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A vitória da Cruz em nossas vidas

Cristo quis ser exaltado na Cruz para que, como um farol que permanece inamovível sobre o ondular incessante das águas deste mundo, pudéssemos conhecê-lo e, conhecendo-o, fôssemos movido a amá-lo, vendo em sua exaltação no madeiro a prova da sua caridade e o preço da nossa salvação.

Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 3,13-17)

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna.

Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”.

I. Reflexão

Celebramos a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Seria de se perguntar: por que uma festa especial para a Santa Cruz quando já tivemos a grande festa da exaltação da Cruz que é a Sexta-feira Santa? Por que tal redundância? O fato é o seguinte: a Igreja quis ao longo dos séculos celebrar a Cruz de Cristo não somente no mistério da Paixão, mas também em nossas vidas. Ora, uma das formas de o povo cristão venerar e amar o mistério do amor de Nosso Senhor Jesus Cristo foi sempre a veneração à Cruz como um sinal de caridade. Desde o início, os cristãos aprenderam a traçar o sinal da Cruz sobre os próprios corpos. O sinal da Cruz (traçada da cabeça para o peito e de um ombro para o outro, tal como os católicos fazemos), vem do tempo dos Apóstolos. É uma realidade universal. Tanto no Ocidente como no Oriente, todos fazemos o sinal da Cruz. São Basílio Magno, no séc. III, já o atestava, dizendo que se trata de um costume recebido dos Apóstolos, embora não esteja escrito na Bíblia.

Na época de Constantino, por volta de 313, quando se passou a dar mais liberdade aos cristãos, a mãe dele, Santa Helena, foi à Terra Santa conhecer os lugares em que Jesus viveu, e lá foram encontradas as relíquias da Cruz. (Aliás, foi graças à veneração delas que, ao longo dos séculos, foi surgindo essa festa litúrgica.) Constantino mesmo tivera uma visão no céu. Apareceu-lhe uma cruz, e então uma voz lhe disse: “Com esse sinal vencerás”. A Cruz, sinal que fez Constantino superar seus adversários, era uma experiência que os cristãos sempre tivemos — a Cruz de Cristo é vitoriosa. O que isso quer dizer na prática? O que significa, afinal, celebrar a Cruz de Cristo como sinal de amor e vitória em nossas vidas?

Em primeiro lugar, a Cruz, tomada como símbolo do amor verdadeiro, não foi invenção nossa. Foi o próprio Jesus quem começou a falar dela nesse sentido. O Senhor não tinha ainda morrido na Cruz nem subido o Calvário, mas já dissera aos seus Apóstolos, que talvez não o tenham entendido direito: Quem me quiser seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-me. Essa frase, que deve ter soado enigmática para os Doze, tornou-se depois o “cartão de identidade” do cristão. O cristão é aquele que, para seguir Jesus, renuncia a si mesmo.

Mas o que é esse renunciar a si mesmo? O que é esse tomar a sua cruz? Quer dizer o seguinte: renunciar às próprias vontades e aceitar que, no dia a dia, nossa vontade é crucificada. É isso o que Jesus quer: que abracemos o que contraria nossa vontade e o sigamos. Cristo quer que nos unamos a ele, isto é, à sua vontade. Ora, se eu sou cristão, tenho de passar por um transplante de coração: tirar o meu para receber o de Cristo; tenho de renunciar à minha vontade para querer o que ele quer. Eis o que está por trás do símbolo da Cruz. Se agirmos assim, seremos vitoriosos. Por quê? Porque é certa a vitória de Cristo. Se quisermos tudo o que Jesus quer, por maiores que sejam as nossas dificuldades, podemos ter certeza de uma coisa: estamos do lado vitorioso. Talvez não vejamos a vitória imediatamente, agora, nesta vida; mas estaremos do lado vitorioso. Por isso é necessária uma festa para exaltar a grande vitória da Cruz de Cristo em nossas vidas.

