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Sua angústia foi redimida pela angústia de Cristo

Às portas de sua Paixão, Jesus revela sentir-se “angustiado”. Como tudo em sua vida perfeitíssima, também isso é para nós causa de verdadeira salvação: aceitando passar pela angústia e tristeza, Cristo estava redimindo as angústias e tristezas de cada um de nós

Texto do episódio
526

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João 
(Jo 12, 20-33)

Naquele tempo, havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém, para adorar durante a festa. Aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e disseram: “Senhor, gostaríamos de ver Jesus”. Filipe combinou com André, e os dois foram falar com Jesus. Jesus respondeu-lhes: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me quer seguir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará. Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!” Então veio uma voz do céu: “Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!” A multidão, que aí estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: “Foi um anjo que falou com ele”. Jesus respondeu e disse: “Essa voz que ouvistes não foi por causa de mim, mas por causa de vós. É agora o julgamento deste mundo. Agora o chefe deste mundo vai ser expulso, e eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim”. Jesus falava assim para indicar de que morte iria morrer”.

Neste 5.º Domingo da Quaresma, a Igreja proclama o Evangelho de São João (12, 20-33), uma passagem bastante peculiar na qual alguns gregos vão até Filipe e pedem para ver Jesus.

Estamos nos aproximando da Semana Santa, e o 5.º Domingo da Quaresma, no calendário litúrgico antigo, antes da reforma conciliar, dava início a um tempo especial chamado Tempo da Paixão. Não existe mais essa denominação no atual calendário litúrgico; porém, a partir da segunda-feira que segue a 5ª Semana da Quaresma, os padres irão usar na Missa os chamados Prefácios da Paixão. Dali em diante, iremos contemplar de forma cada vez mais clara a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ora, quando se lê a Paixão de Jesus conforme os evangelhos sinóticos — Mateus, Marcos e Lucas —, encontra-se o relato da agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras. No entanto, o relato da agonia não está presente em São João. O Evangelho de São João refere-se à realidade da agonia exatamente na passagem proclamada neste domingo: “Agora, sinto-me angustiado. E o que direi? ‘Pai, livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!” (v. 27). É nesse contexto de uma perturbação interior de Jesus, nessa agitação diante da morte, que nos encontramos hoje.

Esse movimento interior de Jesus é transmitido também pela Segunda Leitura, da Carta aos Hebreus: “Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas com forte clamor e lágrimas àquele que era capaz de salvá-lo da morte” (Hb 5, 7). Ora, quando foi que Jesus fez isso? No Horto das Oliveiras, porém, no Evangelho de hoje, que precede a agonia do Getsêmani, já se anuncia a perturbação interior de Cristo. 

O que realmente está acontecendo com Jesus? Por que ficou perturbado diante da realidade da morte? Por que, para usar a linguagem de São Marcos, no capítulo 14, “Ele ficou triste e angustiado”, começou a sentir medo e pavor? Antes de entrar na psicologia de Cristo, exploremos um pouco mais o contexto do Evangelho. 

O Evangelho fala de uns gregos que queriam ver Jesus, por isso vão falar com o Apóstolo Filipe. Filipe procura André, e os dois conduzem a Cristo aquele grupo de pagãos. Como Jesus se manifesta a eles? Ele poderia muito bem se apresentar como o Messias esperado. Afinal de contas, era o que todo o mundo já estava mais ou menos entendendo. Além disso, esses gregos não eram simples gentios; eram provavelmente prosélitos, ou seja, pessoas que não pertenciam à raça judaica, mas que observavam a Lei revelada no Antigo Testamento. Essa é a única explicação possível, visto estar escrito que eles subiram a Jerusalém “para adorar durante a festa” (v. 20). 

Pois bem, esses gregos poderiam ver Jesus como o Messias. Poderiam até ir além, como fez São Pedro no Evangelho de São Mateus, e dizer publicamente: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16). Mas quando os gregos dizem: “Nós queremos ver Jesus”, Jesus não se apresenta como Messias. Apresenta-se como vítima, uma das realidades que temos mais dificuldade de enxergar hoje em dia.

Entre os “simpatizantes” da religião cristã, como esses prosélitos gregos do início do Evangelho, alguns até chegam a admirar Jesus. Vão, por assim dizer, até certo ponto. Veem nele um mestre, uma pessoa vinda do Céu, quem sabe um “avatar”, um “iluminado”, um sábio, um “espírito-guia”… Mas nenhum deles reconhece em Jesus o que Ele está querendo manifestar. Ele se manifesta como vítima na Cruz. 

