. E onde podemos aprender essa ciência? Certamente não em livros mundanos ou imorais, não no teatro, ou no convívio com pessoas frívolas, mas em sermões e instruções, em livros devotos e meditações piedosas. 

Você tem se esforçado, até o presente momento, por alcançar essa ciência? Já empregou todos os meios necessários para atingir esse objetivo? Sua conduta obedece aos preceitos dela? São três perguntas importantes que merecem uma reflexão séria. Porque, se você não se esforçar por aprender a ciência da salvação, se não empregar os meios necessários para aprendê-la, nunca a conhecerá e, portanto, será infeliz para sempre, pois sua ignorância será voluntária e, consequentemente, culpável. E se, mesmo tendo adquirido essa grande ciência, não viver de acordo com esses ensinamentos, então o conhecimento dela o ajudará muito pouco, tal como acontece com os demônios e os condenados, que também sabiam o que era necessário para alcançar a salvação, mas não viveram de acordo com esse conhecimento. 

“É inútil”, diz São Próspero, “aprender o que devemos fazer, e não orientar nossa conduta de acordo com isso.” Cristo diz: “Se compreendeis estas coisas, bem-aventurados sereis se as praticardes” (Jo 13, 17). O conhecimento da ciência da salvação, por si só, não salva, mas, se vivermos e agirmos em conformidade com ele, ganharemos a vida eterna. Saber e não agir de acordo com esse conhecimento, torna-nos merecedores do castigo. O próprio Cristo diz, do servo que conhecia a vontade do seu Senhor e não agiu em conformidade com ela: “Levará muitos açoites” (Lc 12, 47). 

É fácil deduzir, portanto, o que deve ser feito. Procure aprender a ciência da salvação, empregue todos os meios necessários para adquiri-la e, então, discipline sua vida com base no conhecimento dela. Os pais são obrigados, sob pena de punição eterna, a zelar para que seus filhos sejam instruídos desde cedo nessa ciência, que é para eles um conhecimento mais necessário do que qualquer outro. Ai dos pais que negligenciarem esse dever! 

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 661ss.

O que achou desse conteúdo?

Mais recentes
Mais antigos