Amarremos agora as ideias. O que precisamos fazer na prática? É o seguinte. Número um: Deus nos amou com amor infinito e, para mostrar este amor, quis encarnar-se e morrer crucificado por nós. Foi Jesus quem, por primeiro, quando éramos inimigos de Deus, tomou a cruz, renunciando a si mesmo, e foi até o Calvário; lá, foi pregado à Cruz, morto, inocente que era, mas viveu tudo isso pensando em cada um de nós. Diante desse amor, como não confiar? Como não se entregar e dizer: “Ninguém jamais me amou assim. Nem eu mesmo. Vou, portanto, desconfiar de minhas vontades e caprichos, porque não sou bom nem me amo de verdade. Eu não sou meu amigo, mas Jesus o é! Na verdade, sou meu maior inimigo porque as coisas que quero só me fazem mal. Vou, portanto, renunciar a mim mesmo; vou, no dia a dia, abraçar as contrariedades que a vida me impuser e, aceitando-as por amor, vou-me unir a Jesus, dizendo: ‘Senhor, vós sabeis o que é bom para mim. Seja feita a vossa vontade, não a minha’ ”?

Se abraçarmos imediatamente o que Jesus quer, estaremos do lado do vencedor, poderemos estar certos de que a nossa aposta está garantida. Louvemos a Deus! Rendamos-lhe graças nesta Festa da Santa Cruz porque a Cruz vitoriosa de Cristo crucifica os nossos pecados, vence o mal, esmaga a cabeça da serpente e nos dá a glória do céu. Como a serpente de bronze outrora levantada no deserto curou os hebreus, assim é a Cruz de Cristo exaltada: ela nos dá vida nova, vida que vem do céu, vida em Cristo Jesus. 

II. Comentário exegético

Explicação do texto. — V. 13. É necessário crer em Cristo. Com efeito, ele (e apenas ele) tem ciência perfeitíssima das coisas celestes, pois só ele esteve no céu; e declara-o de modo a exprimir ao mesmo tempo sua divindade: Ninguém subiu (pret. ἀναβέβηκεν) ao céu (para ver as coisas celestes, como se depreende do contexto), a não ser aquele que desceu (pret. ὁ καταβάς) do céu, a saber: o Filho de homem [que está no céu]. — Logo, nenhum homem subiu ao céu, para saber o que lá é feito. Contudo, o Filho de homem, Cristo, que desceu do céu pela encarnação, foi o único que esteve no céu; antes, está sempre no céu em razão de sua divindade. Foi, portanto, e é testemunha ocular do que anuncia. É, por conseguinte, digno de toda fé.

Muitos pensam que o verbo subiu refere-se a Jesus Cristo em razão, não da natureza divina, pela qual é e sempre esteve no céu, nem da natureza humana, pela qual subiu somente após a ressurreição (neste caso, ter-se-ia subirá), mas da união hipostática, em virtude da qual o Filho, embora estivesse na terra enquanto homem, estava também no céu enquanto Deus. Ora, dado que Jesus Cristo homem, antes da concepção, i.e. da criação de seu corpo e alma no ventre de Maria Virgem, não estava no céu, mas passou a estar depois dela graças à união das naturezas divina e humana, nada impede afirmar que ele subiu ao céu, i.e. que a humanidade assunta, logo ao ser criada, esteve unida personaliter ao Verbo e a ser partícipe de sua própria bem-aventurança, o que equivale a estar no céu.

Para Toledo, Jesus usaria o verbo subiu em atenção à condição geral dos homens, nenhum dos quais subira antes ao céu, para poder ver e contemplar as coisas celestes, já que homem algum, por estar na terra, poderia estar no céu, a menos que subisse; logo, o sentido seria: Ninguém subiu ao céu, i.e. nenhum homem já esteve no céu, tendo lá subido, a não ser o Filho de homem. Mas como o motivo fundamental por que o Filho de homem subiu não é outro que a união hipostática, essa interpretação se reduz à anterior. — Para outros (e.g. Joüon), o v. significaria apenas: Ninguém nunca subiu ao céu, mas alguém já desceu do céu, o Filho de homem, que está no céu.

