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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 6, 34-44)

Naquele tempo, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas. Quando estava ficando tarde, os discípulos chegaram perto de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e já é tarde. Despede o povo para que possa ir aos campos e povoados vizinhos comprar alguma coisa para comer”. Mas Jesus respondeu: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Os discípulos perguntaram: “Queres que gastemos duzentos denários para comprar pão e dar-lhes de comer?” Jesus perguntou: “Quantos pães tendes? Ide ver”. Eles foram e responderam: “Cinco pães e dois peixes”. Então Jesus mandou que todos se sentassem na grama verde, formando grupos. E todos se sentaram, formando grupos de cem e de cinquenta pessoas. Depois Jesus pegou os cinco pães e dois peixes, ergueu os olhos para o céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e ia dando aos discípulos, para que os distribuíssem. Dividiu entre todos também os dois peixes. Todos comeram, ficaram satisfeitos, e recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e também dos peixes. O número dos que comeram os pães era de cinco mil homens.

Comentário

§1. Jesus retira-se ao deserto (cf. Mt 14,13a; Mc 6,31ss; Lc 9,10b; Jo 6,1). — O motivo da partida é diverso entre os evangelistas, mas não contrário. Mt: Tendo Jesus ouvido isto (a morte do Batista), retirou-se dali numa barca a um lugar solitário afastado. Como estas palavras vêm logo após a narração do suplício de João Batista, é possível que Jesus se tenha retirado do lugar em que estava, não pelo risco de ter o mesmo fim, como pensam muitos (no dia seguinte, afinal, voltou a Cafarnaum), senão para mostrar, talvez, o horror que lhe causara o crime abominável de Herodes, a menos que se prefira, com Buzy e outros, atribuir essa transição ao método literário do primeiro evangelista. Como quer que seja, parece mais coerente o motivo alegado por Mc e Lc, a saber: para que os discípulos, ao voltar da expedição apostólica, pudessem descansar um pouco longe das turbas: Vinde à parte, a um lugar solitário, e descansai um pouco. Em Cafarnaum, com efeito, o mesmo evangelista atesta não terem as turbas dado a eles nenhuma oportunidade de descanso (cf. v. 31b).

O deserto em que se reuniu a pequena grei de Cristo estava, segundo Jo (cf. 6,1), além do mar da Galileia, i.e. às margens orientais, o que se deduz também de Jo 6,22s; Lc é mais claro: um lugar (do território) de Betsaida (v. 10). Trata-se de Betsaida Júlia (assim chamada em honra a Júlia, filha de Augusto, segundo Flávio Josefo, ant. xviii 21; bell. ii 9 1), cidade transjordânica (cf. Mt 14,13) pertencente à tetrarquia de Filipe, situada não muito longe de um afluente do Jordão (cf. bell. iii 10 7). Nesse deserto, i.e. um lugar desabitado e pouco fértil, coberto porém de relva verde (cf. Mc 6,30; Jo 6,10), não longe da margem do lago, ocorreu a primeira multiplicação dos pães. Ali perto havia uma colina (cf. Mt 14,23; Mc 6,46; Jo 6,15).

Não poucos autores, apoiados numa tradição do séc. IV, mas contrária ao que diz abertamente o Evangelho, situam a primeira multiplicação dos pães na Cisjordânia, em et-Tabgha (Ἐπτάπηγον). Ali, é certo, foi construída antigamente uma igreja, descoberta na década de 1930; mas nenhuma tradição, por antiga que seja, deve ser preferida ao texto evangélico.

É Jo quem nos diz em que tempo aconteceram essas coisas: A Páscoa, a festa dos Judeus, estava próxima (6,4); a menção à relva verde (cf. Mc 6,34: χλωρός, verdejante, de χλόη, ‘o primeiro germe da erva’), aliás abundante (cf. Jo 6,10: πολύς), indica que o mês era Nisan: de fato, ‘[e]stas condições não se realizam às margens do lago senão da metade de maio à metade de abril’ (Prat i 381, n. 1). — Com base no que dirá Jo logo em seguida, é verossímil que a multiplicação dos pães tenha ocorrido numa quinta-feira após o meio-dia.

