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Humildade e vida espiritual

Não há perigo maior para quem começou a rezar do que a vanglória. É impossível crer e avançar de fé em fé se o que se busca é a própria glória, e não aquela que é só de Deus. Nesta “Direção Espiritual”, Padre Paulo Ricardo ensina-nos que remédio dar a este mal tão comum.

Texto do episódio
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Um dos problemas mais comuns — e também um dos mais perigosos — com que deparam os principiantes na vida espiritual é a falta de humildade. Muitos deles, depois de longos anos de pecado e esquecimento de Deus, se convertem e, com decisão muitas vezes sincera, empenham-se em ter uma vida de oração íntima e constante. Esse novo empreendimento, por assim dizer, costuma ter um bom ponto de partida: a humilhação e o reconhecimento diante do Senhor das próprias misérias, faltas e debilidades. Os que perseveram nessa humildade inicial tendem, via de regra, a perseverar também em seus propósitos, a crescer espiritualmente e a experimentar o que em episódios passados caracterizamos como ato de fé.

O ato de fé a que nos referimos, vale a pena lembrar, é um fenômeno espiritual que acontece geralmente nos momentos de oração. Trata-se de uma moção da graça que, atuando sobre a nossa vontade, convida a nossa inteligência a crer com mais firmeza nas verdades reveladas por Deus. Podemos entendê-lo também como um toque do Ressuscitado pelo qual nos damos conta, sob uma luz mais clara, da verdade e da doçura sempre inesgotáveis da nossa fé. É como um “cair a ficha” a respeito do que já sabíamos pela fé, mas que passamos a saber agora com mais claridade, firmeza e com um novo “sabor”.

No entanto, é triste notar que alguns desses principiantes, depois de darem os passos iniciais na vida de oração, acabam se esquecendo da humildade com que começaram a caminhar e, assim, são levados a imaginar que já chegaram ao fim da caminho. Sentindo-se muito progredidos, devotos e virtuosos, enchem-se de vaidade e, por causa disso, paralisam a própria alma, tornando-a incapaz de repetir aqueles atos de fé que Deus lhes concedera inicialmente. Essa é a causa de parte não desprezível dos períodos de aridez, secura e distração de que tantos se queixam.

Jesus resumiu essa paralisia espiritual numa conhecida passagem do Evangelho, por ocasião de mais um confrontamento com os fariseus: “Como podeis crer, vós que recebeis a glória uns dos outros, e não buscais a glória que é só de Deus?” (Jo 5, 44). Nosso Senhor deixa claro aqui que a vaidade e a soberba, o buscar a todo instante aprovação e elogios, é um impedimento grave à fé. Não pode crer nem, portanto, realizar atos de fé na oração quem busca a própria glória, e não a que vem de Deus. O principiante deixou, é verdade, de cometer aqueles pecados mais rudes e grosseiros, pôs um pouco de ordem na vida e passou a dedicar algum tempo à oração e às práticas de piedade, mas se encontrou com uma barreira à graça e ao seu crescimento espiritual: a vanglória, essa erva daninha que corrompe e afeia as melhores obras.

Por isso, é de grandíssima importância que cada oração comece por um ato de humilhação. Não se trata de uma pura “formalidade” nem de uma tola “encenação”, como quem nega de modo afetado e quase teatral as boas qualidades que possui, mas de um requisito lógico e necessário desse contato pessoal com Deus no qual consiste a oração: para encontrar-nos com Ele, que é Misericórdia, precisamos encontrar-nos primeiro conosco, que somos miséria. Isso significa, em outras palavras, que o conhecimento íntimo de Deus que buscamos ao rezar deve estar baseado num autoconhecimento franco e realista [1].

Esse conhecimento de si nem sempre é agradável, mas nem por isso é menos verdadeiro. Chegar a conhecer com justiça o pouco que se é, reconhecendo sinceramente os próprios defeitos e imperfeições, é muitas vezes um caminho doloroso, no qual hão de cair máscaras e mentiras, mas também profundamente libertador (cf. Jo 8, 32). Só assim, conhecendo-nos como somos, poderemos nos abrir com franqueza à palavra que Deus nos quer dirigir.

O ato de humildade, nesse sentido, pode ser comparado com a genuflexão que fazemos diante do Santíssimo Sacramento. Pondo-nos de joelhos no chão, mostramos a Cristo que nada somos e que o adoramos com aquele que é o nosso tudo. Do mesmo modo, humilhando-nos na hora de rezar, expressamos ao Senhor que só Ele é (cf. Ex 3, 14), ao passo que nós, criaturas vindas do nada, não somos.

É só com os pés bem firmes no conhecimento da nossa pequenez que poderemos avançar na vida espiritual. Que Deus, eterno e misericordioso, nos conceda essa luz, esse conhecimento e esse andar na verdade [2] sobre nós mesmos. Antes de nos pormos a rezar, expressemos sempre a Ele, de coração contrito e humilhado, que lhe estamos inteiramente sujeitos, como servos temerosos e tão proclives à desobediência; que reconhecemos o quanto temos faltado com o cumprimento dos nossos deveres de estado; que necessitamos, como ramos unidos à videira, da seiva de sua graça, sem a qual nada podemos fazer (cf. Jo 15, 4-5); que tudo o que de bom há em nós — talentos e virtudes — é presente imerecido da sua infinita liberalidade.

Referências

  1. Este autoconhecimento, porém, nada tem de psicologismo. Não se trata de fazer uma espécie de auto-análise, à busca de possíveis causas emotivas ou biográficas dos próprios atos. Trata-se, no fundo, de conhecer-se à luz de Deus, de saber-se pequeno ante a grandeza de um Amor que não merecemos e que, mesmo assim, se inclina para tirar-nos da profundeza do nosso egoísmo.
  2. Cf. S. Teresa d’Ávila, Sextas Moradas, c. 10, n. 7.
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