Desceu (cf. Jo 6,33.38.41s.50s.58), pois o que antes estava no céu e na terra (por imensidade), embora não fosse visto, após assumir a natureza humana, passou a ser visto na terra, como se realmente houvera descido do céu. — Que está no céu, como em sua própria casa e em seu reino. Atente-se a que todo este v. se refere, não ao Filho de Deus simpliciter, mas ao Filho de homem, i.e. ao homem Jesus Cristo ou, mais propriamente, a Deus Filho enquanto subsiste na natureza humana. Atribuem-se-lhe propriedades que convêm unicamente ao Filho de Deus (estar no céu e descer do céu) devido ao que os teólogos chamam comunicação de idiomas (ἀντίδοσις), i.e. a possibilidade de predicar mutuamente de Deus e homem os atributos e as propriedades de ambas as naturezas, em função da unidade de suposto ou hipóstase, comum às duas.

V. 14s. O Filho de homem, autor de uma nova saúde. — Cristo dá continuidade ao seu ensinamento, mas afasta-se por ora das considerações anteriores. Antes dissera: somente o Filho de homem anuncia com direito e autoridade a doutrina da salvação; agora assevera: o Filho de homem dará a todos uma nova (da graça e da glória) vida. Passa, pois, do mistério da encarnação para o da redenção. Após recordar sua descida do céu, Cristo contempla o fim último da encarnação, a saber: a redenção dos homens, a ser realizada pela morte de cruz. De fato, do mesmo modo como Moisés levantou a serpente de bronze no deserto (cf. Nm 21,8s), vendo a qual os israelitas ficavam curados das mordidas de cobra, assim é necessário agora (δεῖ, segundo o decreto divino, muitas vezes manifestado nos vaticínios do AT) que o Filho de homem seja levantado, i.e. suspenso na cruz, para que todos (não só os israelitas) os que nele crerem tenham a vida eterna, i.e. a libertação da morte espiritual (do pecado) e da condenação eterna (do inferno), por um lado, e a recuperação dos dons santificantes da graça, com a esperança da vida eterna, por outro (cf. Jo 3,36; 6,47; 20,31). Os homens, por conseguinte, são como os israelitas em sua travessia pelo deserto e permanecem sob a ira de Deus assim como eles; dela, porém, os há de libertar a fé em Cristo crucificado, do mesmo modo que a visão da serpente de bronze tornava sãos os israelitas.

N.B. — 1) Para alguns (e.g. Belser, Zahn), a locução ser exaltado (gr. ὑψωθῆναι, lt. exaltari) refere-se à exaltação ao céu, i.e. ao mistério da ascensão; mas isso não se adequa ao contexto senão a modo de consequência (por via de mérito) da precedente exaltação na cruz (cf. Jo 8,28; 12,32ss). Entre os gregos, a interpretação mais comum é a exposta acima, por referência à exaltação na cruz. — 2) Estas são as principais analogias entre Jesus pendente na cruz e a serpente de bronze: a) ser levantado até o alto; b) dar saúde aos que lhe dirigem o olhar (pela fé); c) e dar vida por meio da morte.

Observações.a) Até agora, Cristo ensinou quatro verdades principais: 1) ninguém poderá entrar no reino de Deus, a menos que tenha nascido para uma vida nova (celeste, cf. Jo 3,3.5); 2) esta nova vida é transmitida pelo Espírito Santo e pela água (i.e. pelo batismo, cf. Jo 3,5); 3) a causa meritória desta nova vida é a morte de Cristo (cf. Jo 3,14s); 4) mas esta causa não opera senão por meio da fé (cf. Jo 3,15), i.e. seus frutos não são aplicados a todos indistintamente, mas apenas aos que creem.