É uma das últimas frases do Evangelho deste domingo: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (v. 32). É na Cruz que Jesus nos atrai. Queremos vê-lo, mas a luminosidade de Cristo vem justamente da Cruz, realidade que, por si mesma, pode parecer tenebrosa. Uns gregos dizem: “Queremos ver Jesus”. Os povos todos que ouvem falar de Cristo o repetem: “Queremos conhecê-lo”, e até conseguem enxergá-lo em parte: o Jesus atraente, que brilha na sua doutrina sublime e elevada, nos seus milagres numerosos, nas suas virtudes e atitudes humanas.

Os admiradores de Jesus param por aí. Os verdadeiros discípulos, os que têm fé em Jesus e o amam, precisam dar mais um passo, ou seja, devem compreender que Ele se manifesta glorioso num momento que, humanamente falando, é o mais tenebroso. Jesus é o tesouro escondido na Cruz. Levantado sobre a terra, esconde o seu fulgor aos olhos da carne, mas manifesta sua glória aos que têm fé. 

Neste Tempo da Paixão, temos de entender que, se queremos conhecer Jesus, precisamos nos aproximar dele como vítima de amor. Querer conhecê-lo, e deixar a Cruz de lado, quase entre parênteses, é impossível.

A Igreja, então, nos ensina pedagogicamente a conhecer Cristo, que nos atrai com a glória escondida na Cruz. Neste 5.º Domingo da Quaresma, a liturgia nos aconselha a cobrir as imagens com um véu roxo, inclusive as cruzes. A Cruz de Cristo, agora coberta de roxo, está nos dizendo: “Em mim se esconde uma revelação” (‘revelação’ quer dizer ‘tirar o véu’). 

Ao olhar humano, esse véu é espesso, véu de dor, de fracasso e de angústia. O que é a Paixão de Cristo ao olhar humano? A derrota total, algo impenetrável, no qual nada há de bom. Diante da Cruz, fazemos o que narra o profeta Isaías, ao falar do Servo sofredor: “Seu aspecto era tão desfigurado, tão terrível, que era de alguém do qual se vira o rosto”. 

Esse é o olhar humano; mas debaixo do véu de torturas, de “fracasso”, de dor, oculta-se a glória que Jesus quer nos manifestar. Ele nos explica esse segredo com uma singela parábola — mais que uma parábola, é uma metáfora, uma comparação —, dizendo: “Se o grão de trigo cai na terra, não morre, continua a ser só um grão de trigo; se morre, então produz muito fruto”. Essa comparação traz em si a realidade profundamente verdadeira de que há algo vivificante na morte aceita por amor. 

A humanidade olha para a Cruz de Cristo, e vê um crime, um justo e inocente condenado à morte por juízes iníquos. Mas, debaixo do véu da realidade visível do crime, há uma doação de amor, uma entrega total que só enxerga quem tem fé. Os gregos dizem: “Queremos ver Jesus”, e talvez você também esteja dizendo: “Eu quero ver Jesus”. Você tem buscado a Igreja, ido à Missa, a grupos de oração, a pastorais e a grupos de jovens. Com isso, você está buscando Jesus, quer ter dele conhecimento direto: “Queremos ver Jesus”, mas você nunca o verá, de fato, enquanto rejeitar a Cruz, enquanto for um daqueles que viram o rosto diante da Cruz horrorizados. 

É preciso penetrar um véu espesso para enxergar o que está por trás da Cruz: o amor. Voluntariamente, Jesus se entregou por amor a nós.

Talvez alguém esteja se perguntando: “Se foi ‘voluntariamente’ que Jesus se entregou por amor, como é possível que Ele tenha suado sangue no Horto das Oliveiras? Como é possível aceitar aquela descrição do evangelho de São Marcos, de um Cristo apavorado no Horto das Oliveiras?” Trata-se do capítulo 14 do Evangelho de São Marcos. No versículo 33, Jesus leva consigo Pedro, Tiago e João, e começa a sentir pavor e angústia. Se Jesus está se doando livremente, por que sente pavor e angústia? Ele chega a confessar a esses seus três amigos íntimos: “Sinto uma tristeza mortal. Ficai aqui e vigiai” (Mc 14, 34). 

