A direção espiritual de hoje é dedicada ao tema das mortificações. O problema aqui tratado, de modo mais particular, consiste em saber quais são as formas de mortificação mais adequadas aos tempos e às condições em que vivemos atualmente. Porque se é verdade, por um lado, que a mortificação é parte integrante da vida cristã e, portanto, um elemento indispensável a quem almeja chegar à perfeição no amor, nem por isso devemos afirmar, por outro, que todas as práticas penitenciais do passado sejam oportunas e convenientes ao cristão de hoje. Os tempos mudam e, com eles, os critérios do que é ou não confortável e incômodo, fácil e difícil, agradável e custoso tendem também a passar por sensíveis variações.
Seja como for, é importante ter sempre em mente que a mortificação ativa, em suas diversas manifestações, é, sim, uma necessidade, não só para repararmos os muitos pecados com que ofendemos a Deus, mas ainda para a nossa própria purificação e santificação. Precisamos mortificar-nos, no corpo e no espírito, a fim de pormos em ordem nossos afetos e dirigirmos nossa vida ao seu único e último fim: a glória a Deus. Por isso, o motivo principal da nossa mortificação não deve ser outro senão dispor o nosso coração, matando nele o que há de egoísmo e apego às criaturas, para amar o verdadeiro Amor.
Pois bem, feitas essas considerações iniciais, podemos encontrar em ninguém menos que S. Teresinha do Menino Jesus um guia mais do que confiável para saber como e em que medida devemos mortificar-nos. S. Teresinha, com efeito, foi um grande mensageiro enviado pelo Espírito Santo para iluminar os fiéis dos tempos modernos. E isso, antes de tudo, devido à sua profunda compreensão do espírito de ascese de S. João da Cruz. Para ela, assim como para o Doutor Místico, as mortificações extraordinárias, embora possam ter o seu valor, tendem muitas vezes a converter-se num caminho para o pior dos orgulhos, o orgulho espiritual de crer-se e sentir-se mais santo e virtuoso, e isto à custa das próprias forças e flagelos.
Daí que o principal vício que temos de combater não é tanto a gula ou a preguiça quanto esta soberba, que nos nossos dias se expressa como uma revolta sobranceira da inteligência e da razão. Com Lutero surge a pretensão do livre exame, em que cada um é para si mesmo palavra final e infalível; com o Iluminismo, do outro lado, deifica-se a razão humana e se lhe presta um culto que é a marca da nossa civilização laicista. É preciso, pois, ir direito ao pecado deste século — o orgulho da inteligência, virada de costas para Deus —, combatendo-o com humildade de espírito e coração.
Isso significa que, mais do que em praticar mortificações ativas, a nossa vida espiritual deve estar centrada em aceitar as mortificações passivas que Deus quiser-nos enviar. Não se trata, como é óbvio, de renunciar por completo à purificação dos sentidos e das potências da alma mediante privações justas e razoáveis, moderando os apetites, sabendo negar o que mais agrada ao paladar etc. Trata-se, isso sim, de uma infância espiritual, ou seja, da perfeita abnegação de si mesmo, inclusive nos menores e mais “insignificantes” detalhes de vida diária.
A nossa mortificação, nesse sentido, consistirá sobretudo em vencer-se a si mesmo e suportar, com ânimo resignado e docemente entregue à vontade divina, as dificuldades do dia-a-dia, as calúnias e detrações, as injustiças que nos atingem somente a nós, as humilhações e vexações que nos expõem a ridículo etc. Consistirá, noutras palavras, em querer ser esquecido e desprezado por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo: Pati et contemni pro Te. Será uma renúncia diária, descoberta apenas aos olhos do Pai, em que os sofrimentos involuntários se veem como uma visita amorosa de Deus. Será, enfim, um martírio continuado, às “alfinetadas”, pois quem não quer vencer o orgulho que lateja dentro de si, pela abnegação dos próprios caprichos e critérios, jamais se santificará, por maiores que sejam as mortificações ativas com que sulque a própria carne.
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