b) É no v. 15 que se lê pela primeira vez no evangelho de Jo. a expressão vida eterna (gr. ζωὴ αἰώνιος), que aparece nos escritos dele 23 vezes (17 no evangelho, 6 em 1Jo). Com ela (cf. Jo 12,25), designa-se não só a vida futura após a morte, como nos sinóticos (cf. e.g. Mt 19,16s.29; 25,46; 18,8s; Mc 9,43.45; 10,17.30 etc.) e em São Paulo (cf. e.g. Rm 5,17ss; 6,22s; Gl 6,8; Fp 4,3), mas o estado que adquirem os fiéis ainda nesta vida pela infusão da graça (cf. Jo 3,15s.36; 5,24; 6,40.47; 10,28; 1Jo 5,13), estado este que, depois da morte, irá não só perdurar, mas ser levado à perfeição e consumação (cf. Jo 6,55 [gr. 54]). Noutras palavras, em Jo. a vida eterna é o mesmo que vida sobrenatural, comunicada a nós por Cristo, a qual compreende duas “idades”: a vida da graça, ainda neste mundo, e a da glória, consumação daquela. — O conceito, como se vê, tem muitas afinidades com o de reino de Deus, com a diferença de que este exprime também a ideia de sociedade visível (i.e. a Igreja Católica enquanto sociedade externa), ao passo que vida eterna denota algo de íntimo e próprio a cada um (i.e. a condição pela qual se é membro vivo do reino, que é a fé formada).

c) Neste e em outros textos semelhantes (o que crê tem a vida eterna) pretende basear-se a heresia protestante da sola fide, i.e. da fé que justifica sem obras. Ora, a fé joanina, assim como a paulina, não é nem simples fidúcia (confiança ou persuasão subjetiva) nem fé meramente intelectual ou morta, mas a primeira virtude teologal (i.e. o assentimento do intelecto às verdades reveladas, por império da vontade sob a moção da graça), que, animada pela caridade, conforma toda a nossa a vida a Cristo. Logo, expressões como: Para que todo o que crê tenha a vida eterna são de sentido positivo, mas de modo algum exclusivo (i.e. Para que todo o que [apenas] crê…). A fé, com efeito, é, por parte do homem, a primeira condição da salvação, mas não a única nem a causa total dela [1].

V. 16. Causa e fim da encarnação. — Em seguida, o Senhor declara qual foi a causa principal da encarnação e da redenção dos homens: o amor de Deus [2]; ao mesmo tempo, exalta sob três títulos a grandeza deste amor: 1) por comparação entre as pessoas de quem deu e daqueles a quem foi dado: Pois Deus amou tanto o mundo; 2) pela excelência do dom: que deu o seu Filho unigênito; 3) pela grandeza do fruto e pela facilidade da salvação: para que não morra todo o que nele crer (cf. Jo 4,9; Rm 8,32).

N.B. — Atente-se a que: 1) neste v., a palavra mundo não significa o conjunto dos homens maus, como é frequente em Jo. (cf. Jo 1,10; 12,31; 14,30; 16,11; 1Jo 2,16. 4,4s; 5,19), mas todo o gênero humano (cf. 4,42; 6,33.51; 12,47); 2) por parte de Deus, o amor e o dom são universais: amou não só os justos, mas os homens de todos os povos e tempos; 3) o verbo deu pode significar entregou (gr. ἔδωκεν = παρέδωκεν. lt. daret = traderet), o que indicaria a morte de cruz, ou enviou (ἔδωκεν = ἀπέστειλεν, lt. daret = mitteret), o que indicaria mais a encarnação. A primeira interpretação é a mais provável e comum.

