Por ocasião da Quaresma, muitos católicos têm o costume de fazer propósitos penitenciais, que na linguagem canônica recebem o nome de votos. Em sentido técnico, é voto toda promessa deliberada e livre feita a Deus (CDC, cân. 1191), com o fim de o louvar e glorificar de alguma maneira concreta. Enquanto promessa, o voto supõe a vontade de se obrigar a fazer ou omitir algo como, v.gr., rezar o Terço todos os dias ou abster-se de carne às quartas-feiras. Para ter valor, é necessário que a promessa verse sobre um objeto possível e melhor, quer dizer, sobre um bem que possa honrar a Deus e ser-lhe aceito e que o vovente esteja em condições de cumprir. Assim, há quem se obrigue a não tomar refrigerante durante a Quaresma, a rezar alguns minutos a mais por dia, a visitar em peregrinação um santuário mariano etc.
Pois bem, é pecado grave quebrar uma penitência quaresmal, ou seja, um voto privado? Para responder a essa pergunta, é preciso ter em mente que o voto é uma forma de “autolegislação”, isto é, um compromisso assumido diante de Deus cujos termos são determinados pelo próprio vovente. Isso significa que está nas mãos de quem promete escolher a que cláusulas se estará vinculando: se em todos os dias de Quaresma, se apenas às quartas e sextas-feiras; se deixará de beber todo tipo de refrigerante, se apenas o de uma ou outra marca; se rezará dez ou quinze minutos a mais; se irá em peregrinação a pé ou de carro, etc. etc. Por esta mesma razão, o vovente tem a liberdade de se obrigar ou não diante de Deus sob pena de pecado grave, o que na linguagem dos moralistas se chama “obrigação sub gravi”.
Ora, uma vez que o voto, como todos os contratos firmados, deve ser cumprido (cf. CDC, cân. 1191), é evidente que os fiéis não devem ser encorajados a emitir votos sob pena de pecado mortal, sem uma prudente deliberação e a consulta prévia a um diretor espiritual que os aconselhe e possa acompanhar. Quem se obriga diante de Deus sob pena de pecado grave, está assumindo por sua própria vontade o risco de pecar mortalmente ao deixar de cumprir, seja por desleixo ou inconstância, a promessa feita. Por isso, “mais vale não fazer voto”, obrigando-se temerariamente sub gravi, do “que prometer e não ser fiel à promessa” (Ecle 3, 4; cf. Dt 23, 22; Nm 30, 3).
E quem, por leviandade, descuido ou desconhecimento, já “assinou o contrato”, obrigando-se sub gravi? Neste caso, é preciso recorrer ao Ordinário do lugar ou ao próprio pároco, a quem compete a autoridade de dispensar por justa causa dos votos privados aos seus fiéis e aos peregrinos que se encontram nos limites de sua jurisdição (cf. CDC, cân. 1196). Quanto aos que, sem se terem obrigado sub gravi, acabam descumprindo a promessa feita, incorrem eles em pecado venial e, como todos os fiéis, são chamados a pedir a Deus uma vontade firme e constante, que ajudada pela graça se torne capaz de oferecer ao Senhor as pequenas coisas que podem fazer da nossa vida um culto perpétuo à grandeza e à majestade divinas.
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