Para uma alma enamorada do Senhor, só existem o momento presente e a eternidade. Por isso, a vida dos grandes santos nunca se resumiu à simples "fuga do pecado": ela consistia, sobretudo, numa grande pressa de amar a Deus e alcançar a vida eterna.
Neste episódio do programa "Direção Espiritual", Padre Paulo Ricardo nos ensina a robustecer a virtude da esperança, a fim de subirmos, de degrau em degrau, a escada do amor divino.
Para alcançar a santidade, só tem um jeito: amar mais a Deus. Quanto mais se ama, mais se santifica. Mas, concretamente, como progredir na caridade e chegar a amá-Lo – como preceitua o Deuteronômio (6, 5) – com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças?
Vão aqui algumas dicas bem concretas de engenharia espiritual. O termo “engenharia" é proposital: para construir o “edifício" da nossa alma, existem, por assim dizer, três “andares", que são as virtudes teologais – fé, esperança e caridade.
A base de tudo é a virtude da fé. A fim de crescer na caridade, é importante alimentar especialmente a fé no amor de Deus, que Se entregou concretamente por cada um de nós, na Cruz. Para tanto, uma constante meditação da Paixão de Cristo, unida à convicção de que Ele morreu realmente “por mim", de modo bem específico, é suficiente para fazer brotar a gratidão de coração.
Surge, então, o desejo de amar a Deus de volta, corresponder à Sua iniciativa, ser-Lhe generoso – e subir ao terceiro andar do prédio, que é a caridade. Nesse anseio, porém, o homem esbarra com a sua miséria e falta de generosidade. O que o impede, afinal, de amar plenamente ao Senhor?
A resposta encontra-se no meio do caminho, na virtude da esperança. Antes de tudo, importa delinear o seu objeto: em primeiro lugar, o homem espera a própria salvação; em segundo, espera alcançar os meios para chegar a esse termo – afinal, não adianta querer vagamente amar a Deus, se não se faz o firme propósito, a “ determinada determinación" de agradá-Lo [1]. Uma breve noção da esperança, porém, pode ser dada nas seguintes palavras: ela é uma pressa de amar a Deus. Para uma alma enamorada do Senhor, nada existe senão o hoje, o agora, para amá-Lo.
De fato, o “hoje" é a única unidade do tempo que tem consistência ontológica (ou seja, que existe). Enquanto o “ontem" não existe mais, o “amanhã" não existe ainda; um já perdeu o ser, o outro não o ganhou. Além do “hoje", existe a eternidade, que está fora e além do tempo e que deve ser o objeto da nossa esperança. Infelizmente, quando se fala de esperança, as pessoas tendem a olhar para o futuro, para o amanhã. Mas a eternidade não está à frente, neste mundo, senão no alto, no Céu.
E, quando Deus nos visita, Ele sempre o faz no hoje. Por isso, não adianta adiar a ação de Deus para amanhã. Se alguém quer amar a Deus concretamente, deve focar-se no hoje e na eternidade, se não está edificando a própria casa na areia movediça. Ao homem é concedido apenas o agora, apenas o momento presente para amar a Deus. Não existe amanhã: essa é a sua última Missa, sua última Comunhão. Como alguém trataria seus parentes e amigos se soubesse que os veria pela última vez? Como receberia o Sacramento da Penitência, sabendo que é a última vez que o recebe?
Santa Teresinha do Menino Jesus, no poema “ Meu canto de hoje", escreve os seguintes versos, inflamados de amor:
“Minha vida é um instante, um rápido segundo,
Um dia só que passa e amanhã estará ausente;
Só tenho, para amar-Te, ó meu Deus, neste mundo,
O momento presente!..."
“Como Te amo, Jesus! Por Ti minha alma anseia;
Sejas meu doce apoio por um dia somente.
Reina em meu coração: Teu sorriso incendeia
Agora, no presente!"
“Que me importa, Senhor, se no futuro há sombra?
Rezar pelo amanhã? Minha alma não consente!
Guarda meu coração puro! Cobre-me com tua sombra
Agora, no presente!"
“Se penso no amanhã, temo ser inconstante,
Vejo nascer em meu coração a tristeza e o enfado.
Eu quero, Deus meu, o sofrimento, a prova torturante
Agora, no presente!"
“Devo ver-te em breve na praia eterna,
Ó Piloto Divino, cuja mão me conduz.
Sobre as vagas em fúria, guia minha navezinha
Agora, no presente."
“Ah! Deixa-me, Senhor, em tua Face esconder-me.
Para não ouvir o mundo a clamar futilmente.
Dá-me Teu amor, conserva-me tua graça
Agora, no presente."
“Junto ao Teu Coração divino, esqueço o que se passa,
Não temo mais a noite em ameaça.
Dá-me em Teu Coração, Jesus, um lugar,
Agora, no presente."
“Pão vivo, Pão do Céu, divina Eucaristia,
Ó mistério sagrado! que o Amor produziu…
Vem morar no meu coração, minha branca Hóstia,
Agora, no presente."
“Digna-Te unir-me a Ti, Vinhedo Consagrado,
Para que meu ramo assim, com frutos, se apresente
E eu vou Te oferecer algum cacho dourado, Senhor,
Agora, no presente."
“Esse cacho de amor, cujos grãos são as almas…
Só tenho para formá-lo este dia que foge.
Ah! Dá-me, Jesus, de um Apóstolo o ardor,
Agora, no presente."
“Virgem Imaculada, tu és minha Doce Estrela.
Que me dás Jesus e a Ele me unes;
Deixa-me, terna Mãe, repousas sob teu véu
Agora, no presente."
“Anjo da minha guarda, cobre-me com tuas asas,
Clareia com teus fogos a estrada que sigo;
Vem dirigir meu passo e auxiliar-me, te peço,
Agora, no presente."
“Quero ver-Te sem véu, Senhor! Sem nuvem,
Sua, ainda exilada, longe de ti, languesço.
Não me escondas, meu Deus, Tua amável Face
Agora, no presente."
“Já voarei ao céu para que aí profira
Meus louvores a Ti, no dia sem poente,
Quando, então, cantarei em angélica lira
O Eterno presente!..." [2]
Não nos distraiamos, pois, com o amanhã. Como ensina Nosso Senhor, “a cada dia basta o seu mal" (Mt 6, 34). Só temos “o momento presente" para amar a Deus, e nada mais.
O que achou desse conteúdo?