V. 17. Por ocasião das palavras anteriores, o Senhor aproveita para exprimir de modo ainda mais claro o fim da encarnação, qual seja, a redenção de todos os homens; ao mesmo tempo, põe em evidência o preconceito infundado de pensar que o Messias viria para julgar o mundo (i.e. para condenar os gentios): De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar (ἵνα κρίνῃ) o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele (cf. Mt 20,28). Julgar aqui é sinônimo de condenar (κρίνειν = κατακρίνειν), i.e. exercer contra o mundo a vingança divina, como acreditavam muitos judeus (cf. Jo 8,15; 12,47). Não obstante, uma vez que o Senhor há de vir em sua glória no fim do mundo para julgar os vivos e os mortos (cf. Jo 5,22-30; Mt 25,31-36), deve-se dizer que João considera aqui exclusivamente o múnus terreno de Cristo, i.e. o objetivo de sua primeira vinda, que foi de fato o múnus de Salvador, e não o de Juiz.

Objeção: Nos vaticínios do AT se diz muitas vezes que Deus virá para julgar, e se atribui ao Messias a função de verdadeiro juiz (cf. e.g. Is 11,4; 50,11; 53,1; Ml 3,2 etc.). — Resposta: Estas profecias podem referir-se ou ao juízo condenatório, e neste caso Cristo só o exercerá no fim do mundo, ou então ao juízo de discrição, e neste caso ele o exerceu já em sua primeira vinda, pois o seu advento em carne passível foi causa de discrição, i.e. de separação entre fiéis e infiéis (cf. Jo 3,18; v. também Lc 2,34 e Mt 10,34).

Referências

  1. O homem não é justificado nem pelas obras sem a fé nem pela fé sem as obras, mas pela graça santificante, da qual são inseparáveis as três virtudes teologais. Uma fé que não opera está morta, i.e. desprovida da seiva vital da caridade divina; de modo semelhante, as obras feitas sem a fé são como palha seca, sem qualquer valor aos olhos de Deus em ordem à salvação eterna. — Não se perca de vista, contudo, que não é equiparável a situação dos fiéis adultos à dos batizados sem uso da razão (párvulos e amentes). No caso daqueles, a fé é necessária não só em hábito, mas também em ato (informe, para a justificação; formado, para a salvação), ao passo que a estes basta a fé habitual (tanto para a justificação como para a salvação); logo, a necessidade da fé reduz-se à da graça santificante, separada da qual não pode subsistir em nenhum sujeito.
  2. Tenha-se em mente que o fim de todas as obras de Deus não pode ser outro que Deus mesmo (cf. Pv 16,4), i.e. sua própria bondade, a ser manifestada e comunicada às criaturas. Sendo em si mesmo perfeitíssimo, Deus não faz nada para aumentar a própria felicidade nem, muito menos, para adquiri-la, mas para manifestar sua perfeição pelos bens que comunica às criaturas (cf. Concílio Vaticano I, “Dei Filius”, c. 1; H.M. Lépicier, Institutiones theologicæ speculativæ, Roma, Marietti, 1931, p. 388, n. 4). Por isso, também a encarnação do Verbo e a redenção do gênero humano hão de ter por fim último absoluto a própria bondade divina, e não os homens, embora a segunda constitua o fim imediato da primeira e ambas se subordinem àquele mesmo fim último. O que não é obstáculo para dizer que a causa da encarnação redentora tenha sido, por certo ângulo, o amor de Deus ao mundo. Com efeito, pela encarnação do Verbo, ordenada na presente economia à salvação humana, manifesta Deus ao menos duas perfeições: a) sua misericórdia para com os homens, a quem não estava obrigado a resgatar, b) e sua justiça, ao exigir em reparação da ofensa do pecado uma satisfação adequada, oferecida ao Pai por Jesus Cristo enquanto cabeça da humanidade. Ora, como amar consiste em querer e buscar o bem do amado dentro da ordem devida, e o amor se prova pelas obras, o amor de Deus ao mundo, i.e. sua disposição misericordiosa de lhe restituir a graça, levou-o a dar seu Filho para que ele se oferecesse em sacrifício propiciatório, alcançando a só tempo a glória do Pai, a regeneração dos homens e a reparação da honra divina ultrajada.

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