Se Ele suou sangue, sentiu uma tristeza mortal, angústia e pavor, como é possível que tenha feito disso tudo um ato livre de amor? Santo Tomás de Aquino nos explica isso. Em nosso mundo interior, temos o que é próprio da alma humana, a faculdade racional e a vontade; bem como aquilo que é comum aos animais, a parte sensitiva, que corresponde, de acordo com a ciência moderna, a fenômenos cerebrais. 

Ora, nosso cérebro segue uma lei básica e fundamental: “Foge da dor, busca o prazer”. Em Jesus, o cérebro, as emoções, o psiquismo — para usar uma linguagem moderna —, ou seja, as paixões, a realidade sensível, tudo estava submetido à razão. Jesus, homem perfeito, tinha pleno controle das paixões. Nós, pelo contrário, sofremos com elas. Não temos escolha. Quando se sente medo, sente-se medo. O medo não nos pede licença. O que se faz com ele já é outra história: podemos controlá-lo, direcioná-lo ou sucumbir a ele; mas o medo, como qualquer outro sentimento, vem sem ser convidado.

Quando se sente angústia, sente-se angústia. Até podemos controlá-la fazendo oração ou tomando quiçá um ansiolítico; mas, em todo caso, não pedimos para sentir angústia; ela nos vem sem que peçamos. Em Jesus isso não ocorria, sendo Ele homem perfeito, com perfeito governo de seus sentimentos. No entanto, Ele quis redimir o nosso mundo emocional, por isso aceitou livremente toda a nossa miséria quando “chegou a sua hora”. 

No mesmo Evangelho de São João, no capítulo 2, o Senhor disse à Virgem Maria: “A minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 4). Agora Jesus diz: “Que direi, Pai? ‘Livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12, 27). Chegada a hora, Jesus faz o quê? Solta as rédeas do seu mundo emocional para viver nossas angústias, dores e tristezas, para assim redimi-las. 

É uma grande consolação ver a angústia de Jesus neste Evangelho e no Horto das Oliveiras. Consola-nos saber que Ele viveu a angústia pensando em nossas angústias. Se você está abatido, angustiado ou “triste até a morte”; se você tem medo, terror ou pavor; se você está deprimido e desanimado, saiba que Jesus, ao padecer esses sentimentos terríveis, pensava em você, e permitiu ao seu corpo sentir todas essas emoções, a fim de redimir o nosso mundo emocional.

A tristeza de Jesus redime a sua tristeza; a agonia dele, a sua agonia: Ele, angustiado, pensava nas suas angústias; triste, pensava nas suas tristezas; com medo e pavor, pensava no seu medo e no seu pavor, e assim os redimia, como que nos dizendo: “Tu és meu. Vim para sofrer por ti, para mudar o teu mundo interior, para curar as tuas paixões, os teus sentimentos. Confia em mim, crê em mim”. 

É necessário esse ato de fé. Sem isso, quando virmos Jesus (como queriam os gregos do Evangelho), o que de fato iremos enxergar, escandalizados, será o véu espesso da Cruz: crime, sofrimento, angústia, dor; numa palavra, um homem abandonado por todos, até por Deus. Mas com fé, podemos penetrar o véu espesso do escândalo da Cruz e então ser atraídos. A glória de Deus irá brilhar para nós, e veremos o Coração de Cristo, que por nós viveu tudo isso, abrasado de amor.

Sim, Ele pensava em cada um de nós. Quando alguns gregos foram vê-lo, Jesus olhou para eles e viu o seu rosto, e, sabendo que era por isso que você estaria passando — suas angústias e suas dores —, disse-lhes: “Chegou a hora de o Filho de homem ser glorificado” (v. 23). É preciso ter fé para ver a glória; do contrário, só se enxerga o véu espesso da carne, totalmente dilacerada. Se tiver fé, também você verá a glória do Filho de homem, porque irá perceber que, se Ele não caísse na terra para morrer como grão de trigo, você estaria sozinho. Mas você não está sozinho, porque Ele deu a vida para salvar a sua.

Portanto, olhe para a sua dor e creia que já não é você quem sente dor; é Cristo quem sofre em você. Olhe para o seu coração, tomado de angústia, tristeza e pânico, e creia que já não é você quem sofre; é Cristo quem sofre em você. Então você ouvirá a voz do Senhor, voz do Altíssimo que, como um trovão, ressoa: “Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo” (v. 28). Assim, a luz e o amor de Cristo brilharão e você poderá entrar no Tempo da Paixão, com uma fé sólida, penetrando o véu do escândalo da carne, para ver a glória do amor escondido no Crucificado. 

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