Nestes tempos de preparação para o Natal, estive a ler o famoso livro de G. K. Chesterton O homem eterno. A obra está dividida em duas partes. Na primeira, narra-se o início da humanidade com o homem das cavernas; na segunda, fala-se da redenção da humanidade como um reinício, uma recriação do homem com a Encarnação de Nosso Senhor. Como grande escritor que é, Chesterton repara em algo muito curioso: também neste reinício, a humanidade começou numa caverna.
É um detalhe de que pouca gente se dá conta. Quando montamos em casa o nosso presépio, há sempre uma casinha pobre, uma choupana de madeira ou de barro. No entanto, o presépio tradicional, o que vemos pintado em tantos ícones, é uma gruta, uma caverna, quase um covão a céu aberto. É por isso que, entre o povo nordestino, aqui no Brasil, o presépio também é chamado de lapinha, costume seguido em algumas zonas de Portugal, como na Ilha da Madeira, por exemplo. Uma lapa — talvez muitos não o saibam — não é apenas um bairro da grande São Paulo, mas uma formação rochosa semelhante a uma cova.
Foi justamente numa lapinha, aberta em algum montículo das redondezas, utilizada pelos pastores de Belém como estábulo natural, que José e Maria precisaram refugiar-se, depois de terem procurado em vão alguma vaga nas estalagens da cidade. É o que escreve o evangelista S. Lucas, dizendo tanto com tão pouco: “Não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 7).
Mas que importância tem esse detalhe, hoje tão esquecido, para a celebração do Natal? A importância não está tanto na caverna quanto no que ela exige. Para entrar em uma gruta, como a em que nasceu o Menino Jesus, é preciso baixar a cabeça. As entradas das cavernas, de fato, geralmente são apertadas, baixinhas, exigindo de nós, se nelas quisermos entrar, humildade. Por isso, quem quer ver onde nasceu Cristo precisa humilhar-se, precisa baixar a cabeça, precisa fazer, numa palavra, o que fizeram Cristo, ao se encarnar, e Maria, ao dizer sim à Encarnação.
É este o maior mistério de humildade que jamais houve. Foi com a humildade que ele teve início, e foi com a humildade que ele teve cumprimento. A Encarnação, no início, dependeu da humildade de Maria, a virtude que mais atraiu, dentre as muitas que ela possuía, o olhar de Deus. É ela mesma quem o diz, ao entoar aquele hino magnífico: “Minha alma glorifica ao Senhor, porque olhou para sua pobre serva” — quia respexit humilitatem ancillae suae, “porque olhou para a humildade de sua escrava” (Lc 1, 46.48), diz a tradução Vulgata.
Foi no ventre dessa humildade que se quis humilhar, encarnando-se, a própria Humildade: “E o Verbo se fez carne” (Jo 1, 14), rebaixando-se a ser como somos nós (cf. Fl 2, 8). Mas se Maria se rebaixou na Encarnação, se o Filho de Deus se rebaixou na Encarnação, por que nós não nos rebaixamos para contemplar o mistério que celebra hoje a Santa Igreja?
Por que, perguntemos ainda uma vez, não encontra Deus uma morada na época de Natal, como tampouco encontrou uma quando se encarnou? É verdade: muitas famílias se reúnem, põem-se à volta da mesa, coroada com um farto peru, estouram champanhe e trocam, sorridentes, várias lembranças. Mas a quantas destas ceias não estará ausente Nosso Senhor? E está ausente, não porque se coma e festeje, que a isso não nos proíbe a justa e sincera alegria do Natal. Ele está ausente porque, em meio a estas exações de fim de ano, falta quem creia, falta quem se humilhe, falta quem ponha de lado a soberba — triste honra do homem moderno — para crer em tudo o que implica a Encarnação de Cristo, nosso Deus.
