O primeiro ato de culto à Bem-aventurada Virgem chama-se veneração ou honra, a qual abarca atos tanto internos (por exemplo, estima à Mãe de Deus) quanto externos.

O culto de veneração devido a Nossa Senhora

1) A Sagrada Escritura nos mostra anjos e santos — inspirados pelo Espírito divino — em ato de profunda veneração à Virgem.

O Evangelho, com efeito, nos narra o profundo ato de veneração do anjo à própria Virgem no dia em que ela se tornou Mãe de Deus. Saudou-a como cheia de graça e bendita entre as mulheres. Por que razão, pois, não poderemos nós repetir o mesmo ato e as mesmas palavras de veneração proferidas outrora pelo anjo, investido de missão divina?

Também um reformado — Dietlein — em sua obra que se intitula Evangelisches Ave Maria, editada em Halle no ano de 1863, se lamentava em termos patéticos de que a religião dos reformados, por seu ódio à Santíssima Virgem, impedia seus asseclas de utilizar a mesma saudação com que o próprio Deus, por seu anjo, saudara a Bem-aventurada Virgem Maria.

A Anunciação, retratada por Leonardo da Vinci.

O Evangelho, além disso, nos testemunha a veneração que Santa Isabel manifestou à Bem-aventurada Virgem. Porque, pelo sopro do Espírito divino, ela saudou a Virgem com as palavras: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto de teu ventre” (Lc 1, 42).

Assim, pois, um anjo (São Gabriel) e uma santa (Isabel), e por isso dois representantes preclaríssimos de toda toda a variedade de seres racionais, veneraram a Bem-aventurada Virgem. Sendo assim, não podemos também nós venerá-la?

2) A Tradição nos atesta que a Bem-aventurada Virgem Maria foi objeto constante de veneração:

Venerou-a uma mulher anônima do Evangelho, ao proferir estas palavras proféticas: “Bendito é o ventre que te portou e os seios que te amamentaram” (Lc 11, 14-28). 

Veneraram-na os primeiros cristãos nas trevas das catacumbas, pintando-a em imagens rústicas, como se vê nas catecumbas de Priscila, onde há uma imagem da Virgem pintada no século II, junto com cenas da adoração dos magos e da Anunciação, que pertencem igualmente ao século II. Os cemitérios de Domitila, de São Pedro e de Calixto estão decorados com pinturas semelhantes que também pertencem aos séculos II e III. Por que motivo, afinal, quiseram aqueles fiéis pintar esta imagem sobre paredes sagradas a não ser por veneração?

Imagem de Maria com o Menino Jesus, na catacumba de Priscila, em Roma.

[Imagem à esquerda: Imagem de Maria com o Menino Jesus, na catacumba de Priscila, em Roma.]

Ademais, antes que fosse celebrado o Concílio de Éfeso (a. 431), no qual os protestantes dizem ter tido origem o culto à Bem-aventurada Virgem, já existia naquela cidade (de Éfeso) um templo dedicado à Bem-aventurada Virgem Maria, no qual o próprio Concílio depois foi celebrado.

A própria alegria inenarrável com que foi recebida pelo povo efesino a solene definição da maternidade divina da Bem-aventurada Virgem mostra o quanto estava enraizada no coração daqueles fiéis a veneração à Mãe de Deus. Sinal desta veneração é também o templo de Santa Maria Antiga, com efígies marianas de cerca do séc. IV, o qual foi descoberto em Roma. Mas, além disso, também outros templos, em Roma, foram mais tarde dedicados à Bem-aventurada Virgem; assim, por exemplo, a Basílica de Santa Maria Maior. Muitos outros foram construídos em Antioquia, em Jerusalém e noutros lugares, quase todos anteriores ao Concílio de Éfeso.

Já desde o século I d.C. as filhas de cristãos começaram a ser chamadas de “Maria”, nome que se dava também a navios. No Museu Vaticano, estão guardadas duas moedas do século IV com a efígie da Bem-aventurada Virgem Maria, algumas das quais são belíssimas, tendo todas elas um pequeno furo, o que mostra que eram usadas como colares, como se costuma fazer hoje em dia.

