Atualmente, quais são as maiores necessidades da Igreja?
Não deveis considerar a nossa resposta simplista, ou até supersticiosa e irreal: uma das maiores necessidades é a defesa daquele mal, a que chamamos Demônio.
Antes de esclarecermos o nosso pensamento, convidamos o vosso a abrir-se à luz da fé sobre a visão da vida humana, visão que, deste observatório, se alarga imensamente e penetra em singulares profundidades. E, para dizer a verdade, o quadro que somos convidados a contemplar com integral realismo é muito belo. É o quadro da criação, a obra de Deus, que o próprio Deus, como espelho exterior da própria sabedoria e poder, admirou em sua beleza substancial (cf. Gn 1, 10ss).
Além disso, é muito interessante o quadro da história dramática da humanidade, da qual emerge a da redenção, a de Cristo, da nossa salvação, com os seus magníficos tesouros de revelação, de profecia, de santidade, de vida elevada a nível sobrenatural, de promessas eternas (cf. Ef 1, 10). Se soubermos contemplar este quadro, não poderemos deixar de ficar encantados; tudo tem um sentido, tudo tem um fim, tudo tem uma ordem e tudo deixa entrever uma Presença-Transcendência, um Pensamento, uma Vida e, finalmente, um Amor, de tal modo que o universo, por aquilo que é e por aquilo que não é, se apresenta como uma preparação entusiasmante e inebriante para alguma coisa ainda mais bela e mais perfeita (cf. 1Cor 2, 9; 13, 12; Rm 8, 19-23).
A visão cristã do cosmo e da vida é, portanto, triunfalmente otimista; e esta visão justifica a nossa alegria e o nosso reconhecimento pela vida, motivo por que, celebrando a glória de Deus, nós cantamos a nossa felicidade.
O ensinamento das Sagradas Escrituras
Esta visão, porém, é completa, é exata? Não nos importamos, porventura, com as deficiências que se encontram no mundo, com o comportamento anormal das coisas em relação à nossa existência, com a dor, com a morte, com a maldade, com a crueldade, com o pecado, numa palavra, com o mal? E não vemos quanto mal existe no mundo especialmente quanto à moral, ou seja, contra o homem e, simultaneamente, embora de modo diverso, contra Deus? Não constitui isto um triste espetáculo, um mistério inexplicável? E não somos nós, exatamente nós, cultores do Verbo e cantores do Bem, nós, crentes, os mais sensíveis, os mais perturbados perante a observação e a prática do mal?
Nós o encontramos no reino da natureza, onde muitas de suas manifestações, segundo nos parece, denunciam a desordem. Depois, encontramo-lo no âmbito humano, onde se manifestam a fraqueza, a fragilidade, a dor, a morte e ainda coisas piores; observa-se uma dupla lei contrastante, que, por um lado, quereria o bem, e, por outro, se inclina para o mal, tormento este que São Paulo põe em humilde evidência para demonstrar a necessidade e a felicidade de uma graça salvadora, ou seja, da salvação trazida por Cristo (cf. Rm 7); já o poeta pagão Ovídio tinha denunciado este conflito interior no próprio coração do homem: “Video meliora proboque, deteriora sequor”, vejo o que é bom e o aprovo, mas sigo o mal (Metamorfoses 7, 19). Encontramos o pecado, perversão da liberdade humana, e causa profunda da morte, por ser afastamento de Deus, fonte da vida (cf. Rm 5, 12), e também a ocasião e o efeito de uma intervenção, em nós e no nosso mundo, de um agente obscuro e inimigo, o Demônio. O mal já não é apenas uma deficiência, mas uma eficiência, um ser vivo, espiritual, pervertido e perversor. Realidade terrível. Misteriosa e medonha.
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Sai do âmbito dos ensinamentos bíblicos e eclesiásticos quem se recusa a reconhecer a existência desta realidade; ou pior, quem faz dela um princípio em si mesmo, como se não tivesse, como todas as criaturas, origem em Deus; ou ainda, quem a explica como uma pseudo-realidade, como uma personificação conceitual e fantástica das causas desconhecidas das nossas desgraças. O problema do mal, visto na sua complexidade e absurdidade em relação à nossa racionalidade unilateral, torna-se uma obsessão. Constitui a maior dificuldade para a nossa compreensão religiosa do cosmo. Foi por isso que Santo Agostinho penou durante vários anos: “Quaerebam unde malum, et non erat exitus”, procurava de onde vinha o mal e não encontrava a explicação (Confissões, VII, 5ss).