Pois não há raciocínios, não há deduções, não há nada que nos faça compreender a grandeza que é um Deus feito homem por amor ao homem. E mais: feito Menino. O que sustenta com mão potente as estrelas é hoje, indefeso, sustentado nos braços de Maria. O que dá ser e vida a todas as coisas é hoje, faminto, amamentado por sua Mãe. O que é fonte de alegria e bem-aventurança hoje chora, assestado pelo frio da noite, sufocado pelo cheiro forte de curral.
Como um Menino recém-nascido, o Criador se faz a mais indefesa e inofensiva das criaturas. Por amor a mim, fez-se impotente a Onipotência, fez-se desprezível a Majestade, fez-se temporal o Eterno, fez-se mortal a Vida imortal. E por que os homens não o crêem? Porque se trata de uma verdade tão sublime que, pensam, há de ser invenção, não pode ser possível. E no entanto os fatos o comprovam, a Igreja o ensina com palavra infalível, os santos e mártires o testemunham com vida e com sangue: é verdade, Deus se fez homem, e veio habitar, ainda hoje, no meio de nós, mas desde que tenhamos fé.
Desde que tenhamos fé, sim, porque sem ela, sem a fé que nos abre as portas para o mistério da Encarnação, como havemos de participar da verdadeira alegria de Natal, daquela mesma alegria que tomou conta dos corações de Isabel e João Batista, ao receberem a visita de Maria e Jesus? “Apenas Isabel ouviu a saudação de Maria”, diz S. Lucas, “a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. E exclamou em alta voz: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre’” (Lc 1, 41-42). E por que estremeceu ela, senão porque viu, pela fé, quem era aquele que a vinha visitar: “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?” (Lc 1, 43).
A quem tem fé, o primeiro presente que traz Cristo é justamente a alegria. Foi o que trouxe, como vimos, ao visitar com sua Mãe a família de Zacarias. Foi o que levou também àqueles pastores que, despreocupados no campo, receberam do anjo aquele anúncio tremendo: “Eis que vos anuncio uma Boa-Nova que será alegria para todo o povo: hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2, 10-11). Mas isso, repitamos, só a quem baixa a cabeça, só a quem se humilha, só a quem — diferentemente de João no domingo de Páscoa, que só creu depois de ter entrado no sepulcro — primeiro crê para só depois entrar na gruta.
Meus irmãos, Deus hoje se humilhou por nós. Façamos nós o mesmo e nos humilhemos diante dele. Deus hoje se põe, pequenino, nos braços queridos daquela Virgem, em cujo Coração já havia muito que vivia. Saibamos nós nos aproximar dela, para podermos “mimar”, com o pouco de fé e devoção que tivermos, aquela santa criança, cujo nascimento e cuja morte foram duas grandes humilhações, duas grandes provas de amor aos homens, inclusive aos tantos ingratos que, como nós, não lhe dão o devido valor.
E para que a nossa humilhação seja sincera e verdadeiramente sentida, confessemos ao Menino de Jesus que, se a lapinha que o acolheu nesta noite era fria e mal cheirosa, muito pior, muito mais frio e de ares muito mais rançosos é o nosso coração. E no entanto, apesar de termos tão pouco a lhe oferecer, queremos que Ele se digne a fazer hoje em nós a sua morada. — Ó José, ó Maria, vede bem que o lugar que aqui vos tenho preparado é muito apertado e muito mais pobre do que vossa casinha lá em Nazaré; mas, ainda que estejais até mais bem acomodados na lapinha de Belém, aceitai hoje o meu convite e tende a bondade de refugiar-vos nesta noite, com o Menino Deus ao colo, na caverna do meu coração. Senti-vos em casa e, se não vos posso oferecer, nem a vós nem à divina criança que me trazeis, galas ou confortos, recebei ao menos o único que vos posso oferecer, e que tantos habitantes de Belém vos negaram: “Não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 7).
Hoje, meu Jesus, que ao menos hoje haja para vós e os vossos pais um lugar na lapinha do meu coração. Só assim será feliz este santo Natal!
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