§2. Milagre (cf. Mt 14,13b-21; Mc 6,32-44; Lc 9,11-17; Jo 6,2-15). — Esse estupendo prodígio é descrito por todos os evangelistas de modo quase idêntico. As discrepâncias entre os quatro textos se devem à índole literária de cada um deles e podem ser elucidadas sem nenhuma dificuldade. — Note-se porém:

a) A razão do milagre, para muitos antigos, seria a manifestação do poder divino de Cristo; mas o texto deixa claro que se trata, no fundo, de sua compaixão (cf. Mt 14,14: ἐσπλαγχνίσθη, comovido nas vísceras, i.e. surgiram-lhe na alma afetos de misericórdia); a ocasião, por sua vez, foram as multidões (cerca de 5000, de acordo com Mt, Mc, Lc e Jo, sem contar crianças e mulheres: cf. Mt 14,21), que para lá acorriam, vindas de todas as cidades (na margem sentrional do lago), as quais, embora movendo-se à pé, conseguiram, ao menos em parte, adiantar-se ao Mestre, que viajara até ali de barco (cf. Mc 6,33; Mt 14,13).

b) Pode-se distinguir, no que toca à narração: 1) uma introdução histórica (cf. Jo 10,1-4); 2) a preparação do milagre (Mc 6,25ss); 3) a realização do milagre (cf. Mc 6,39; Jo 10,11ss); 4) e o efeito do milagre (cf. Jo 10,14s). 

c) Jo refere mais circunstâncias do que os sinóticos, entre elas: o diálogo do Senhor com Filipe (v. 5ss) e a advertência de André (cf. v. 9; contudo, Mc 6,37 = Jo 6,7).

‘Por que Filipe fala de 200 denários? A quantidade de pão para um adulto — o pão é seu principal alimento — é o que se pode fazer com um litro de farinha. Por um denário se comprava ordinariamente uma fogaça de pão de trigo ou duas de cevada, calculando a fogaça, com cifras redondas, em 12 litros de farinha. Por um denário se obtinha, pois, o pão de cada dia para 12 pessoas, tratando-se de farinha de trigo, e para 24, se se tratava de pão de cevada. Pelos 200 denários que propõe Filipe se teria obtido o pão de cada dia para 2400 adultos, se fosse de trigo, e, se fosse de cevada, para 4800. Ora, havia ali, contando somente os homens, 5000 . . . ; a quantidade de dinheiro tinha, pois, de ser maior. Com razão nota o Apóstolo que não haveria pão suficiente por 200 denários, muito menos se se tratasse de pão de trigo’ (Willam, Vida de Jesús 270).

§3. Escólio. a) Sobre a natureza e o modo do milagre nada dizem os evangelistas; logo, há que recorrer à analogia ou a conjecturas. — 1) Não faltam nas Sagradas Escrituras exemplos de multiplicação milagrosa da matéria (cf. Gn 2,21s: da costela de Adão foi feita Eva; 1Rs 13,13-16; 2Rs 4,1-7 etc.), ‘multiplicações que não podemos compreender senão por adição de matéria, e isto ou por criação ou por conversão’ (Jansênio, comment. liii 441 b D). A tese da criação, defendida por Santo Tomás (cf. in IV Sent. d. 18, q. 1, a. 1; STh I 92, 3 ad 1), o qual, no entanto, a abandonou mais tarde (cf. STh III 44, 4 ad 4), é rejeitada pela maioria dos autores, por ser menos conforme à οἰκονομία ordinária da Providência divina.

2) Tampouco sabemos se a multiplicação aconteceu nas mãos de Cristo (cf. Jerônimo, in Matth. 14,19) ou nas dos Apóstolos (cf. Crisóstomo, in Matth., hom. xlix 3). Entre os intérpretes, não falta quem sustente as duas coisas (e.g. Lépicier), nem quem, para engrandecer ainda mais o milagre, afirme terem se multiplicado os pães nas mãos de Cristo, dos Apóstolos e também das turbas.

b) Sentido espiritual. Além da finalidade acima referida (cf. §2, a), parece que Cristo tinha também como objetivo prefigurar pela multiplicação dos pães o mistério da Eucaristia, o que é confirmado: 1) pelo contexto de Jo, em cujo evangelho a narração do milagre serve de introdução e preparação para o sermão eucarístico (cf. 6,25-59); 2) pela semelhança entre a multiplicação dos pães e a ceia eucarística: em ambas, com efeito, Cristo olha para o céu, abençoa a comida, reparte-a, entrega-a aos discípulos etc. — 3) pela antiga tradição da Igreja, consignada em obras de arte e nos escritos dos Santos Padres.

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