[Este texto não é de autoria do Pe. Paulo Ricardo. Trata-se de uma resenha escrita por Ambrose Rucker, num site norte-americano, e traduzida para esta publicação por nossa equipe.]
No dia 8 de março, a Sony anunciou que seu novo filme, The Unholy (“A profana”, traduzido no Brasil como “Rogai por nós”), seria lançado na Sexta-feira Santa [1]. A data foi escolhida de propósito para marcar um contraste direto com a sacralidade do Tríduo Pascal. [N.T.: O lançamento na Sexta-feira Santa foi nos Estados Unidos; no Brasil, a estreia do filme acontece no dia 20 de maio de 2021.] O próprio site do filme diz: “No fim de semana mais sagrado do ano: The Unholy” [2]. O enredo, como sabemos pelo trailer e pela sinopse divulgada, centra-se em uma jovem com surdez parcial que, depois de ser supostamente visitada pela Virgem Maria, passa a ouvir perfeitamente e a fazer milagres a torto e a direito. Por conta disso, ela arrebanha seguidores pelo mundo todo, e um jornalista aposentado, para tentar reviver a carreira, decide fazer uma reportagem sobre a garota.
No entanto, eventos terríveis sucedem com cada vez mais frequência, e o jornalista começa a se perguntar se os fenômenos e milagres serão mesmo obra da Virgem Maria ou de algum poder macabro. O trailer repete a receita típica de um clássico de terror com temática católica: freiras sinistras, padres corruptos e infiéis, cruzes queimando e muito mais. O que se destaca como tema principal é a representação da Mãe de Deus em várias formas malignas. Há estátuas da Virgem a sangrar, imagens sacras de Maria disformes e a desintegrar-se, além do protagonismo de um demônio que assume a forma de uma Virgem Maria negra, em chamas e aterrorizante. No filme, encontramos os estereótipos anticatólicos mais comuns e um perigoso incentivo ao aumento do poder de Satanás e seus demônios. Neste artigo, desejo abordar esses falsos estereótipos sobre os católicos, as ideias perigosas e blasfemas apresentadas no filme e alertar de forma inteligente contra ele.
Primeiro, parece circular em Hollywood a ideia de que os padres católicos são, em sua maioria, uns infiéis acovardados, prontos e dispostos a abandonar a fé a qualquer momento e a lançá-la pelos ares ao primeiro sinal do demônio. No trailer, vemos um padre cair rapidamente no feitiço da menina, tomar como fato que ela foi visitada pela Virgem Maria e recusar-se a mudar de opinião até ficar cara a cara com o demônio em pessoa. Esse retrato banal dos padres é um exagero grosseiro e é, em quase todos os casos, comprovadamente falso. Enquanto uma minoria de indignos, que renunciam publicamente à fé, causam grande escândalo à Igreja e geram má fama ao catolicismo, recebe toda a atenção da mídia, a vasta maioria dos padres é composta de católicos bons e fiéis, que dão glória a Deus todos os dias e, pela graça divina, pastoreiam seu rebanho. Representar o padre católico como infiel, pedófilo ou covarde não é novidade nos filmes de terror, e o fato de o estereótipo ainda ser usado e amplamente aceito faz parte da agenda anticatólica de Hollywood. Numa estatística do relatório John Jay sobre os escândalos de abuso sexual na Igreja, vemos que, apesar de toda a atenção midiática, apenas 4% de todo o clero dos Estados Unidos, entre os anos de 1950 a 2010, foram acusados de abuso sexual [3]. Embora, ainda assim, sejam padres demais, o número está longe das dimensões massivas sugeridas por Hollywood, segundo a qual, se você topar na rua com um padre, é quase certo que ele terá algum tipo de “problema”. Os padres são apenas homens e, como tais, não são perfeitos, e há ainda aqueles que nem deveriam ter passado pela rigorosa seleção do seminário. Mas isso não significa que possamos descrever todos os padres com que topamos como infiéis ou pedófilos, ou as duas coisas.
O segundo estereótipo é o da paróquia católica de cidade pequena. Ela é supersticiosa, cheia de católicos frouxos e facilmente dominada pelos demônios. Vemos isso acontecer literalmente no trailer. Não sei por quê, mas Hollywood parece pensar que paróquias católicas isoladas são um prato cheio para demônios. O clichê de uma igreja infestada deles, com imagens sacra a queimar, pentagramas nas paredes e estátuas da Sagrada Família contorcidas e disformes, parece ser bastante comum se você for a uma igreja católica do interior. Mas esclareçamos as coisas: os demônios sabem mais sobre Cristo, a ressurreição e a Igreja do que nós jamais saberemos. Por terem pecado, eles se afastaram de Deus em todos os sentidos, de maneira que toda a Criação, como tal, é para eles um suplício, uma vez que tudo foi criado pelo Deus a quem traíram. No entanto, graças à Paixão e Morte de Jesus Cristo, o poder de Satanás e dos demônios está subjugado para sempre! As portas do inferno foram destruídas pela Ressurreição de Jesus. Nenhum demônio pode ficar de pé diante de Nosso Senhor!
