Notburga, serva piedosa, fiel e santa, foi chamada por Deus, no mês de setembro de 1313, para receber no Céu a recompensa por suas virtudes. Seu exemplo deve ser seguido por todos que se acham em situação semelhante. Ela nasceu em Rotemburgo, no ano 1266, de pais muito piedosos, mas pobres. Aos dezoito anos, foi viver com os habitantes do castelo que deu origem ao nome de Rotemburgo. Foi encarregada da cozinha e cumpriu seus deveres com tanta fidelidade e competência que acabou assumindo os cuidados de toda a casa. 

Embora sua posição fosse humilde aos olhos do mundo, estava perfeitamente satisfeita com ela e só pensava em como servir dignamente a Deus e obter sua salvação. Iniciava cada dia com uma oração fervorosa e, mesmo que esta tivesse de ser breve, por causa do trabalho, rezava com grande devoção. Logo pela manhã, oferecia a Deus todo o seu trabalho, todos os sofrimentos que teria de suportar durante o dia, e pedia humildemente para ser preservada mesmo do menor pecado. 

Obedecia em tudo ao seu senhor e à sua senhora, segundo a admoestação de São Paulo. Nunca estava impaciente, mal-humorada ou descontente no trabalho, e sempre que podia dedicava tempo à oração ou à leitura de um livro piedoso. Jamais desejava frequentar os lugares onde as pessoas de sua posição passavam o tempo em danças ou outros divertimentos, que tão facilmente se tornam perigosos, pois estava convencida de que ninguém saía deles mais piedoso, senão geralmente mais frívolo e perverso.

Vitral retratando Santa Notburga.

Em resumo, ela vivia de tal maneira que podia ser considerada um exemplo para todos os trabalhadores domésticos. Tinha grande piedade dos pobres e, por isso, pedia licença para lhes dar o que sobrava da mesa. A permissão era concedida e Notburga, muito contente, fazia uso dela sem ultrapassar os limites que lhe eram impostos, pois era escrupulosamente honesta. Jamais pegava a mais ínfima coisa para si, nem dava coisa alguma sem a ciência e o consentimento de seu senhor. 

Mesmo tendo de sofrer muito com as outras criadas, respeitava mais os Mandamentos de Deus e as ordens de seu senhor que os pedidos injustos das suas companheiras. Temia ofender mais a Deus do que aos homens. Graças a isso e outras boas qualidades, Notburga era muito estimada por seu senhor e sua senhora, que pretendiam mantê-la sempre com eles; e estes aconselhavam o filho Henrique a nunca abandonar Notburga, nem se opor à caridade que ela fazia aos pobres, se quisesse ter a bênção de Deus em sua casa.

No entanto, assim que os pais de Henrique faleceram, Otília, sua esposa, proibiu Notburga de dar as esmolas habituais aos pobres, ordenando-lhe que jogasse aos porcos tudo o que sobrava da mesa. A piedosa jovem ficou muito triste com isso, mas obedeceu à nova patroa. Para deixar aos pobres um pouco de conforto, levava, às vezes, apenas uma casca de pão e um pouco de água, e dava a eles sua própria comida, pois isso não lhe tinha sido proibido. Mas, por fim, nem mesmo isso foi permitido por sua jovem e insensível patroa, sob o pretexto de que tal atitude estava atraindo para o castelo todo o tipo de vagabundos que, cedo ou tarde, poderiam causar muitos prejuízos.

Otília também disse a Henrique que Notburga tirava mais coisas de casa do que lhe era permitido e, portanto, devia ser demitida por desonestidade. Henrique procurou convencer-se pessoalmente desse fato e, um dia, viu Notburga levando no avental o pouco que tinha guardado de seus próprios alimentos para entregar aos pobres. Quando lhe perguntou o que transportava, ela abriu o avental, no qual só se viam lascas, enquanto no frasco, que ela também transportava, sentia-se o forte cheiro de soda cáustica. Relatou o fato à mulher, desejando proteger a jovem inocente, mas Otília achou que tudo fora feito para zombar dela e, depois de cobrir a serva de insultos, mandou-a sair de casa.  