Vejamos, então, a importância que adquire a advertência do mal para a nossa correta concepção cristã do mundo, da vida e da salvação. É o próprio Cristo quem nos faz sentir esta importância. Primeiro, no desenvolvimento da história, haverá quem não recorde a página, tão densa de significado, da tríplice tentação? E ainda, em muitos episódios evangélicos, nos quais o Demônio se encontra com o Senhor e aparece nos seus ensinamentos (cf. Mt 12, 43)? E como não haveríamos de recordar que Jesus Cristo, referindo-se três vezes ao Demônio como seu adversário, o qualifica como “príncipe deste mundo” (Jo 12, 31; 14, 30; 16, 11)?
A ameaça desta nociva presença é indicada ainda em muitas passagens do Novo Testamento. São Paulo chama-lhe “deus deste mundo” (2Cor 4, 4) e previne-nos contra as lutas ocultas, que nós cristãos devemos travar não só com o Demônio, mas com a sua tremenda pluralidade: “Revesti-vos da armadura de Deus para que possais resistir às ciladas do Demônio. Porque nós não temos de lutar (só) contra a carne e o sangue, mas contra os Principados, contra os Dominadores deste mundo tenebroso, contra os Espíritos malignos espalhados pelos ares” (Ef 6, 11-12).
Diversas passagens do Evangelho dizem-nos que não se trata de um só demônio, mas de muitos (cf. Lc 11, 21; Mc 5, 9), um dos quais é o principal: Satanás, que significa o adversário, o inimigo; e, ao lado dele, estão muitos outros, todos criaturas de Deus, mas decaídas, porque rebeldes e condenadas; constituem um mundo misterioso transformado por um drama muito infeliz, do qual conhecemos pouco (cf. DS 800).
O inimigo oculto que semeia erros
Conhecemos, todavia, muitas coisas deste mundo diabólico, que dizem respeito à nossa vida e a toda a história humana. O Demônio é a origem da primeira desgraça da humanidade; foi o tentador pérfido e fatal do primeiro pecado, o pecado original (cf. Gn 3; Sb 1, 24). Com aquela falta de Adão, o Demônio adquiriu um certo poder sobre o homem, do qual só a redenção de Cristo nos pode libertar.
Trata-se de uma história que ainda hoje existe: recordemos os exorcismos do Batismo e as frequentes referências da Sagrada Escritura e da Liturgia ao agressivo e opressivo “domínio das trevas” (cf. Lc 22, 53; Cl 1, 13). Ele é o inimigo número um, o tentador por excelência. Sabemos, portanto, que este ser mesquinho, perturbador, existe realmente e que ainda atua com astúcia traiçoeira; é o inimigo oculto que semeia erros e desgraças na história humana. Deve-se recordar a significativa parábola evangélica do trigo e da cizânia, síntese e explicação do ilogismo que parece presidir às nossas contrastantes vicissitudes: “Inimicus homo hoc fecit”, foi algum inimigo que fez isso (Mt 13, 28).
Ele é “o homicida desde o princípio… e pai da mentira”, como o define Cristo (cf. Jo 8, 44-45); é o insidiador sofista do equilíbrio moral do homem. Ele é o pérfido e astuto encantador, que sabe insinuar-se em nós através dos sentidos, da fantasia, da concupiscência, da lógica utópica, ou de desordenados contatos sociais na realização de nossa obra, para introduzir neles desvios, tão nocivos quanto, na aparência, conformes às nossas estruturas físicas ou psíquicas, ou às nossas profundas aspirações instintivas.
