Todos os anos, por essa época [24.ª semana do Tempo Comum], lemos o sermão De pastoribus [“Sobre os pastores”], de Santo Agostinho, no Ofício das Leituras. Como você sabe, os padres são obrigados a rezar diariamente a Liturgia das Horas. O sermão de Santo Agostinho se estende por quase duas semanas. É um aviso severo para os sacerdotes que, com muita facilidade, vivem das ovelhas em vez de pastoreá-las da maneira devida.
Em um ponto do sermão, Agostinho fala sobre um assunto delicado: a questão da honra. Por um lado, devemos respeitar os anciãos e autoridades, prestando-lhes a devida reverência. Por outro, há o perigo de uma deferência doentia, de uma honra excessiva, que tanto afasta os líderes da correção necessária quanto os faz desejar honrarias desmedidas. Sobre a honra que tradicionalmente temos dado ao clero, diz Santo Agostinho:
De fato, todo o homem é frágil, e portanto são frágeis os vossos pastores. Aqueles que vos governam são homens semelhantes a vós. Como vós, [eles] têm um corpo, comem, dormem e levantam‑se do sono; como vós, nasceram e um dia morrerão. Se considerais o que eles são por si mesmos, reconheceis que são simplesmente homens. Mas se os cobris de honras, é como se cobrísseis a sua fragilidade (Santo Agostinho, Sermo 46, 6: CCL 41, 533-534).
Quanto às honras, Santo Agostinho adverte os padres de que o desejo ou aceitação do povo pode dificultar a pregação do Evangelho. Ele dá o exemplo de São Paulo, que, embora reconhecendo a honra e o respeito que lhe eram dados, não hesitou em corrigir e pregar verdades difíceis:
Mas apesar de ser tão grande a honra que lhe prestaram, [Paulo] deixou porventura de repreender os seus erros para não perder essa honra e esses louvores? Se assim procedesse, teria sido um daqueles pastores que se apascentam a si mesmos e não as ovelhas […]. Por isso o Apóstolo, depois de lhes ter recordado o modo como se comportaram com ele, para que não parecesse que já se tinha esquecido da honra que lhe prestaram, dá testemunho de que o receberam como a um Anjo de Deus [...]. Mas apesar disso, ele aproxima‑se da ovelha doente e infectada, para curar a chaga sem poupar a infecção. E assim lhes fala: “Porventura tornei‑me vosso inimigo por vos ter dito a verdade?” Portanto, ele recebeu o leite das ovelhas, como há pouco recordamos, e vestiu‑se com a lã das ovelhas, mas não descuidou o bem do rebanho. Não buscava os seus interesses, mas os de Jesus Cristo (Santo Agostinho, Sermo 46, 7: CCL 41, 533-534).
Reze pelos padres. Vivemos numa época em que muitos de nós fomos treinados ou levados a pensar que o objetivo do nosso ministério é apenas fazer as pessoas “afirmar-se” e sentir-se “acolhidas”. Se fizermos isso, estaremos apenas buscando honra, reconhecimento e popularidade para nós mesmos.
Há um lugar para acolher. Mas o objetivo do nosso ministério é a salvação das almas. Às vezes, isso exige dizer e fazer coisas difíceis, coisas que enfurecem as pessoas e nos levam a ser ridicularizados e denunciados. Porém, como diz Santo Agostinho, o tratamento de feridas exige não apenas o óleo que suaviza, mas também o vinho que arde ao debridar e descontaminar.
O que alguém pensaria de um médico que passasse a maior parte do tempo certificando-se de que a sala de espera esteja agradável e as salas de exame, alegres, enquanto gasta o menor esforço possível para estudar as doenças e o que for necessário para restaurar a saúde de seus pacientes? O cuidado médico adequado, às vezes, requer remédios fortes e/ou cirurgias dolorosas. Além disso, os médicos, muitas vezes, precisam dar informações difíceis aos pacientes e aconselhá-los com dureza a mudar seu estilo de vida. Salas de exame agradáveis e boas maneiras ao leito são coisas muito boas, mas oferecer cuidados médicos é o objetivo principal. Um médico que não fala a verdade aos pacientes porque quer mantê-los “felizes”, é réu de negligência; ele maximiza o mínimo e minimiza o máximo.
É o mesmo caso de padres que evitam conflitos ou dificuldades para preservar sua honra. Eles permitiram que uma coisa menor eclipsasse uma maior. As gentilezas e frases de afirmação facilmente ofuscam a verdade, mas é esta que nos liberta, mesmo que seja, às vezes, um remédio amargo.
Como recorda, compadecido, Santo Agostinho, os sacerdotes são humanos. Ninguém gosta de conflito; via de regra, evitar conflitos desnecessários é uma coisa boa. Evitar o conflito à custa da verdade, no entanto, é buscar uma falsa paz, uma paz temporária. A escuridão, a baixeza e a ferocidade dos nossos tempos atestam contra a ideia de fazer “vista grossa” para que tudo fique bem [“going along to get along”]. Uma falsa paz não pode durar. No fundo, o nosso silêncio e a falsa tolerância do relativismo não passam de tirania.
A preocupação com os púlpitos que se calam sobre as principais questões morais dos nossos dias está muito difundida para ser uma simples posição minoritária. Apesar da nossa fraqueza humana, nós, sacerdotes, devemos ter coragem de falar e ensinar com mais clareza e coerência. Os verdadeiros pastores não podem fazer menos do que isso.
Lembro-me de um texto de São Basílio, que julgo servir como um post scriptum adequado a minhas próprias reflexões, mais pobres, sobre este tema:
Os que, com ajuda de homens, chegaram ao principado recompensam esta mesma ajuda dando licença para que se peque à vontade. […] Falta aos prepostos liberdade para falar. Pois são servos daqueles por quem foram beneficiados os que, com ajuda de homens, conquistaram um posto de autoridade. Daí que se tenha tornado para alguns peça de batalha a defesa da sã doutrina. […] Por esta razão, riem-se os incrédulos, flutuam os que não creem firmemente: a fé é ambígua, despeja-se ignorância nas almas, dão aparências de verdade os que adulteram a doutrina em malícia (São Basílio, Ep. 92, 2).
Sim, com muita frequência o clero apazigua dissidentes e inimigos da verdade, ao mesmo tempo que é hostil aos fiéis que levantam questões e buscam um ensino claro sobre os erros morais e doutrinários dos nossos dias.
A honra tem o seu lugar; mas, com facilidade, os honrados se prendem à necessidade de ser honrados e estimados pelo mundo. Reze, [pois,] por todas as autoridades, especialmente pelo clero.
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