No século V, torna-se geral o costume de dedicar igrejas à Mãe de Deus. No século IV, o nome “Maria” é introduzido no Cânon da Missa na hora do Communicantes [“Em comunhão com toda a Igreja”, parte da Oração Eucarística I].

Por fim, veneraram a Bem-aventurada Virgem Maria os Padres e Doutores da Igreja em seus escritos.

Gruta onde Nossa Senhora apareceu, em Lourdes, na França.

Os livros apócrifos, que sobre ela tão copiosamente foram escritos, alguns dos quais pertencem aos primeiros séculos da Igreja, testemunham ao menos a fé dos primeiros cristãos e sua veneração à Virgem. Estas várias formas de veneração mariana podem explicar-se muito bem pela imensa dívida que o gênero humano é consciente de ter para com a Bem-aventurada Virgem. Por essa razão, não perde nenhuma oportunidade de mostrar sua gratidão à Virgem Maria. 

Deus, por sua vez, aprovou e aprova, confirmou e confirma com os maiores prodígios a veneração dada à sua Mãe, sobretudo nos lugares em que o culto dela mais floresce e ela é mais invocada. Basta lembrar o conhecidíssimo santuário de Lourdes, no qual, diante de inúmeras testemunhas, sejam cristãs ou não, sob estritíssimo escrutínio da ciência, a Bem-aventurada Virgem continuamente realiza prodígios [i], que são como que o selo divino da legitimidade do culto de veneração que lhe é tributado.

3) Além do sufrágio do Evangelho e da Tradição, o mesmo culto de veneração é confirmado também pela razão. A razão mesma nos diz que devem ser honrados aqueles nos quais brilha certa excelência particular. Ora, quem é mais excelente do que Maria, Mãe de Deus, que é a mais perfeita de todas as obras de Deus? Dante Alighieri ilustrou belamente esta verdade no Canto XXIX do Purgatório (v. 82–87), ao introduzir na solene procissão dos eleitos, à qual contemplava [o poeta] na visão terrestre do Paraíso, vinte e quatro anciãos que com as mesmas palavras do anjo e de Isabel aclamavam a Mãe de Deus:

Sob tanto céu — da minha descrição —
vinte e quatro Senhores, co’a prescrita
coroa de lírios como galardão,

vinham cantando: “Sejas tu bendita
entre as filhas de Adão, e abençoada
em eterno a beleza que te habita [ii].

Nem se diga que a veneração que prestamos à Bem-aventurada Virgem menoscaba a veneração devida a Cristo, porque essa é uma afirmação vã e gratuita dos reformados. Teriam eles razão se nós, católicos, honrássemos a Mãe de Jesus de modo que não nos preocupássemos em referir a seu divino Filho essa mesma veneração, o que sabemos que não acontece de modo algum entre os católicos. Nós, com efeito, honramos a Santíssima Virgem como criatura excelsa — antes, como a mais excelsa entre as criaturas —, sempre, porém, a veneramos como simples criatura, não como Deus.

“A Coroação da Virgem”, por Diego Velázquez.

Além disso, por suas peculiares relações com Cristo, nós a veneramos por ser Mãe e Sócia dele na obra de nossa redenção. O culto dela, portanto, não só não redunda em detrimento do culto divino, senão que, pelo contrário, o fortalece. Com efeito, Mãe e Filho estão unidos por nexos íntimos. Daí que a honra da Mãe naturalmente redunde no Filho, assim como a glória do Filho redunda na Mãe. “Redunda no Filho”, escreve S. Ildefonso, “o que se tributa à Mãe” [iii]. Por isso o mais ardente desejo do Coração do Filho é que sua Mãe seja honrada.