Este capítulo, relativo ao Demônio e ao influxo que ele pode exercer sobre cada pessoa, assim como sobre comunidades, sobre inteiras sociedades, ou sobre acontecimentos, é um capítulo muito importante da doutrina católica, que deve ser estudado novamente, dado que hoje o é pouco. Algumas pessoas julgam encontrar nos estudos de psicanálise e de psiquiatria, ou em experiências espíritas, hoje infelizmente tão difundidas em alguns países, uma compensação suficiente. Receiam cair em velhas teorias maniqueístas, ou em divagações fantásticas e supersticiosas. Preferem mostrar-se fortes, livres de preconceitos, assumir ares de positivistas, mas depois dão crédito a muitas superstições mágicas ou populares, ou pior, abrem a própria alma — a própria alma batizada, visitada tantas vezes pela presença eucarística e habitada pelo Espírito Santo! — às experiências licenciosas dos sentidos, às experiências deletérias das drogas, assim como às seduções ideológicas dos erros na moda, fendas estas por onde o Maligno pode facilmente penetrar e alterar a mentalidade humana.
Não quer dizer que todo pecado seja devido diretamente à ação diabólica (cf. S.Th. I, q. 104, a. 3); mas também é verdade que aquele que não vigia, com certo rigor moral, a si mesmo (cf. Mt 12, 45; Ef 6, 11), se expõe ao influxo do “mysterium iniquitatis”, ao qual São Paulo se refere (2Ts 2, 3-12) e que torna problemática a alternativa da nossa salvação.
A nossa doutrina torna-se incerta, obscurecida como está pelas próprias trevas que circundam o Demônio. Mas a nossa curiosidade, animada pela certeza da sua existência múltipla, torna-se legítima com duas perguntas. Há sinais da presença da ação diabólica e quais são eles? Quais são os meios de defesa contra um perigo tão traiçoeiro?
Presença da ação do Maligno
A resposta à primeira pergunta requer muito cuidado, embora os sinais do Maligno às vezes pareçam tornar-se evidentes (cf. Tertuliano, Apologia, 23). Podemos admitir a sua sinistra atuação onde a negação de Deus se torna radical, sutil ou absurda; onde o engano se revela hipócrita, contra a evidência da verdade; onde o amor é anulado por um egoísmo frio e cruel; onde o nome de Cristo é empregado com ódio consciente e rebelde (cf. 1Cor 16, 22; 12, 3); onde o espírito do Evangelho é falsificado e desmentido; onde o desespero se manifesta como a última palavra, etc.
Mas este é um diagnóstico demasiado amplo e difícil, que agora não ousamos aprofundar nem autenticar; que não é desprovido de dramático interesse para todos, e ao qual até a literatura moderna dedicou páginas famosas. O problema do mal continua a ser um dos maiores e permanentes problemas para o espírito humano, mesmo depois da resposta vitoriosa que Jesus Cristo dá a respeito dele. “Nós sabemos — escreve o evangelista São João — que somos de Deus, ao passo que o mundo inteiro está sob o poder do Maligno” (1Jo 5, 19).
Defesa do cristão
À outra pergunta, sobre com que defesa, com que remédio combater a ação do Demônio, a resposta é mais fácil de ser formulada, embora seja difícil pô-la em prática. Podemos dizer que tudo aquilo que nos defende do pecado nos protege, por isso mesmo, contra o inimigo invisível. A graça é a defesa decisiva. A inocência assume um aspecto de fortaleza.
E, depois, todos devem recordar o que a pedagogia apostólica simbolizou na armadura de um soldado, ou seja, as virtudes que podem tornar o cristão invulnerável (cf. Rm 13, 12; Ef 6, 11.14.17; 1Ts 5, 8). O cristão deve ser militante; deve ser vigilante e forte (1Pd 5, 8); e, algumas vezes, deve recorrer a algum exercício ascético especial, para afastar determinadas invasões diabólicas; Jesus ensina-o, indicando o remédio “na oração e no jejum” (Mc 9, 29). E o apóstolo indica a linha mestra que se deve seguir: “Não te deixes vencer pelo mal; vence o mal com o bem” (Rm 12, 21; Mt 13, 29).
Conscientes, portanto, das presentes adversidades em que hoje se encontram as almas, a Igreja e o mundo, cuidemos de dar sentido e eficácia à usual invocação da nossa oração principal: “Pai nosso…, livrai-nos do mal”.
Contribua para isso a nossa Bênção Apostólica.
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