Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 10,13-16)
Naquele tempo, disse Jesus: “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres que foram feitos no vosso meio, há muito tempo teriam feito penitência, vestindo-se de cilício e sentando-se sobre cinzas. Pois bem: no dia do julgamento, Tiro e Sidônia terão uma sentença menos dura do que vós. Ai de ti, Carfanaum! Serás elevada até o céu? Não, tu serás atirada no inferno. Quem vos escuta a mim escuta; e quem vos rejeita a mim despreza; mas quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou”.
Com grande alegria celebramos hoje a memória de Santa Teresinha do Menino Jesus, Virgem e Doutora da Igreja. Com alegria mesmo! Todo o mundo sabe da devoção que tenho à Santa Teresinha e da importância dela em minha vida espiritual. Eu gostaria de refletir sobre a importância dessa grande Doutora da Igreja para os tempos modernos, importância que vai além da devoção subjetiva de meus gostos pessoais. Por que essa menina, que viveu no século XIX e morreu em 1897 com apenas 24 anos de idade, é Doutora da Igreja? Antes de tudo, o milagre: Teresinha santificou-se numa França contaminada de jansenismo. O que é o jansenismo? Uma heresia. Na verdade, os jansenistas eram bispos, padres e leigos que, no fundo, não eram católicos; eram calvinistas que viviam uma vida exteriormente católica (celebravam Missa, os sacramentos etc.), mas tinham uma mentalidade nada católica. Para eles, Deus criou a humanidade, e a maior parte dela é uma massa damnata, ou seja, gente criada para ser condenada ao inferno. É um dos grandes erros do jansenismo.
Ora, a verdade católica nos ensina que Deus quer que todos os homens se salvem, de modo que nenhum deles foi criado para ser para o inferno. Os que se condenam, sejam muitos ou poucos — a questão aqui não é a quantidade —, se condenam por culpa própria, porque não quiseram fazer bom uso das graças e dos atos de misericórdia de Deus. Na França de Teresinha, muitos caíam no pecado de desespero por pensar que eram pouquíssimos os que se salvavam. Não havia espaço para confiar em Deus. Reinava a insegurança de uns, a qual logo se convertia em certeza de condenação, e a presunção de outros, que se criam parte da raça eleita, seleta e diminuta de homens que não só seriam salvos, mas que se salvariam a si mesmos pelas próprias virtudes. Eis a triste situação em que vivia a Igreja na França de Santa Teresinha: por um lado, a convicção geral de que quase todos seriam condenados — daí o derrotismo e a desesperança da maioria; por outro, a petulância particular de um grupinho de soberbos — daí a presunção e o pelagianismo de uns poucos. Era a anulação, teórica e prática, do Evangelho.
Hoje, a situação da Igreja não é distinta; só trocamos os sinais. Na época de Teresinha, havia uma multidão de almas que, independentemente do que fizessem, pensavam estar condenadas; na nossa, vemos uma multidão de almas que, sem precisar fazer nada, pensam ter o céu garantido. Hoje em dia, todos se salvam “de boa”; ir pra céu é como andar de bicicleta, com a vantagem de que não é preciso nem mesmo pedalar. Enquanto o pecado comum da época de Teresinha era o desespero, o da nossa é a presunção, e se antes eram poucos os presunçosos, hoje são já a maioria… Mas tanto um pecado quanto outro anulam a misericórdia: o desespero, por não confiar nela; a presunção, por achar que não precisa dela. Nem o presunçoso nem o desesperado fazem o que Deus quer: que nos entreguemos a Ele e o deixemos moldar nossa vida, como um oleiro que trabalha o barro, ou como a bailarina que se deixa guiar pelo homem numa dança de salão. No fundo, Deus quer agir em nós, e nós não devemos atrapalhá-lo. A melhor comparação, na verdade, é a de Teresinha: com Deus devemos ser como crianças que confiam no pai, que se jogam nos braços dele, seguras de que, embora não saibam ou entendam nada, não poderiam estar em melhores mãos.
Deus é sábio, Deus é bom, Deus é poderoso, por que então temer? Não precisamos entender sempre todos os porquês — o porquê de um sofrimento, de uma perda, de uma dificuldade, de uma traição, de uma injustiça, de uma doença… —; precisamos, isso sim, ter a atitude de uma criança: confiar. O erro do século XIX, jansenista, e o erro do nosso, laxista, foi justamente não confiar. Antes se desesperava porque não se tinha certeza da salvação; hoje se presume dela porque se quer ter certeza de tudo. Nós temos de dobrar nossa inteligência diante de Deus e entender o seguinte: Ele, bondade infinita, quer-nos levar para o céu, e embora isso dependa da ação divina, nós podemos e devemos colaborar de alguma forma, a saber, entregando-nos e não pondo obstáculos. Tenho de estar disposto a mudar minhas opiniões. Tenho de estar disposto inclusive a não entender plenamente os caminhos pelos quais Ele me está guiando e, como uma criança, jogar-me nos braços dele porque Ele é bom.
Eu confio, eu sou amado. Se Deus me pede alguma coisa, vou deixá-la com generosidade, e que Ele vá me moldando, que Ele vá agindo em mim. Os desesperados do século XIX de Santa Teresinha não deixavam que Deus os moldasse porque não tinham esperança; os presunçosos do século XXI tampouco deixam que Deus os molde. Mas por quê? Porque não precisam mudar nada; “a gente já está salvo”! São duas formas de pecar contra a docilidade devida a Nosso Senhor. Que possamos tomá-lo pela mão e, de agora em diante, confiar nele sem restrições. É o caminho da infância espiritual de Santa Teresinha do Menino Jesus.
O que achou desse conteúdo?