De mais a mais, é fato patente aos olhos de todos, contra o qual não vale nenhum argumento: ninguém esteve ou está mais unido a Jesus, Filho de Maria, do que aquele que esteve ou está unido à sua Mãe. Por que, afinal, Jesus é tão pouco honrado entre os protestantes? Porque deixaram de lhe honrar a Mãe. “Quem não tem um grande coração para a Mãe”, dizia São José Cafasso, “não pode ter um grande coração para o Filho” [iv]. O famosíssimo Pe. Faber, ao se converter em 1845 do anglicanismo para a religião católica, escreveu estas palavras: “Não sabia o que era amar a Cristo até entregar meu coração aos pés de Maria”. Por outro lado: por que Cristo entre os católicos é tão honrado? Por causa daquela exímia veneração que têm à Virgem Maria. A Mãe não pode nunca ser considerada à parte do Filho, já que Deus indissoluvelmente os uniu. Ora, o que Deus uniu, que o homem não o separe.

Há que concluir, pois, com S. Epifânio: Sit in honore Maria — “Que Maria seja honrada” [v].

O culto de amor devido a Nossa Senhora

À bem-aventurada Virgem Maria, como à nossa Mãe espiritual, deve tributar-se [também] um culto de amor. Este culto, mais do que o ato constitutivo ou integrativo do culto mariano, é — por assim dizer — a alma ou o princípio — o motor dos demais atos.

Com efeito, quanto mais a Bem-aventurada Virgem Maria for amada, tanto mais puros e veementes serão os atos de veneração, gratidão, invocação, imitação e escravidão. Duas coisas, portanto, brevemente se devem considerar: por que e como a bem aventurada Virgem deve ser amada.

“A Virgem e o Menino com Santa Rosa de Viterbo”, por Murillo.

1) São inúmeras as razões que nos impelem a amá-la e que são aptas a inflamar por ela o nosso coração.

O Venerável Carlos Jacinto de Santa Maria, O.S.A. Exc., em sua obra que se intitula “Mãe amável”, enumera 365 razões ou motivos, um para cada dia do ano, que nos devem impelir a amar a Santíssima Virgem.

Não satisfeito ainda, ele chega a estas palavras: “Os motivos que nos movem a amar a grande Mãe de Deus e nossa dulcíssima mãe Advogada são tão numerosos quanto as vezes que Ela respirou durante toda a sua vida, e especialmente quando foi eleita Mãe do Senhor, porque todos os seus respiros estavam dirigidos ao nosso bem”.

No entanto, a principal razão que nos deve impelir a amá-la, e à qual todas as outras se podem reduzir, verdadeira e propriamente é esta: porque a Bem-aventurada Virgem é para nós verdadeira Mãe espiritual. Ora, o amor dos filhos à mãe é de todo inato e poderoso. Ainda mais porque a Beatíssima Virgem é, de todas as mães, a mais amável e a que mais ama: a mais amável, porque é belíssima e perfeita; a que mais ama, como é evidentíssimo pelas dores que suportou por nossa salvação. Digamos, pois, também nós com Santo Anselmo: “Assim como tu (ó Jesus, Filho de Deus) verdadeiramente a amas e a queres amada (Maria), assim me dês que eu verdadeiramente a ame” (Or. 52).

2) É fácil dizer: quando amamos alguém sincera e ardentemente, buscamos evitar tudo o que lhe desagrada e fazer o que lhe agrada. Duas coisas, portanto, se requerem para que a Bem-aventurada Virgem Maria seja sinceramente amada, a saber: evitar o que lhe desagrada e fazer o que lhe agrada.

Ora, sabemos perfeitamente o que desagrada à nossa Mãe celeste: tudo quanto ofende a Jesus, seu filho amabilíssimo, isto é, o pecado e o apego a ele. É grande, pois, e verdadeiramente inefável a oposição entre Maria e o pecado. Quem, portanto, não lhe quer desagradar deve diligentemente odiar e evitar o pecado. Isto constitui, por assim dizer, o elemento negativo do amor à Bem-aventurada Virgem. O elemento positivo, por sua vez, consiste em que nos exercitemos em tudo o que lhe agrada. O amor, com efeito, é fogo; o fogo, porém, não pode ser contido, já que, por sua natureza, tende à expansão. A prova do amor são as obras, diz São Gregório: Probatio dilectionis, exibitio operis. Ora, são inumeráveis as obras e obséquios com que podemos agradar a Maria. Por isso, cada um pode escolher dentre elas o que preferir.

