No dia 4 de outubro, a Igreja celebra a festa de São Francisco de Assis, o “pequeno pobre homem” cuja vida inspira pessoas de todas as religiões há mais de 800 anos. G. K. Chesterton disse de São Francisco: “Foi um poeta cuja vida inteira foi um poema”. Certamente, a maioria de nós está familiarizada com os principais acontecimentos do poema: São Francisco abraça o leproso; Cristo pede-lhe que reconstrua sua Igreja; São Francisco despe-se e renuncia a todos os seus bens; arrisca a vida para pregar ao Sultão; e torna-se a primeira pessoa a receber os estigmas.

A desvantagem de estar familiarizado com a vida de um santo, porém, é que ela começa a parecer mais um conto de fadas e menos um relato verdadeiro da fé e do heroísmo de uma pessoa real, que pode ser uma inspiração para vivermos hoje de maneira diferente. Seria uma tragédia fazer isso com São Francisco, porque sua vida transborda de inspiração para quem deseja viver o Evangelho e aproximar-se de Deus. Embora as histórias de Francisco a pregar aos pássaros, a domesticar o lobo de Gubbio e a jejuar por quarenta dias com meio pão de forma sejam belas e profundamente comoventes, pode ser difícil para algumas pessoas ver como esses eventos podem ser aplicados aos problemas que enfrentamos hoje. Para aqueles que sentem ter pouco em comum com São Francisco, que fez tantos milagres, pode ser útil olhar para ele antes de sua conversão. Isso pode nos ajudar a lembrar que ele era um homem real, com ambições, desejos e fraquezas reais assim como nós, mas que foi capaz, com a graça de Deus, de escolher as coisas do céu em vez das coisas do mundo.

São Francisco de Assis, retratado por José de Ribera.

São Francisco de Assis nasceu no final de 1181 ou no início de 1182, filho de Pedro e Pica Bernardone. Seus biógrafos concordam que Francisco foi criado no luxo e na vaidade da época. Francisco aprendeu latim, o catecismo e a ler e escrever na escola; mas, quando jovem, foi mais influenciado pelas histórias de cavaleiros e contos de cavalaria que aprendeu com os trovadores que se espalharam da França para a Itália. Esses poetas cantavam sobre as lendas de Carlos Magno, do Rei Artur e de bravos cavaleiros, e essas histórias tiveram um grande impacto no jovem Francisco. Ele era generoso com seus amigos e com os pobres e, a certa altura, resolveu nunca recusar esmola a quem lha pedisse. Tomás de Celano, um dos seus primeiros biógrafos, diz: “Evitando ferir alguém e sendo muito cortês com todos, ele se fez amado universalmente”. Esses traços, seu amor pelos contos de cavalaria, sua generosidade para com os pobres e sua cortesia para com todos que encontrava, permaneceram sempre com Francisco e foram as sementes da grande santidade que mais tarde marcaria sua vida.

Francisco cresceu em uma época de guerras constantes, quando as cidades lutavam continuamente entre si e a fama era conquistada na batalha. Quando Francisco tinha cerca de 25 anos, surgiu uma disputa entre os príncipes alemães e o Papa Inocêncio III, e a guerra eclodiu. Como muitos outros soldados da Itália, Francisco decidiu juntar-se aos exércitos papais. Ele gastou uma pequena fortuna preparando as roupas, armaduras e equipamentos de que precisaria para a batalha, e então partiu às pressas para a Apúlia, no sul da Itália. No caminho, encontrou um cavaleiro vestido de trapos e, com pena, Francisco tirou as vestes bordadas que levava e deu-lhas. Naquela noite, dormiu e teve um sonho. Nele, a casa do pai estava cheia de armas e soldados, e uma linda princesa seria sua noiva. Quando acordou, ficou por um momento cheio de alegria; mas, depois de refletir um pouco, Francisco ficou perturbado, porque concluiu que o sonho não simbolizava a honra e a glória terrena que tanto desejava. Ele continuou sua jornada e, na noite seguinte, parou em Espoleto. Enquanto dormia, ouviu uma voz dizendo-lhe que voltasse ao próprio país, onde lhe seria revelado o que devia fazer a seguir. No dia seguinte, ele voltou a Assis, onde ficou claro para as pessoas que o conheciam que Francisco era um homem mudado. 

Como de costume, os amigos o convidaram para uma festa e ele aceitou. Entretanto, não podia mais desfrutar da farra e da bebida e, então, no fim daquela noite, quando todos saíram do salão de festas, ele começou a rezar. Seu biógrafo, Tomás de Celano, escreve:

Foi então que a graça divina desceu sobre ele, iluminando-o quanto ao nada das vaidades terrenas e revelando-lhe as realidades invisíveis. De repente, foi inundado por uma tal torrente de amor, submerso em tal doçura, que ficou ali imóvel, sem ver nem ouvir nada. Com o tempo, perdeu todo o gosto pelos negócios e gradualmente se foi afastando do mundo.

Depois dessa revelação, nada mais no mundo o satisfazia, e ele só encontrava contentamento nas coisas de Deus. Mesmo que ainda não soubesse exatamente o que Deus o estava chamando a fazer, ele começou a investir o tempo em orações e meditações, confiando em que Deus lhe mostraria o caminho. Conhecemos o resto da história e sabemos do incrível impacto que a vida de São Francisco teve nas pessoas que ele conheceu em vida e em todos aqueles que leram ou ouviram falar dele nos últimos oito séculos. Há uma lição a ser aprendida em cada detalhe e acontecimento da vida de São Francisco, e com esta história não é diferente. Nela, vemos o desejo de Francisco de fazer grandes coisas, coisas heróicas; sua generosidade para com todos; e sua cortesia para com todas as pessoas que conheceu. Esses elementos foram o terreno fértil para o seu crescimento na graça de Deus. Vemos Francisco lutar com o chamado de Deus, resistir por um tempo, mas depois aceitar. Naquela noite, ao final da última festa em que estaria com os amigos, chegou o momento da graça: ele experimentou o consolo de Deus e viu claramente o vazio do mundo. Depois, passou algum tempo em oração, sem saber o que fazer a seguir, mas confiando em que Deus o ajudaria.

Cada um de nós pode aplicar esse exemplo na própria vida. Talvez os resultados não sejam tão notáveis como os da vida de São Francisco. Mas se persistirmos na caridade e nas boas obras; se ouvirmos a voz de Deus quando Ele nos chama; e se permanecermos abertos quando Ele nos mostrar que poder, popularidade, dinheiro e posses — tudo o que o mundo nos oferece — nunca nos irá satisfazer, nós seremos mudados. Viveremos com mais simplicidade, para poder dar mais aos necessitados; seremos cheios da alegria que só Deus pode nos dar; sem dúvida, estaremos mais próximos de Deus e poderemos compartilhar nossa fé com mais autenticidade. Ainda nesta vida, experimentaremos um pouco do que escreveu São Paulo e do que Francisco viveu tão lindamente: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1Cor 2, 9).

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