A senhora pouco caridosa foi logo atingida pelo castigo divino, adoecendo gravemente no mesmo dia. Notburga, esquecendo-se de todas as ofensas, cuidou dela com uma bondade sem limites. Quando os médicos declararam que a doença era mortal, a piedosa serva dirigiu-se à patroa com muita amabilidade, exortando-a a receber os santos sacramentos, encorajando-a a suportar pacientemente os seus sofrimentos, e só a deixou depois que ela faleceu. 

Na noite seguinte, ouviu-se um barulho terrível nos estábulos dos porcos, que impedia todos os habitantes do castelo de dormir. Chamaram um padre, que perguntou ao espírito inquieto, por meio do ritual de exorcismo, quem era ele e por que provocava tal perturbação. A resposta foi a seguinte: 

Sou a alma de Otília e, embora tenha conseguido escapar do Inferno pela participação nos santos sacramentos, fui condenada a permanecer algum tempo aqui, por minha falta de caridade para com os pobres e porque ordenei que a comida que sobrava da minha mesa fosse dada aos porcos e não aos necessitados. 

Podemos facilmente imaginar o medo e a consternação provocados por esse acontecimento em todos que ouviram falar dele.

Escultura de Santa Notburga, feita por Christian Jorhan, o Velho.

Notburga não pretendia ficar mais tempo no castelo e como, antes de Otília adoecer, tinha recebido a ordem de partir, pôs-se à disposição de um agricultor que vivia a cerca de 1,5 km de Rotemburgo. A fazenda, chamada Eben, era muito isolada, pois estava situada entre montanhas e penhascos. Não muito longe dela havia uma pequena capela, dedicada a São Ruperto, onde Notburga passava muitas horas depois de concluir o trabalho quotidiano, sobretudo nas vigílias, domingos e feriados. 

Em todos os outros aspectos, levava a mesma vida que levara durante muitos anos no castelo. Henrique, seu antigo senhor, não tardou a perceber que, com Notburga, a bênção de Deus também havia deixado a sua casa. Um infortúnio após o outro abateu-se sobre ele, seus campos e seu gado. Por isso, procurou levar a piedosa jovem de volta ao seu antigo lugar. Dirigindo-se a ela, suplicou-lhe que perdoasse o mal que lhe fora feito, e que regressasse ao castelo, com a promessa de que, em relação aos pobres, teria os mesmos privilégios de que gozava enquanto seus pais estavam vivos. Notburga recusou-se a deixar a fazenda sem o consentimento de seu senhor, mas, obtida a autorização, não hesitou mais, e as bênçãos do Céu voltaram com ela ao castelo. A santa mulher, por sua vez, permaneceu até o fim a mesma serva piedosa, trabalhadora, obediente e caridosa de sempre. 

Aos 47 anos de idade, sentiu que se aproximava seu fim e, após uma cuidadosa preparação, concluiu sua santa vida, não sem uma breve luta, a 14 de setembro de 1313. Quando Henrique lhe perguntou, antes da morte, onde desejava ser enterrada, ela respondeu: “No local aonde, sem condutor, dois bois levarem meu corpo.” Logo após a morte dela, Henrique ordenou que seu corpo fosse posto num caixão e atrelado a uma carroça com dois bois. Então, as portas do castelo foram abertas e os animais, saindo pelo pátio, seguiram pela estrada principal. Depois de caminhar durante algum tempo, estes viraram de súbito para o Rio Inn e, como não havia ponte para atravessá-lo, entraram na água e levaram o corpo em segurança para a outra margem. 

Henrique, seguindo os bois com alguns criados, atravessou o rio num barco. Os animais seguiram tranquilamente até chegar a um cruzamento, onde pararam e descansaram um pouco. Pararam novamente junto ao muro que circunda a capela de São Ruperto. Julgaram, então, que Notburga queria ser enterrada ali, mas os bois, com um movimento rápido, entraram na capela e voltaram a aparecer, alguns minutos depois, com a carroça vazia. Henrique e os outros entraram na capela, onde, para seu espanto, encontraram o caixão diante do altar, colocado ali sem a ajuda de mãos humanas. 

