Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo Mateus (Mt 3,13-17)
O Tempo Comum é o tempo litúrgico em que os cristãos são chamados a viver seu batismo com mais vigor, em meio "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias"[1]
Como meditamos há poucas semanas, a vinda de Cristo à Terra inaugurou a "economia sacramental", isto é, a ação salvífica de Deus sobre nós através dos sacramentos. Basicamente, essa economia "consiste na comunicação (ou «dispensação») dos frutos do mistério pascal de Cristo na celebração da liturgia «sacramental» da Igreja" (Cf. CIC, n. 1076). Jesus concede a nós, por mediação de Seu Corpo Místico, as graças obtidas na sua paixão, morte e ressurreição.
Nos sacramentos, então, recebemos a graça santificante. O batismo, por sua vez, age como uma espécie de regeneração. Trata-se de um "nascer de novo" em que o homem morre para o pecado e nasce para a vida eterna. A palavra batismo - do grego βαπτισμω - significa submersão, mergulho na água. Desse modo, o batismo é, ao mesmo tempo, um mergulho de morte - em simbologia ao dilúvio - e um renascer das águas cristalinas - como na ressurreição. Somos trazidos novamente à vida, mas, desta vez, para a vida espiritual. E é exatamente isso que nos deve ser claro. A vida do homem pode ser dividida em duas: a vida biológica e a vida eterna. E é a vida eterna a que mais nos interessa. No batismo, com efeito, somos regenerados nesta vida. Há mais do que um renascimento; há um transbordamento da vida.
As sagradas escrituras não nos deixam dúvidas acerca desta realidade. O batismo, de fato, opera um novo nascimento, convidando-nos a viver com Cristo, por Cristo e em Cristo. São Paulo, em sua carta aos Colossenses, por exemplo, diz o seguinte: "Sepultados com Ele no batismo, com Ele também ressuscitastes por vossa fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos." (Cf. 2, 12). Também em Romanos encontra-se um discurso muito semelhante: "Ou ignorais que todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na sua morte pelo batismo para que, como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Pai, assim nós também vivamos uma vida nova." (Cf. 6, 3-4). De igual modo, os santos padres nos recordam a mesma realidade, dizendo que a piscina batismal é, ao mesmo tempo, um sepulcro - onde morre o homem velho - e um útero - onde nasce o homem novo.
Não seria exagero algum dizer que a graça do batismo é ainda maior que a da criação. Na cena em que o evangelista descreve o batismo de Jesus vemos um perfeito reflexo daquele "Espírito de Deus que pairava sobre as águas" (Cf. 1, 2). O Espírito Santo desce em forma de pomba e paira sobre a cabeça de Cristo. É uma belíssima imagem. Nela, podemos prefigurar aquela dignidade descrita por Santo Agostinho em seu comentário sobre o Evangelho de São João. O santo explica que enquanto a criação passará, a salvação do justo permanecerá para sempre. Ora, o mistério do batismo, a bem da verdade, não pode ser explicado sequer por um doutor da Igreja. O que faz Jesus é algo de extremamente admirável, ao qual só podemos contemplar e dar glórias a Deus, por tamanha generosidade. De objetos na mão do diabo, "tornamo-nos "filhos de Deus", herdeiros de um tesouro nos céus, templos do Espírito Santo".
Tradicionalmente, a Igreja nos recorda que também no batismo podemos nos aproveitar da "comunhão espiritual". É uma excelente maneira de renovarmos nossas promessas batismais, trazendo para a nossa consciência a dignidade de "filhos de Deus". O batismo, ousamos dizer, nos dá uma dignidade maior que qualquer outra. Sem dúvida alguma, uma criança recém-batizada é um verdadeiro sacrário vivo. Nem sequer o sumo pontificado pode dar ao Cardeal Jorge Mario Bergoglio a graça que ele recebeu no dia de seu batismo. Exatamente por isso que Leônidas, o pai de Orígenes, ajoelhou-se perante o próprio filho logo após batizado dele. Com efeito, diante desses fatos, e tendo em conta o triste contra-testemunho de muitos de nossos irmãos cristãos, "quanto nos penaliza que o convite à penitência, à conversão, à oração, não tenha encontrado aquele acolhimento que devia"[2]
É verdade que o batismo possui suas exigências, mas o prêmio que se recebe vivendo-o perfeitamente é muito maior que qualquer tesouro que possamos ajuntar nesta terra. Trocá-lo, portanto, equivaleria a fazer como o Joãozinho da fábula que, diante das seduções do mundo e de uma pseudo proposta de liberdade, acaba barganhando sua "pepita de ouro" por uma "pedra de amolar":
[...] finalmente a pedra foi lançada ao rio, sem que o dono se achasse muito prejudicado. Pelo contrário, acreditou ter finalmente conquistado o dom mais precioso da liberdade completa: livre da sua pepita, livre do cavalo, da vaca, do ganso e da pedra de afiar. Quanto tempo teria durado o seu fascínio? Quão tenebroso lhe foi o despertar na estória de sua presumida libertação?[3]
Ora, também nós, se não estivermos atentos, podemos trocar nossa dignidade, nosso verdadeiro tesouro, por uma "pedra de amolar" e, finalmente, por um vazio existencial, no qual, presumidamente, só se pode encontrar a náusea. Diante disso, façamos como nos exorta São Paulo aos Colossensses mais uma vez: "Se, portanto, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus." (Cf. 3, 1).
Amém.
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