Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 6, 52-59)
Naquele tempo, os judeus discutiam entre si, dizendo: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” Então Jesus disse: “Em verdade, em verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por causa do Pai, assim o que me come viverá por causa de mim. Este é o pão que desceu do céu. Não é como aquele que os vossos pais comeram. Eles morreram. Aquele que come este pão viverá para sempre”. Assim falou Jesus, ensinando na sinagoga em Cafarnaum.
O Evangelho desta sexta-feira coloca-nos no centro do discurso eucarístico de Nosso Senhor, e não há nenhum outro lugar das SS. Escrituras que nos fale com tanta clareza do que a Igreja sempre creu e pregou a respeito deste divino mistério do que os versículos que ela hoje nos proclama, extraídos diretamente dos lábios do Redentor: “A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida”. A expressão que encontramos nos originais gregos, e que a nossa tradução verte corretamente por “verdadeira”, é ἀληθής. Isso implica que as palavras de Cristo não devem ser entendidas em sentido metafórico ou simbólico, e Ele mesmo fez questão de o reforçar, ao dizer não uma, mas duas vezes de sua carne e seu sangue: “É verdadeira comida” (‘ἀληθής ἐστιν βρῶσις’), “é verdadeira bebida” (‘ἀληθής ἐστιν πόσις’). O texto é claro, e somente a falta de fé e o desejo de adaptar a doutrina evangélica a certas pré-concepções “teológicas” pode explicar que tantos dos que se dizem cristãos o rejeitem, apelando a explicações uma mais abstrusa que a outra. Mas a confusão que tantos hereges sentem ao ouvir falar da presença real de Nosso Senhor na Eucaristia, confessada sem perturbações pela nossa santa fé católica, não é novidade nem heresia moderna, pois a sentiram e defenderam já os primeiros judeus chamados a ter a mesma fé que, por graça, temos nós: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?”, perguntaram-se eles, confirmando com isto, por um lado, que era literal o sentido que Jesus dava ao seu ensinamento, e testemunhando, por outro, que a razão por que muitos não creem no mistério é por quererem primeiro explicá-lo antes de o aceitar. “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?”, e vão eles acumulando arrazoados que ficam bonitos no papel, e que uns chamam de “empanação”, outros de “consubstanciação”, estes de “transignificação”, aqueles de simples “memória”, de forma que todos, sendo tão vários de opinião, são concordes em rejeitar a mesma verdade, que o próprio Cristo quis sublinhar duas vezes, prevendo talvez as duas mil que a negariam: “A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida”. Foi esta a primeira pedra em que tropeçaram os judeus, foi esta a ocasião em que possivelmente Judas perdeu a fé, e é este mistério em que hoje a Igreja nos chama a crer com todas as forças do nosso coração e com todo o rebaixamento da nossa inteligência. Que o Pai dos céus seja servido de nos comunicar a graça e a luz do seu Espírito para crermos que, “no sublime sacramento da santa Eucaristia, depois da consagração do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, está contido verdadeira, real e substancialmente sob a aparência das coisas sensíveis” (Concílio de Trento, 13.ª sessão, de 11 out. 1551, c. 1 [DH 1636]), e não como um mero sinal externo e simbólico de sua presença espiritual entre os fiéis (cf. Pio XII, Encíclica “Humani generis”, de 12 ago. 1950 [DH 3891]).
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