Ninguém conseguia entender como os animais conseguiram virar a carroça na capela estreita e puxá-la de novo para fora, e todos reconheciam que a mão de Deus havia feito aquele milagre para glorificar entre os homens a sua serva fiel. Como já não houvesse mais dúvidas quanto ao lugar em que devia repousar o seu santo corpo, prepararam-lhe um túmulo na capela, onde seus restos mortais foram depositados com a devida reverência. A igreja foi depois ampliada, e a santa, colocada entre os santos protetores do país. 

“Notburga de Rotemburgo”, em pintura de Eduard von Grützner.

Notburga é representada com uma foice na mão pelo seguinte motivo. Quando, como já dissemos, ela se pôs à disposição de um lavrador, estabeleceu a condição de interromper o trabalho em todas as vigílias, ao toque dos sinos da igreja, a fim de se preparar para a festa do dia seguinte com orações e outros exercícios de piedade. O lavrador aceitou o pedido, mas quando, num sábado, após das badaladas dos sinos, ainda faltava cortar o milho, não permitiu que a serva saísse do campo, alegando que primeiro devia terminar seu trabalho, e que ela não desagradaria a Deus se, para tanto, se desviasse de seu costume. Ela respondeu: “Tu podes pensar assim, mas eu penso diferente. O Céu decidirá quem tem razão. Pendurarei minha foice no ar. Se ela cair, é sinal de que tens razão, mas, se não cair, é sinal de que estou certa”. O agricultor aceitou o desafio. Notburga pendurou a foice no ar, onde ficou suspensa, para grande espanto de todos os presentes, que passaram a estimar ainda mais a piedosa serva do Senhor.

Este fato e o outro acima relatado foram testemunhados por muitas pessoas e, depois de submetidos a uma análise severa, foram considerados verdadeiros. No que diz respeito a este último milagre, convém acrescentar que Notburga havia estabelecido a condição acima mencionada por uma inspiração particular de Deus; caso contrário, seu gesto poderia parecer uma presunçosa tentação do Todo-Poderoso.

Considerações práticas

I. Todos os trabalhadores domésticos podem aprender, com a vida de Santa Notburga, como viver piedosamente em sua classe social e alcançar a salvação. 

Em primeiro lugar, devem contentar-se com a posição em que Deus os colocou. Todos os dias, bem cedo, devem fazer uma oração piedosa, ainda que breve, e oferecer a Deus tudo o que farão e tudo o que lhes acontecerá ao longo do dia, suplicando ao Todo-Poderoso que os proteja de todo pecado. Devem ser leais em seu trabalho e na gestão do que lhes foi confiado. Sem a permissão de seus patrões, não devem pegar nada para si ou para os outros, não importa o quanto possam sofrer com seus companheiros de serviço. 

Se, durante o dia, lhes sobra tempo do trabalho, devem empregá-lo proveitosamente na oração ou na leitura de livros devotos. Ocasionalmente, durante o trabalho — por exemplo, ao toque do relógio —, devem elevar seus pensamentos a Deus, renovar suas boas intenções e pedir a Deus que os abençoe. Em relação aos pobres, devem ser bondosos no coração e nas ações, mas jamais sem a permissão de seu superior. Devem também mortificar-se voluntariamente na comida e na bebida. 