O culto de ação de graças a Nossa Senhora

À Bem-aventurada Virgem, enquanto Corredentora, se deve um culto de ação de graças. Vejamos, pois, brevemente, por que e como se lhe deve agradecer.

1) A razão é evidente: devemos, com efeito, ser gratos a todos os nossos benfeitores. Até os animais irracionais sentem e mostram ter senso de gratidão. Quem, portanto, não reconhece o grave dever de gratidão se mostra inferior aos animais. Santo Tomás explica: 

Todo efeito naturalmente se volta para a sua causa; daí dizer Dionísio que Deus converte a si todas as coisas, enquanto é causa de todas elas: de fato, é sempre necessário que o efeito se ordene ao fim da [causa] agente; ora, é evidente que o benfeitor, enquanto tal, é causa do beneficiado; e por isso a ordem natural requer que aquele que recebe o benefício, pela recompensa da gratidão, se volte para o benfeitor segundo o modo de ambos: e, assim como se disse acima a respeito do pai, também ao benfeitor, enquanto tal, deve-se honra e reverência, na medida em que tem razão de princípio; mas, per accidens, se lhe deve [também] ajuda e sustento, caso necessite (STh II-II 106, 3).

Nossa Senhora da Piedade (Pietà), por William Bouguereau.

Ora, quem, depois de Deus, nos cumulou de mais benefícios do que a Bem-aventurada Virgem? Foi ela que, junto com o Redentor, na qualidade de nossa Corredentora, satisfazendo e merecendo por nós, nos abriu as portas do céu antes cerradas pelo pecado, e nos resgatou do jugo de Satanás.

Foi ela que, ao preço de dores inefáveis, junto com Cristo nos regenerou à vida sobrenatural da graça divina perdida outrora por causa do pecado.

Foi ela que não poupou nem a si nem a seu Filho, a quem amava mais do que a si mesma, a fim de nos tornar eternamente felizes. Todas as graças de que fomos cumulados por Deus, sem excetuar nenhuma, passam pelas mãos puríssimas dela.

Portanto, ninguém, depois de Deus, é tão digno de nossa gratidão quanto a Bem-aventurada Virgem Maria.

A razão e a fé nos repetem constantemente aos ouvidos e ao coração aquele aviso do Apóstolo: “Dai graças” (1Ts 5, 18).

2) Mas como, na prática, se há de demonstrar gratidão à nossa Corredentora? Santo Tomás indica três modos pelos quais devemos demonstrar gratidão aos benfeitores. Diz ele: “Tem [a gratidão] diversos graus segundo a ordem das coisas que se requerem para a gratidão: das quais a primeira é que o homem reconheça o benefício recebido; a segunda é que louve e dê graças; a terceira é que retribua em lugar e tempo [oportunos], segundo as próprias possibilidades” (STh I-II 107, 2c.). De três modos, pois (dos quais um é mais perfeito do que o outro), cada fiel está obrigado a mostrar sentimentos de gratidão à Mãe de Deus, nossa Corredentora: primeiro, reconhecendo-lhe os benefícios; segundo, louvando-lhe a liberalidade para conosco; terceiro, oferecendo-lhe e consagrando-lhe contínua e plenamente algum bem, sobretudo o nosso coração, como forma de retribuição.

Referências

  1. Estes prodígios orçam por volta de 10.000, dos quais 4.000 foram devidamente reconhecidos pela Comissão científica.
  2. Dante Alighieri, A Divina Comédia: Purgatório. Trad. port. de Italo Eugenio Mauro. 2.ª ed., São Paulo: Editora 34, 2010, p. 192.
  3. De Virginitate perpetua S. Mariae (PL 96, 109).
  4. Instruzioni per Esercizi Spirituali del Clero, Turim, 1893, p. 273.
  5. Adversus hæreses III, hær. 79 (PG 42, 742).

Notas

  • Este artigo é uma tradução ao português, feita por nossa equipe, de Pe. Gabriel M.ª Roschini, OSM, Mariologia, 2.ª ed., Roma: Angelus Belardetti (ed.), 1948, vol. 4 (= t. II, Pars Tertia), pp. 21–26.

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