Com o fim de bem aproveitarmos este mês dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, índice natural da caridade infinita que Nosso Senhor tem para com todos os homens, abordaremos na "Direção Espiritual" de hoje, em breves pinceladas, o tema do amor humano enfocado do ponto de vista da nossa capacidade de amar. E para melhor compreendermos o que ensinam a este respeito os grandes mestres da espiritualidade cristã, é preciso deixar claro desde o início que, ao falarmos de amor, podemos estar-nos referindo a três realidades distintas, que apontam não somente para as diferentes maneiras com que reagimos diante de um bem, mas ainda para os diversos "níveis de profundidade", por assim dizer, em que experimentamos isso a que corriqueiramente chamamos "amar".
a) O amor enquanto paixão. — O amor pode dar-se num primeiro momento como simples paixão. As paixões, vale lembrar, designam em sua acepção filosófica clássica aqueles movimentos decorrentes da apreensão de um bem ou mal sensível e que vêm acompanhados, de modo mais ou menos intenso, de alguma alteração orgânica, identificada como um sentimento; são energias ou forças que, sendo neutras em si mesmas, podem ser postas a serviço tanto do bem quanto do mal, conforme a orientação que se lhes dê e a educação a que forem submetidas. Ora, dado que há em nós uma faculdade orgânica chamada apetite sensitivo, voltada para a busca do bem enquanto material e agradável aos sentidos — quer dizer, sob o aspecto da pura sensualidade, entendida em sentido amplo —, a apreensão de um bem que nos atrai produz em nós um movimento passional básico denominado amor. Trata-se de uma paixão presente já nos animais, cuja sobrevivência seria impossível se neles não houvesse uma inclinação genérica que os fizesse tender aos bens adequados. Ora, é evidente que o amor experimentado nesse nível é bastante rudimentar e inferior às alturas a que podemos elevá-lo.
b) O amor enquanto ato voluntário. — Mais do que um amor carnal e "apaixonado", a alma humana, criada livremente por Deus para livremente O amar de volta, é capaz de um amor espiritual, nascido de um ato de vontade. A vontade, também conhecida como apetite racional, é uma faculdade imaterial que nos faz buscar o bem enquanto conhecido pela inteligência. Se o apetite sensitivo, por um lado, se ordena ao bem na medida em que é captado pelos sentidos como deleitável, o apetite racional, por outro, tem por objeto o bem sob a razão de bem, ou seja, tende a ele na medida em que o entendimento previamente lho propõe algo bom em si mesmo e, portanto, desejável e conveniente. Isso deixa claro que a vontade é uma capacidade exclusiva dos seres inteligentes, os únicos que podem renunciar aos bens e prazeres do corpo em favor de bens maiores e mais valiosos; só o homem, com efeito, tem o poder de sacrificar-se pelos amigos, dispor dos próprios recursos para socorrer a quem mais precisa, refrear os desejos da carne para manter-se fiel aos compromissos do casamento, fazer jejum em penitência e persistir numa vida de oração árida, sem gosto nem consolação.
c) O amor do Espírito Santo. — Além destes dois "corações", pode haver em nosso peito um terceiro, formado pela ação do Espírito Santo nos que estão na graça de Deus, e que nos capacita a amar com um amor sobre-humano, alimentado pela virtude teologal da caridade. Esse terceiro "coração" é como um fogo abrasador que o Espírito acende no altar de nossa alma, sede da inteligência e da vontade, para nele incendiar em sacrifício ao Pai de todo o nosso ser, nossas paixões, sentimentos e desejos, tornando-nos hóstias vivas, vítimas de amor unidas ao Senhor crucificado em sua oblação propiciatória a Deus pelos pecados do mundo. Somente este amor divino, trazido do alto ao nosso peito miserável, pode fazer-nos amar a Deus como Ele merece ser amado, enfrentar os sofrimentos desta vida, aceitar com resignação e paciência as cruzes que Ele nos permite ou envia, praticar com espírito reparador mortificações voluntárias e em tudo preferir a dor ao prazer; somente este amor é um fogo que sempre arde e sempre cresce, que nos faz amar com um fervor e intensidade impossíveis a nossas forças naturais.
Roguemos pois a Cristo, Nosso Senhor, que nos faça experimentar o calor de sua caridade sem limites e nos conceda a graça de, a exemplo de São João, o discípulo amado, levarmos em nossa intimidade a Virgem Santíssima. Com o propósito de estimularmos em nossa alma a chama deste divino amor, imploremos ao Espírito Santo que nos dê crescer em piedade e devoção ao Sacratíssimo Coração de Jesus, símbolo expressivo da infinita caridade do Senhor para conosco, a ele unindo o culto devido ao Imaculado Coração de Maria, que esteve intimamente associado, mais do que qualquer outro, às dores redentoras de seu Filho. Prestemos, enfim, a esses dois Corações, que nos querem fazer semelhantes a si, os obséquios da nossa mais filial piedade, do nosso mais ardente amor, do nosso mais profundo agradecimento e da nossa mais sincera reparação. — Doce Coração de Jesus, sede o meu amor! Doce Coração de Maria, sede a minha salvação!
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