Devem passar com piedade os domingos e dias santos de guarda, não só abstendo-se de todo o trabalho inútil, mas também exercitando-se em boas obras. Nenhuma lei nos obriga a não trabalhar nas vésperas das grandes festas, como fazia Santa Notburga, a fim de preparar-se para o dia seguinte. No entanto, “no domingo e nos outros dias festivos de preceito, os fiéis têm obrigação de participar na Missa”, devendo abster-se ainda “daqueles trabalhos e negócios que impeçam o culto a prestar a Deus, a alegria própria do dia do Senhor, ou o devido repouso do espírito e do corpo” (Código de Direito Canônico, cân. 1247). Peca gravemente quem trabalha nestes dias como se fossem dias comuns. E não erram menos os patrões ao permitir este trabalho, tornando-se ainda mais culpados se o ordenam, impedindo a participação de seus criados na Santa Missa. Ninguém creia, pois, que pode trabalhar a seu bel-prazer nos domingos ou dias santos. Essa doutrina emana dos espíritos do Inferno e dos inimigos da Igreja, e não do Todo-Poderoso.

Santa Notburga. Autor desconhecido, século XVII.

II. Além de outras características marcantes de Santa Notburga, é digno de nota o fato de ela nunca ter desejado frequentar lugares onde as pessoas perdiam o tempo com danças e outras diversões perigosas. Ela empregava esse tempo, com muito mais utilidade, na oração e na leitura devota. 

Uma pessoa que, talvez negligenciando um sermão ou outros exercícios piedosos, passa o tempo nos domingos e dias santos passeando, especialmente com pessoas do outro sexo, ou se compraz em ir a bailes e outros locais de diversão questionáveis, coloca-se em perigo muito maior do que talvez perceba. 

Aqueles que desejam viver piedosamente e salvar suas almas, devem precaver-se disso. Ninguém volta mais piedoso de tais divertimentos. Muitos, em tais ocasiões, perderam a piedade e a inocência, ficaram tristes e envergonhados, tornaram-se odiosos a Deus e aos homens, e perderam sua felicidade temporal e eterna. Nas vidas dos santos, não encontrei exemplos de jovens que amassem a castidade, nem de cristãos piedosos em geral, que frequentassem bailes, principalmente em casas públicas ou outros lugares suspeitos. Pelo contrário, li muitas vezes que eles evitavam cuidadosamente tais lugares. 

Observei também que eles nem sequer olhavam para as danças frívolas por curiosidade, temendo que a visão delas lhes despertasse pensamentos e desejos pecaminosos, como infelizmente acontece a muitos. “A dança leva muitos a cometer grandes pecados”, diz São Francisco de Sales, e o mesmo podemos dizer do ato de observá-la. Se, portanto, buscamos o perigo e nos expomos a ele de forma arbitrária, é de admirar que caiamos? Se você preza a sua salvação, evite tais coisas, sobretudo nos domingos e dias santos. Dançando ou observando a dança, certamente não guardamos esses dias como se ordena aos cristãos. São Carlos Borromeu, que não era menos zeloso pela honra de Deus que pela salvação dos seus, deixou-nos estas memoráveis palavras: 

Passar os dias santos, instituídos para meditar os mistérios de Deus e os benefícios que Ele concede aos homens, na bebida, no jogo e na dança, por meio dos quais se provoca uma sensualidade vergonhosa, proporcionando ao demônio um grande prazer, é um vício, uma terrível infâmia. 

Compreenda bem isto. Dançar, principalmente aos domingos e dias santos, equivale a dar prazer ao demônio, a incitar o homem à sensualidade grosseira; é um vício, uma infâmia horrível. Quando observamos como a dança é praticada de forma imprópria nas casas públicas, posso perguntar: São Carlos está certo ou errado no que diz sobre ela?

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 385ss.

Notas

  1. Nesta parte, tivemos de modificar o texto do Pe. Francis X. Weninger, levando em conta as mudanças na legislação canônica a esse respeito. Cabe lembrar também que, independentemente de época, alguns serviços não podem parar, mesmo aos domingos e dias santos de guarda. É o caso de hospitais, farmácias, restaurantes, postos de combustíveis, aeroportos, ônibus, táxis, serviços de segurança etc. Os proprietários desses estabelecimentos, porém, devem se esforçar para organizar estes trabalhos de tal maneira que os seus funcionários possam guardar o preceito dominical. (N.T.)

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