Além do mais, sabemos pelos exorcismos que a Eucaristia é um elemento-chave para expulsar o demônio de um corpo. Por isso, é uma completa burrice acreditar que algum demônio poderia tomar o controle de uma igreja, edifício consagrado a Deus, com a Sagrada Eucaristia no sacrário, o qual se torna, em cada Missa, uma representação do céu. Só pelo fato de a Eucaristia estar presente numa igreja, nenhum demônio pode suportar ficar em seu interior: a própria presença de Jesus lhe é repulsiva, quase como uma dor física. Para um demônio, não valeria a pena o esforço de tomar o controle de uma igreja, na qual ele só poderia entrar depois de tê-la reduzido, na prática, a um edifício como outro qualquer.
O filme evidencia ao mesmo tempo um estereótipo muito comum e uma ideia altamente perigosa na forma como representa a Virgem Maria. É óbvio que o filme apela para a ideia de que os católicos “adoram” Maria. É uma opinião que muitas seitas cristãs, outras religiões e até o mundo secular têm em comum a respeito dos católicos. Eu poderia entrar agora em detalhes, dando todas as razões que demonstram que não adoramos Maria, mas vou tratar o assunto de forma simples. Quando a Igreja nos ensina a rezar à Virgem Maria, e quando santos como São Luís de Monfort dizem coisas assim: “Devemos fazer um sacrifício de nós mesmos, inteiramente (em corpo e alma, em nossos bens exteriores e em nossos bens espirituais interiores), a Nossa Senhora”, não estamos pondo a Deus e Maria em pé de igualdade nem dirigindo a ela um culto de adoração.
Trata-se, fundamentalmente, de pedir a Maria que interceda por nós junto ao seu Filho Jesus. Como dizemos tantas vezes: Ad Jesum per Mariam, “A Jesus por Maria”. Não estamos apenas rezando a Maria; estamos, de certo modo, rezando a Deus com Maria e pedindo-lhe que nos ajude em nossas súplicas ao Senhor. Por suas palavras na Cruz ao apóstolo São João, Jesus nos deu de presente sua própria Mãe, Maria, como Mãe dos homens, e como tal lhe temos grande estima. Afinal, ela não só deu Nosso Senhor e Salvador à luz, mas é também nossa Mãe em todos os sentidos da palavra. Ora, é comum ao longo da história, em todas as civilizações, que a mãe seja objeto de honra e louvor. No trailer, vemos a garota convencer seus seguidores a “crer e adorar Maria”, e muitas pessoas, em todo o mundo, lhe obedecem, curvando-se às imagens da Virgem Maria. A meu ver, é uma tentativa de mostrar que “adorar” Maria é como uma segunda natureza para os católicos; por isso, vemos as pessoas apaixonar-se facilmente pela pregação da menina.
Essa ideia, além de muito errada, é bastante perigosa, pois o estereótipo de que os católicos “adoram Maria” já tem muita força hoje em dia, razão por que vários católicos relaxados que eu mesmo conheci pessoalmente têm apelado à suposta “adoração a Maria” como “motivo” para abandonar a Igreja. É um esquema chamativo pelo qual os produtores atraem as seitas cristãs que acreditam que os católicos adoram Maria e, ao mesmo tempo, procuram abalar a fé dos católicos frouxos que vierem a assistir ao filme. Por fim, ao apresentar este demônio com a aparência de Maria, o filme está simplesmente alimentando um estereótipo já existente e, portanto, não está nos dando nada de novo ou estimulante. É apenas mais um filme de terror anticatólico que aproveita todas as velhas mentiras contra a fé.
Na minha opinião, nenhum católico firme na fé assistirá ao filme, mas seus amigos cristãos e os católicos relaxados sim, e é por isso que estou dando a vocês algumas coisas para lhes dizer, a fim de expor as falácias teológicas do filme e convencê-los a não assistir a ele. Em primeiro lugar, o filme tenta mostrar que a suposta aparição mariana consegue popularizar-se em massa em muito pouco tempo. Explique ao seu amigo que já houve muitas aparições falsas no passado e que a Igreja tem critérios muito claros para julgar se uma aparição é real ou não. Não há como uma aparição ser capaz de ganhar tantos seguidores antes de o bispo local ou o Vaticano intervir e classificá-la como falsa ou de origem demoníaca. Em segundo lugar, o viés antimariano é forte e você precisará enfrentá-lo. Tudo o que disse acima ao falar sobre Maria é um bom ponto de partida; mas, se você quiser levá-lo a uma conversa mais profunda, pesquise sobre os Padres da Igreja, especialmente Santo Agostinho. Por último, mostre a ele quais são os clichês e estereótipos batidos usados no filme. Não se trata de um novo filme de terror; é a mesma salada de sempre, com todos os chavões anticatólicos de Hollywood que já vimos uma e outra vez.
Em suma, não espero que seja um bom filme, mesmo em termos técnicos. Com uma pontuação de 33% no site Rotten Tomatoes, 5/10 no IGN e uma resenha intitulada Holy Crap, The Unholy is a bore (“Caramba, The Unholy é um tédio”), não me preocupa muito que o impacto do filme dure muito. No entanto, as discussões que ele vai inspirar vão durar muito mais do que a memória do filme e, como católicos, devemos fazer o que está ao nosso alcance para evangelizar e proteger tanto a nossa fé quanto Nossa Senhora das mensagens falsas que The Unholy nos apresenta.
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